Retrato dos jovens portugueses: têm poucos rendimentos e elas são mais vulneráveis (em tudo)

27 nov 2021, 13:59
Jovem

Jovens portugueses vivem reféns da pressão - que muitas vezes colocam a si mesmos - e mostram que as desigualdades ainda estão enraizadas

O retrato Os jovens em Portugal, hoje: Quem são, que hábitos têm, o que pensam e o que sentem, coordenado por Laura Sagnier e Alex Morell, e apresentado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) esta tarde em Lisboa, vem colocar a nu as fragilidades dos jovens portugueses.

Ao longo de mais de 400 páginas e numa análise minuciosa a várias áreas que interferem com a vida dos jovens - do trabalho às relações familiares, amorosas e com amigos, do estilo de vida à fragilidade mental, dos hábitos à política - o estudo dá destaque ao impacto que a escolaridade pode ter na perceção de felicidade e a verdade é que quanto mais estudos, maior é a pressão que os jovens sentem e que colocam a si mesmos. No entanto, a investigação mostra que, por outro lado, “o nível de escolaridade contribui tanto para aumentar o número dos jovens que se sentem felizes ou muito felizes com a vida como para reduzir os que se sentem infelizes com ela”.

“Acho que há dados muito surpreendentes, até mesmo para especialistas que trabalham com jovens”, diz a coordenadora do estudo, que destaca a desigualdade presente entre homens e mulheres aos mais variados níveis: “É preocupante, porque estamos a ver que as mulheres têm um nível de escolaridade muito superior ao dos homens jovens e isto não se traduz numa igual posição na vida”.

Para o estudo participaram 2,2 milhões de portugueses com idades entre os 15 e os 34 anos.

Desigualdade de género em vários cenários

Da divisão das tarefas ao orgasmo (só 35% das mulheres atingem, enquanto 64% dos homens chegam ao clímax), do bullying ao acesso ao emprego. Segundo o estudo, ter um nível de escolaridade mais elevado mostrou estar relacionado “a um aumento da pressão” que os jovens sentem para ter sucesso na vida. Porém, embora sejam mais as mulheres que terminaram o ensino superior (30% face 19% dos homens), essa pressão é mais sentida por parte do sexo feminino e aos mais variados níveis: “terem sucesso no trabalho ou nos estudos, não desiludirem os pais/a família, serem fisicamente atrativas, mostrarem-se sempre bem-dispostas, terem sucesso nas relações amorosas e virem a ter filhos”, escreve o estudo.

“Diria que este estudo mostra dados muito preocupantes no que respeita à igualdade entre mulheres e homens. À exceção do aspeto físico, em que as mulheres e os homens sentem uma pressão por igual, na maioria das outras questões as mulheres estão mais vulneráveis, seja em termos de salário, de bullying, de lesões no corpo, como em termos de transtornos alimentares”, afirma Laura Sagnier, em declarações à CNN Portugal. Porém, importa salientar que o estudo dá conta que 42% das mulheres já se sentiram discriminadas pela sua aparência física - o mesmo aconteceu a 33% dos homens.

No que diz respeito ao assédio e violência, também as mulheres estão mais vulneráveis: 43% já sofreu violência psicológica (face a 29% dos homens), 30% das mulheres já foram vítimas de violência física ou sexual (8% dos homens) e 44% das inquiridas do sexo feminino já foram alvo de violência fora do âmbito da intimidade do jovem (26% dos homens). Quanto à violência nas relações de intimidade, seja de cariz psicológico, físico ou sexual, há mais uma diferença entre elas e eles: 26% das mulheres e 12% dos homens já passaram por um episódio.

Para a investigadora, perante a desigualdade de género é “a coeducação que não está a funcionar, ainda há muitas ideias [ao estilo dos filmes] da Disney, em que o príncipe vai salvar a princesa que está ferida. Já desde pequenos que os homens crescem a ver muita mais representatividade tanto a nível de dirigentes políticos como a nível de dirigentes de empresas com poder. Tudo isto que vemos desde que nascemos resulta naquilo que aceitamos sobre o que podemos fazer”, diz a economista, falando da maior facilidade que os homens jovens têm em empoderar-se quando comparados com as jovens mulheres.

“A discriminação ‘pelo sexo’ é aquela em que há maior diferença entre as mulheres e os homens. Entre as mulheres jovens, 34% referem ter-se sentido discriminadas por serem mulheres, enquanto apenas 6% dos homens jovens referem ter-se sentido discriminados por serem homens”, anuncia a investigação.

Longe da emancipação financeira

A entrada no mercado de trabalho e a independência financeira são dois dos aspetos que mais têm impactado a vida dos jovens portugueses. Entre o primeiro trimestre de 2020 e o período homólogo de 2021, a taxa de desemprego entre os jovens situava-se nos 22,3% até aos 24 anos e nos 24,7% até aos 34 anos. E a pandemia veio complicar ainda mais a situação dos jovens: desde março de 2020 que há 100 mil jovens sem emprego.

De acordo com o estudo apresentado pela FFMS, entre os jovens que têm rendimentos “quase metade (49%) gasta mais de 80%” do que ganha, sendo que, em média, a despesa é de 73% da totalidade dos rendimentos. 

Apesar de a escolaridade resultar em vínculos contratuais mais estáveis, o estudo indica que um terço dos jovens com o ensino superior recebe cerca de 767 euros líquidos por mês. Entre os que têm menos formação não há praticamente jovens que ganhem esse valor sequer.

E, mais uma vez, há diferenças entre homens e mulheres. Elas, em média, ganham menos e apenas “38% das mulheres ganham mais de 767€ líquidos por mês face a 50% dos homens”.

“Os que auferem maiores rendimentos mensais líquidos são os que têm ‘profissões com formação superior ou autonomia criativa’ e os que desempenham ‘funções superiores de administração e direcção’. Respectivamente, nestes dois tipos de trabalho, 50% e 48% dos jovens recebem mais de 950€ líquidos por mês”, lê-se no estudo.

Diz o estudo que “só 19% [dos jovens] referem que o rendimento atual permite viver confortavelmente”. Além disso, dos jovens que já terminaram os estudos, 7% nunca tiveram um trabalho pago e 14% estão desempregados.

Os baixos rendimentos ajudam a explicar o facto de 43% dos jovens ainda viverem em casa dos pais, sendo que, aqui, entram ainda os menores (15 aos 17 anos), também envolvidos no estudo. “Entre os jovens que vivem em casa dos pais ou de familiares, um pouco mais de um quarto (27 %) não sabem responder à questão sobre com que idade pensam que irão sair definitivamente dela”, diz a investigação.

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