Professores apelam ao S.TO.P! que retire greve por tempo indeterminado para evitar serviços mínimos em futuros protestos

28 fev 2023, 17:35
Manifestação nacional de professores e educadores (António Pedro Santos/ Lusa)

Sindicato Independente dos Professores e Educadores alega que a indefinição no tempo é um dos argumentos para o colégio arbitral decretar serviços mínimos. Para a paralisação de quinta-feira, no Norte do país, e de sexta-feira, no Sul, os sindicatos que compõe a plataforma sindical interpuseram ações judiciais, que dificilmente devem surtir efeito em tempo útil

O Sindicato Independente dos Professores e Educadores (SIPE) apela ao S.TO.P! (Sindicato de Todos os Profissionais da Educação) que retire a greve por tempo indeterminado (até porque, na prática está a fazer greve em dias específicos) para, assim, retirar argumentos para imposição de serviços mínimos em futuras lutas. Isso mesmo disse Júlia Azevedo, presidente do SIPE, em declarações à CNN Portugal.

“Que sentido tem uma greve por tempo indeterminado se ninguém a pode fazer, porque ela acaba por ser insustentável nesses termos. Apelamos ao S.TO.P que retire as greves por tempo indeterminado, para podermos fazer greves sem serviços mínimos, porque um dos argumentos para a decretação de serviços mínimos é esse caráter indeterminado da greve”, alega a presidente do SIPE.

A sindicalista está convencida que os serviços mínimos decretados pelo colégio arbitral para os dias 2 e 3 de março sofre do efeito de contágio da medida que já tinha sido decretada para a greve do S.TO.P! de 27 de fevereiro a 11 de março. Até porque, alega, a greve anunciada pela plataforma sindical (que agrega, além do SIPE, a ASPL, a Fenprof, a FNE, a PRÓ-ORDEM, o SEPLEU, o SINAPE, o SINDEP e o SPLIU), é uma greve de apenas um dia entre Coimbra e o Norte e outro dia entre Leiria e o Sul. Não pode, por isso, ser um protesto reiterado no tempo e muito menos com caráter indeterminado.

À semelhança de outras estruturas sindicais que compõem a plataforma, o SIPE avançou esta terça-feira com uma providência cautelar para tentar travar os serviços mínimos na quinta e na sexta-feira, mas sem grande esperança que a resposta do tribunal venha em tempo útil. A esperança de Sandra Moreno, a jurista do SIPE, é que faça, à semelhança do que já aconteceu em 2018, jurisprudência para futuras lutas. Nessa altura, os sindicatos avançaram para tribunal e o Ministério da Educação perdeu no Supremo Tribunal de Justiça.

Quando podem ser aplicados serviços mínimos?

De acordo com o artigo 397 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, os serviços mínimos só podem ser decretados quando forem considerados “indispensáveis à satisfação” de “necessidades sociais impreteríveis”. “A título exemplificativo, está previsto, no caso da educação, a realização de avaliação finais, ou exames, ou provas de caráter nacional que tenham de se realizar na mesma data em todo o território nacional. Apenas em dois dias de greve, quando não está em causa exames nacionais, nem avaliações finais, não me parecem estar reunidos os requisitos para serem decretados serviços mínimos”, considera o jurista Telmo Semião, especialista em Direito do Trabalho.

“Convém saber se as greves estão ou não a ferir algum outro direito que seja superior ao direito à greve. A falta de aulas a determinadas disciplinas não é superior ao direito à greve que está constitucionalmente consagrado. Tanto não é que o Ministério tem alunos sem professores a várias disciplinas desde o início do ano e ainda não fez nada para os colocar”, alega Sandra Moreno, jurista do SIPE.

Consideram ainda os juristas que, não estando perante uma greve por tempo indeterminado, não se pode generalizar e deve-se “avaliar em casos concretos se há outro bem constitucionalmente consagrado que seja superior ao direito à greve”. Só nesses casos podem ser decretados serviços mínimos.

O salário dos professores

Por cada dia de greve, um professor que adira ao protesto, fica sem um dia de salário. A decisão do colégio arbitral determina que as escolas terão de assegurar três horas de aulas no pré-escolar e 1.º ciclo, bem como três tempos letivos diários por turma no 2.º e 3.º ciclos e ensino secundário, de forma a garantir, semanalmente, a cobertura das diferentes disciplinas. Ou seja, um professor que tenha aulas ao primeiro tempo terá de comparecer na escola e dar aula. E o seu salário, como fica?

“Terá de receber pelo tempo que trabalhou, sendo que até foi convocado e obrigado a fazê-lo, e ser-lhe-á descontado o resto do dia. Legalmente é assim, já o que o Ministério vai fazer não sei”, explica a jurista do SIPE.

