Eldar Shafir é professor de Ciências Comportamentais na Universidade de Princeton e foi membro do conselho consultivo de Barack Obama sobre capacidade financeira. Foi um dos oradores no quinto congresso da Ordem dos Piscólogos, que decorreu em Aveiro, sob o mote "O Tempo da Psicologia"
Eldar Shafir propôs-se a estudar a forma como a escassez afeta as capacidades cognitivas e o resultado foi publicado no livro "A Tirania da Escassez: Porque é que tão pouco significa tanto!", que escreveu em co-autoria com Sendhil Mullainathan. O professor na Universidade de Princeton e antigo consultor de Barack Obama, que esta quinta-feira esteve no congresso da Ordem dos Psicólogos, em Aveiro, não tem dúvidas: "Quando não se tem o suficiente, a mente concentra-se tanto naquilo que não se tem, que acaba por negligenciar tudo o resto. E isso pode influenciar os acontecimentos da nossa vida".
Quem vive com um orçamento apertado, explica Shafir, vive em sobrecarga cognitiva, porque tem de estar sempre atento aos gastos e a fazer contas. Por vezes, estas pessoas acabam por tomar decisões erradas que podem até perpetuar a sua condição de pobreza, como acontece com os empréstimos bancários, exemplifica. O investigador refere que nos Estados Unidos isto representa "um verdadeiro desastre". Para fazer face a gastos urgentes - a renda de uma casa, uma despesa médica de emergência, por exemplo - as franjas mais pobres da população recorrem a empréstimos com juros altíssimos e acabam por entrar numa bola de neve de dívidas.
Em entrevista à CNN Portugal, Shafir explica que a escassez financeira acaba por se relacionar também com um menor número de oportunidades: "Como tens menos cabeça para pensar noutras coisas, podes dedicar menos tempo à procura de um novo trabalho ou até a fazer novos amigos". Por outro lado, acrescenta, "quando vives em escassez financeira, os bancos estão menos interessados em ti, as instituições estão menos interessadas em ti, as pessoas estão menos interessadas em ti". "E tu estás sobrecarregado", vinca.
Quando os ricos não querem que os pobres comprem coisas
Além disso, o investigador considera que "há uma narrativa muito forte entre os mais ricos: não querem que os pobres não ajam como pobres". "Sempre que vemos os mais pobres a comprar sapatos bons, um brinquedo ou um chocolate para o filho, olhamos para o que eles fazem, mas nunca paramos para pensar quantas vezes eles fazem isto, quantas vezes disseram não ao filho antes de dizerem sim. As pessoas veem os mais pobres ocasionalmente e esperam que eles ajam de uma certa forma. A piada está em nós", frisa.
"Depois de muitas tentativas para melhorar a assiduidade escolar, percebeu-se que o que resulta melhor é dar aos miúdos um bom uniforme. Quando têm isso, as crianças ficam contentes e vão para a escola outra vez. É claro que o estereótipo é muito poderoso: por exemplo, se todas as crianças à minha volta estão a calçar sapatilhas da Nike e eu não as puder comprar isso pode ser um fardo muito pesado", sublinha.
Questionado sobre a forma como a escassez teve um impacto também no contexto pandémico, o investigador quis assinalar a ideia de que por causa da covid-19 "as pessoas perceberam que muitos dos trabalhadores que ganham menos dinheiros são essenciais". "As pessoas que não levamos a sério são aquelas das quais a nossa vida depende, dos trabalhadores do lixo aos que entregam a nossa comida, aos enfermeiros, condutores". Mas essa perceção é para durar? Shafir acredita que não. "Isto é temporário. A pandemia acaba e as pessoas vão esquecer e voltar às perceções habituais", remata.