Mais de metade dos professores já foram agredidos por alunos. Docentes pedem reforço da autoridade

14 out 2024, 12:15
Jovens (Reuters)

Inquérito feito junto de professores e diretores revela ainda que um terço dos docentes foi alvo de assédio laboral: "Houve alguma perseguição - e coação - durante os últimos anos de luta". Há professores com 10 horas extraordinárias atribuídas. Adesão de docentes reformados ou em vias de reforma às medidas do Ministério é “residual”

55% dos professores dizem já ter sido agredidos física ou verbalmente pelos seus alunos. É o que revela um inquérito do movimento cívico de professores Missão Escola Pública (MEP) realizado junto de 1368 professores e diretores escolares, entre os dias 30 de setembro e 6 de outubro e que foram tornados públicos e enviados para o Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) esta segunda-feira.

“Os dados revelam que a indisciplina, a burocracia e o modelo de gestão escolar são questões críticas para os docentes, afetando o seu bem-estar e desempenho. Em particular, uma percentagem significativa de professores relata ter sido alvo de agressões físicas ou verbais por parte dos alunos”, destaca o MEP no relatório que acompanha os dados.

“A indisciplina é um dos fatores que mais perturbam os professores no seu desempenho e no seu bem-estar. Todos os dias, nas salas de professores ou em reuniões formais ouvimos relatos ou desabafos de professores que foram agredidos física e verbalmente por alunos”, acrescenta Cristina Mota, porta-voz do MEP, em declarações à CNN Portugal.

Por isso, os docentes pedem a implementação de medidas que se traduzam num reforço da autoridade dos professores nas salas de aula e lhes deem ferramentas para lidar com a indisciplina. Pedem também proteção contra agressões e assédio no trabalho e a criação de políticas mais eficazes de gestão de conflitos nas escolas.

Entre as medidas sugeridas pelo MEP para fazer face e prevenir situações de agressão estão “formação contínua sobre gestão de sala de aula e resolução de conflitos, com um foco prático”, “medidas disciplinares mais eficazes para proteger os professores de agressões e comportamentos disruptivos, como a criação de protocolos claros para lidar com situações de violência ou agressão”, “responsabilização dos encarregados de educação pelos atos de violência dos seus educandos” e “apoio psicológico e jurídico acessível aos docentes que enfrentam situações de agressão”.

O inquérito vem ainda mostrar que o assédio laboral é uma realidade nas escolas portuguesas, com 33,4% dos inquiridos a confessarem já terem sido alvo de assédio laboral em alguma altura da sua carreira. “É uma realidade que temos visto aumentar. O facto de se ter alterado o modelo colegial de gestão das escolas para um modelo unipessoal tem contribuído para este aumento. A luta de professores também foi motivo para situações de assédio laboral. Na adesão à greve às provas de aferição, por exemplo, tivemos professores com faltas injustificadas que, depois de contestadas juridicamente, vieram a ser levantadas. Houve alguma perseguição de colegas durante os últimos anos de luta nas escolas. Esses relatos também são extensivos a assistentes operacionais, com coação de funcionários para substituição de colegas que estão em greve”, exemplifica Cristina Mota.

“Os professores querem o regresso do modelo colegial e o fim do modelo unipessoal de gestão das escolas”, resume a porta-voz do MEP, destacando que mais de 75% dos docentes que responderam ao inquérito querem o regresso de um modelo colegial de gestão das escolas eleito diretamente pelos pares.

Fim da burocracia ou melhores salários: a que dão mais valor os professores?

Ainda de acordo com o inquérito, a carga burocrática associada à profissão docente é um dos fatores que mais implicações têm no desempenho e no bem-estar dos professores.  Os dados revelam mesmo que o fim da burocracia tem um peso maior do que a valorização salarial nas reivindicações dos docentes.

Quase 26% dos inquiridos apontam a redução da burocracia como a próxima reivindicação mais pertinente, enquanto 24,3% consideram os aumentos salariais como a reivindicação mais pertinente, 18% elegem a abolição das quotas no acesso aos 5.º e 7.º escalões e 12,9% a alteração do modelo de avaliação docente como as próximas exigências a serem reclamadas junto da tutela.

Os docentes pedem assim uma “simplificação dos processos administrativos para permitir que os professores se concentrem no ensino e no acompanhamento dos alunos” e propõem como uma das medidas a serem implementadas a “criação de uma lista mínima de documentos obrigatórios a ser definida pelo Ministério da Educação”.

“Apesar de o Governo anterior ter definido uma medida que consistiu em ser criada, nas escolas, uma equipa que tem como objetivo diminuir a burocracia e o atual governo ter anunciado a cessação do projeto MAIA, a maioria das escolas continua a não definir medidas nesse sentido”, sublinha o MEP.

Medidas do Ministério com expressão “residual”

O movimento de docentes procurou ainda averiguar a eficácia de algumas medidas anunciadas pelo Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) no plano +Aulas +Sucesso e revela que a adesão dos docentes às diretrizes da tutela tem uma expressão “residual”. “O número de docentes aposentados que manifestou intensão de regressar ao ensino ou aqueles que pretendem adiar a reforma, é residual, prevendo-se uma ineficácia das medidas apresentadas nesse sentido”, escreve o movimento no relatório que acompanha os dados.

“Não vamos ter professores a regressarem ao ensino ou a adiarem a reforma na dimensão que o MECI previa no plano +Aulas +Sucesso. Pelo contrário. Temos professores que, dadas as circunstâncias do ensino em Portugal, estão a antecipar a sua reforma, apesar da penalização”, acrescenta Cristina Mota.

Os dados resultantes do questionário apontam ainda para uma sobrecarga horária de alguns docentes, com exemplos de professores com professores a revelarem que lhe foram atribuídas 10 horas extraordinárias. E estes dados podem já nem estar atualizados: “Temos tido vários contactos de colegas que responderam ao inquérito e agora nos dizem que na semana passada não tinham horas extras e esta semana têm sete ou oito horas extras”.

Os dados do inquérito foram enviados ao MECI e o movimento Missão Escola Pública espera agora que as revindicações sejam tidas em conta na próxima reunião entre a tutela e os sindicatos, a 21 de outubro.

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