Juridicamente, o Ministério não tem outros mecanismos, além da requisição de serviços mínimos para minimizar o impacto das greves dos professores, caso estas se repitam no tempo e venham a pontuar o funcionamento das escolas até fim do ano letivo, por exemplo. Num cenário em que nenhuma das partes parece dar sinais de ceder, a questão pode vir a colocar-se mais vezes até junho.

Numa resposta escrita à CNN Portugal, o Ministério da Educação garante que “tem procurado manter um diálogo permanente e construtivo com os professores, o que continuará a fazer no âmbito dos diferentes temas em negociação coletiva”. “Naturalmente que o Ministério da Educação age na defesa de direitos constitucionalmente consagrados, nos termos legalmente previstos”, acrescenta.

A decisão do colégio arbitral

Já tinham sido decretados serviços mínimos para esses dias, mas a decisão anterior, referente ao período entre 27 de fevereiro e 10 de março, dizia apenas respeito à greve por tempo indeterminado do Sindicato de Todos os Profissionais da Educação.

De acordo com o acórdão publicado esta segunda-feira, o colégio arbitral fixou, por decisão da maioria, o mesmo conjunto de serviços mínimos para a paralisação convocada pela plataforma sindical, que inclui as federações nacionais dos Professores (Fenprof) e da Educação (FNE).

Além das aulas, devem estar também garantidos os apoios aos alunos que beneficiam de medidas adicionais no âmbito da educação inclusiva, apoios terapêuticos, apoios aos alunos em situações vulneráveis, o acolhimento dos alunos nas unidades integradas nos Centros de Apoio à Aprendizagem e a continuidade das medidas direcionadas para o bem-estar socioemocional.

No acórdão, o colégio arbitral justifica a decisão fazendo referência ao atual contexto, marcado por greves no setor que se prolongam desde dezembro, e sublinhando que, apesar de não estar em causa a realização de exames, previstos na lei do trabalho como necessidades sociais impreteríveis, o caráter duradouro das paralisações prejudica o trabalho necessário para a preparação dessas avaliações.

E quanto à greve da plataforma sindical, argumenta que “não pode ser vista apenas como uma greve de um só dia que apenas causará os habituais e legítimos transtornos que qualquer greve sempre ocasiona”. Por outro lado, acrescenta, é “mais uma greve num somatório de greves que, no seu conjunto, ameaçam já pôr em causa o direito à educação”.

“Uma ilegalidade”, dizem os sindicatos

Numa conferência de imprensa, que decorreu ao final do dia em Coimbra, o secretário-geral da Fenprof mostrou-se surpreendido com o facto de o Tribunal Arbitral ter reunido para decidir sobre os serviços mínimos da greve, quando o Ministério da Educação, que os requereu, “desistiu deles”.

“Foi uma surpresa termos visto o decretamento destes serviços mínimos, que ainda por cima não são bem mínimos, porque são iguais àqueles que já estavam a ser decretados. São serviços mínimos que obrigam todos os professores a terem pelo menos três horas de aulas por dia, o que é uma coisa extraordinária”, acrescentou.

De acordo com Mário Nogueira, como a greve é de apenas um dia em cada escola, e não decorrem exames ou avaliações finais, não estão reunidos os pressupostos que preveem os serviços mínimos.

“Portanto, em nossa opinião, estamos perante uma ilegalidade. Uma ilegalidade, desde logo pelo facto de a própria entidade requerente ter desistido e o colégio arbitral ter reunido à mesma e ainda porque não são serviços mínimos a incidirem sobre aquelas atividades das escolas que a lei estabelece e identifica com clareza que têm serviços mínimos”, sustentou.

O que estão a preparar os sindicados para já

Para tentar travar a decisão do colégio arbitral, os sindicatos que compõem a plataforma sindical recorreram aos tribunais. Cada estrutura sindical apresentou uma ação cautelar (intimação ou providência) para tentar suspender a decisão. Além disso, ponderam em conjunto avançar com uma ação em tribunal para que os serviços mínimos sejam considerados ilegais, como aconteceu em 2018.

No que toca à luta propriamente dita, se os serviços mínimos não forem suspensos nas paralisações desta semana, os sindicatos instam “os professores e os educadores a, nestes dias, se limitarem ao estrito cumprimento desses serviços, não aceitando desenvolver qualquer outro para além daquele (que, por ser cumprido, não poderá ser descontado no salário), usando o autocolante que os identifica como estando em serviços mínimos”. Vão ainda promover concentrações à porta das escolas, no dia da respetiva greve.

A plataforma sindical tinha prevista uma manifestação para dia 4 no Porto e para dia 11 em Lisboa e, por causa dos serviços mínimos, decidiu antecipar o protesto da capital, realizando ambas já no próximo sábado, às 15:30.

A 7 de março, os sindicatos prometem anunciar novas formas de luta “decididas a partir da consulta que está a ser realizada junto dos professores e educadores em todo o país, no âmbito dos ‘Dias 4D - Debate Democrático pela Dignificação da Profissão’”, conforme consta de um comunicado enviado às redações.

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