Será possível evitar a morte natural no ser humano? “Em teoria, claro”. Como a ciência está a tentar que vivamos mais e melhores anos

8 jun 2023, 08:00
Avós e netos (Getty Images)

Ainda não parece real podermos passar para lá dos 120 anos, mas já se sabe que o ser humano consegue lá chegar. Falta perceber como

Uma árvore milenar, uma alforreca imortal ou uma tribo nos confins da Amazónia. Estas são três das vias em estudo para tentar fazer com que o ser humano consiga viver mais tempo, mas também mais tempo com qualidade. Nos últimos séculos a esperança média de vida quase triplicou, mas a ciência procura sempre novas formas de tentar estender a vida.

Esse é o dia a dia de Rui Diogo, um português que está nos Estados Unidos a estudar formas de vivermos mais e melhor, numa área a que gosta de chamar, por brincadeira, "biologia da morte". Em conversa com a CNN Portugal, o biólogo de formação conta que o seu objetivo é perceber “porque é que realmente se envelhece”, e qual o papel da biologia nesse processo.

“O próprio envelhecimento é quase uma extensão da reprodução”, refere, utilizando uma metáfora que incluiu no livro que está a escrever com outros autores. “Imaginemos que um avião vai de Lisboa a Washington D. C.. A viagem gasta mil litros de combustível, mas nunca se pode atestar com mil litros, porque pode haver algum problema. Então colocamos 1.100 ou 1.200 litros. O envelhecimento, no fundo, visto de uma maneira biológica, é como uma extensão da reprodução. Temos de ter o mínimo para que o animal se possa reproduzir, mas damos mais algum tempo, caso algo corra mal.”

“O interessante no ser humano, ou noutros animais como o elefante, é conseguirem expandir essa extensão, que é cada vez maior. Em vez de levar os 1.100 litros iniciais o avião já leva 1.300 litros ou mais”, acrescenta, sublinhando que se vão encontrando novas formas de esses “litros” serem úteis, como acontece com o papel dos avós.

O segredo escondido nas florestas e no mar

A Biologia Animal é uma das grandes esperanças dos investigadores. Há árvores que vivem mais de três mil anos, peixes que vivem mais de 200 anos e até uma alforreca imortal. Rui Diogo lembra que “comparar os humanos com os animais é uma coisa que não se fazia muito”, sobretudo num espectro tão alargado. “Estuda-se muito os ratos, como envelhecem, mas não é um animal que tenha um envelhecimento por aí além”, nota, explicando que há peixes, como o esturjão, que podem viver mais de 200 anos. “Há alguns peixes que praticamente só morrem por acidente, não morrem por envelhecimento”, acrescenta.

O mesmo se pode dizer das grandes sequoias, algumas delas existentes ainda antes de Cristo. E isso, diz Rui Diogo, significa que biologicamente é possível evitar a morte: “Claramente, consegue-se quebrar o envelhecimento. A pergunta de ‘se alguma vez o ser humano conseguirá quebrar?’… parece que a biologia conseguiu.”

A Turritopsis Dorhnii tem apenas 4,5 milímetros, mas é conhecida como a medusa imortal, uma vez que é capaz de se regenerar infinitamente, como que criando clones. Neste caso, a medusa não só não morre, como não envelhece, tal como as bactérias, que se conseguem dividir para subsistir. Então, será possível evitar a morte natural no ser humano? “Em teoria, claro”, afirma Rui Diogo, vincando que não é possível saber quando e quais os avanços que vão permitir que lá cheguemos (se chegarmos). Mas uma coisa o biólogo garante: “Por 2050, a medicina já nos vai conseguir dar mais uns anos de vida”.

“Assim, ao invés de se estudarem ratos, devemos estudar as medusas, perceber porque é que não envelhecem. É muito mais lógico ver os genes que a medusa tem e nós ou os ratos não temos”, reitera o biólogo.

Apresentação de uma alforreca imortal (Ian Gavan/Getty Images)

O oxigénio que nos mata

O objetivo dos investigadores é retardar ao máximo o envelhecimento, já havendo conhecimento do que o provoca: o oxigénio. Sim, o ar que respiramos é também o responsável pelo processo de envelhecimento. A explicação está na oxidação, o processo que desgasta as células do corpo. “No fundo, nós morremos porque envelhecemos, pela oxidação das células”, explica Rui Diogo, encontrando aí uma ironia: “O oxigénio que respiramos é, no fundo, aquilo que nos mata.”

“É o oxidar das células do corpo humano e dos animais em geral que vai matando, a pouco e pouco. É como o ferro. Quando temos uma bicicleta muito velha ela começa a oxidar com o passar do tempo. O paradoxo é que a bicicleta não precisa de oxigénio [para viver]”, vinca.

É por isso que a “moda” dos antioxidantes faz tanto sentido, ainda que não seja tão fácil assim retardar o processo de envelhecimento. “Comer uma romã ou beber um sumo de frutos vermelhos faz bem, mas não é assim tão fácil. Se fosse só mudar um gene a natureza provavelmente já o teria feito”, nota o investigador, falando num processo mais complexo que não dá para corrigir apenas pela aprendizagem do corpo.

Ainda assim, essa alteração genética pode ser o início do caminho. Rui Diogo destaca que já se consegue aumentar a vida dos ratos através dessa modificação. Nas moscas, por exemplo, consegue-se aumentar o tempo de vida em 500 vezes. “Para os seres humanos não está a conseguir ser fácil replicar minimamente isso”, lamenta.

A Amazónia a ensinar a viver

Não são apenas animais que se estudam para perceber como prolongar, em tempo e qualidade, o nosso tempo de vida. Que animal mais parecido connosco do que nós próprios? Desde há uns anos que os investigadores identificaram uma característica numa tribo que vive isolada no meio da floresta da Amazónia boliviana.

Em 2017 a revista The Lancet publicou um estudo em que concluía que os cérebros dos Tsimane envelhecem mais devagar do que os dos restantes humanos, nomeadamente os europeus e os norte-americanos. Essa é uma das áreas de maior investigação de Rui Diogo, a Medicina de Desenvolvimento Antropológico, que pretende comparar seres humanos do Ocidente com outros povos.

Uma imagem rara, mas cada vez mais comum: sequoias mortas após um incêndio devastador na Califórnia (Gary Kazanjian/AP)

“Esses seres humanos não vivem da mesma forma que nós. Vivem em florestas, como outros animais”, nota o investigador, que pede que se alarguem horizontes, uma vez que o conhecimento existente do envelhecimento se baseia nos países e nas populações mais desenvolvidas. E este alargamento traz duas conclusões: não só existem tribos que vivem mais e melhor que nós, como os ocidentais têm doenças e problemas que não existem noutros locais.

“O que pensávamos que era o envelhecimento natural do ser humano, já sabemos que não é. É só um tipo de envelhecimento que passa em sociedades industrializadas”, sublinha Rui Diogo, garantindo que problemas como doenças autoimunes não estão tão presentes em sociedades menos desenvolvidas. Mais do que um envelhecimento natural, o que existe é “o corpo a atacar-nos”.

Acaba por ser um equilíbrio difícil, admite o investigador, até porque o sistema imunitário tem de se habituar. Há muito mais Tsimane a morrerem em idade jovem, até aos 15 anos. Mas, quando lá chegam, a sua esperança média de vida com qualidade está bem acima da maioria dos países desenvolvidos.

“A existência de tantas doenças autoimunes é um desequilíbrio que parte da industrialização, de comer muito açúcar, muita carne. Os Tsimane são um povo não industrial, que tem hortas, mas que vive sobretudo na floresta”, explica Rui Diogo. A esperança média de vida deste povo até pode ser baixa, mas quem vive mais, vive muito e bem. E são as características dessas pessoas que importa estudar.

“Nos povos não industrializados as crianças morrem muito. Não há antibióticos, vacinas, então há muita mortalidade infantil. Mas também há outra coisa: quem não morre até aos 15 anos vive até aos 82 ou mais com uma vida quase sempre muito saudável. Isso bate quase todos os países industrializados”, diz o biólogo, que aponta nos Tsimane “muita longevidade e, sobretudo, muita qualidade de vida”.

Tribo Tsimane na Amazónia boliviana (Michael Gurven/AP)

Em Portugal, por exemplo, a esperança média de vida até é bem maior. Jovens morrerem até aos 15 anos é raríssimo, mas a qualidade de vida de quem caminha para os 80 é muito pior. “Um Tsimane vive mais e melhor do que um português”, reitera Rui Diogo. E isso por causa do estilo de vida: a obesidade, o tabaco, o álcool e muitos outros hábitos presentes no Ocidente não chegam à tribo boliviana na mesma dimensão.

E é um regresso ao princípio: não é tanto quanto se vive, mas como. Em Portugal até há mais gente a viver para lá dos 80 anos. Em conjunto com o Japão ou a Grécia, por exemplo, Portugal é dos países com mais centenários por mil habitantes. Rui Diogo destaca, no caso português, a importância da dieta mediterrânica. Já no caso japonês existe uma diferença entre Tóquio e outras grandes cidades e as zonas mais rurais. Ali, como em grande parte de Portugal, os alimentos chegam mais frescos, há muita socialização, etc.

E viver mais é viver quanto? Rui Diogo termina dizendo que, para já, não parece real podermos passar dos 120 anos, mesmo que essa seja uma idade quase inalcançável. “É bom primeiro percebermos como podemos chegar lá”, conclui.

Apenas uma pessoa atingiu essa idade, chegando mesmo aos 122 anos e 164 dias. Era a francesa Jeanne Calment, que nasceu em 1875 e morreu em 1997. Recentemente também houve estudos, como um citado pela Comissão Europeia, que admitiram que o ser humano pode mesmo chegar aos 150 anos. Para trás parece já estar um outro estudo, de 2017, em que a revista Nature dizia não ser expectável que um ser humano venha a viver para lá de 115 anos.

Jeanne Calment é a pessoa que mais tempo viveu na história. Morreu com 122 anos e 164 dias (Florian Launette/AP)

O professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa João Gorjão Clara diz à CNN Portugal que "o envelhecimento fisiológico é inevitável". Por agora existem apenas formas de o disfarçar: pinta-se o cabelo, fazem-se operações plásticas ou outros procedimentos.

"Eu posso disfarçar o meu envelhecimento biológico através da cosmética, mas impedir o envelhecimento, atrasá-lo, até agora, de uma maneira científica, não é possível", vinca, assinalando que continuam a decorrer testes com fármacos, como a metmorfina, para se perceber os efeitos que poderão ter no atrasar do envelhecimento.

Para o especialista o ponto fulcral será quando formos capazes de saber manipular os genes com que nascemos e que nos determinam a esperança média de vida. "Através do comportamento externo podemos fazer com que a nossa expressão genética de longevidade se manifeste em pleno. Por exemplo, se nascemos para viver até aos 80 anos, mas fumamos, bebemos em excesso e não fazemos exercício, não vamos permitir aos nossos genes, que marcavam uma esperança média de vida de 80 anos, que lá cheguem. O que eu penso é que um dia vai ser possível interferir nos genes que ordenam e comandam o envelhecimento, alterando o comportamento e dominando o determinismo que nos obriga inesperadamente a envelhecer e a morrer", exemplifica João Gorjão Clara, dizendo que "é aí que está a chave da longevidade".

"Por isso é que eu digo: será na interferência genética, quando conseguirmos interferir e dominar os genes que são responsáveis pelo nosso envelhecimento, que vamos conseguir viver muitos mais anos e, eventualmente, com muito mais qualidade e muito menos doenças", reforça.

O que podemos fazer para envelhecer bem

Independentemente do que possam vir a dizer os estudos e as investigações, a ciência já provou que há vários comportamentos que retardam o envelhecimento das células. E isso significa ter comportamentos adequados para o bem-estar físico e psicológico.

O presidente da Sociedade Portuguesa de Geriatria e Gerontologia afirma à CNN Portugal que as pessoas têm, atualmente, um maior conhecimento e mais preocupação com o que têm de fazer para retardar o envelhecimento e o agravar da sua saúde. Manuel Carrageta explica que “as pessoas vão ao médico não só para fazer a prevenção das doenças, mas também à procura de um envelhecimento saudável”.

Essa é, de resto, uma das atividades mais importantes da Geriatria, que pretende ajudar as pessoas no dia a dia, mas com olhos postos no futuro. “Os estudos feitos em animais e em células estão ainda em fase de investigação, ainda não têm aplicação clínica. Algumas delas serão o futuro, mas hoje temos, essencialmente, aspetos fundamentais de uma vida saudável”, refere o especialista.

João Gorjão Clara não tem dúvidas: "Há muito mais preocupação em relação ao envelhecimento do que há 50 anos. Nessa altura havia menos velhos e, portanto, também havia menos preocupação com o envelhecimento", conta, falando dos tempos em que era um "jovem interno num serviço de Medicina".

Já nessa altura o médico se interessava por Geriatria, área pela qual se tem batido durante toda a carreira, tendo mesmo fundado a Unidade Universitária de Geriatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, no Hospital de Santa Maria, onde ainda ensina que "a grande preocupação dos geriatras não é prolongar a vida, mas que a qualidade de vida seja o melhor possível".

"O que nós queremos é que os velhos vivam, não o mais tempo possível, porque isso muitas vezes implicaria que tivessem de viver em muito más condições, mas que vivam em grande qualidade, sem sofrimento", reitera.

Isso passa por uma alimentação saudável, onde a dieta mediterrânica ajuda. Fazer exercício físico com regularidade também combate o sedentarismo e a obesidade. Manuel Carrageta destaca a marcha como a opção mais “acessível e ecológica”. Basta “meia hora a pé em passo rápido cinco dias por semana” para fazer a diferença. Em paralelo, há outro “aspeto importante”: o sono. “É fundamental, nós cada vez dormimos menos por causa das pressões que temos, a vida é mais intensa, mas o sono é fundamental. Costuma dizer-se que cada pessoa deve dormir sete a nove horas por dia, mas o importante é que a pessoa durma o suficiente para de manhã acordar refrescada e não andar com sono durante o dia”, acrescenta, ressalvando que não é tanto as horas que se dormem, mas a qualidade das horas dormidas. Por último, o geriatra destaca a importância de não fumar e não beber álcool em demasia, porque isso envelhece. “A pessoa que fuma regularmente tem mais sete ou oito anos que a sua idade biológica”, aponta Manuel Carrageta. Já em relação ao álcool, uma coisa é o consumo moderado, genericamente duas unidades de uma qualquer bebida por dia.

Mas a prevenção também se pode fazer noutros níveis. Controlar o colesterol, o peso e fazer um plano de vacinas adequado pode ser crucial. Manuel Carrageta sublinha este último aspeto, explicando que o sistema imunitário das pessoas mais velhas fica mais vulnerável a infeções. “O sistema imunitário fica cansado, envelhecido e pouco eficaz”, diz. E por isso é importante seguir um plano de vacinas, como contra a gripe ou a pneumonia.

Esperança de vida à nascença na Europa (Comissão Europeia)

A importância da mente (e um problema português)

Mas se falamos do envelhecimento do corpo, o envelhecimento da mente é tão ou mais importante. Está provado que há uma série de fatores psicológicos que podem prevenir ou adiar o desenvolvimento de doenças do foro neurológico, como a Alzheimer. Manuel Carrageta explica que as pessoas com graus de educação mais elevados tendem a viver mais. Quem tem o Ensino Superior chega mesmo a viver “mais quatro, cinco, seis ou sete anos” do que aqueles que têm apenas o ensino básico. Em paralelo está a socialização. Combater o isolamento e conviver com pessoas estimula a mente, prevenindo doenças neurológicas, mas também cancros, por exemplo.

“O nosso ADN diz-nos que temos de viver em grupo. Ao logo de centenas de milhares de anos foi assim. Quando um ser humano, um homo sapiens, ficava isolado, ou era morto por animais selvagens ou pela tribo do lado”, exemplifica o especialista.

João Gorjão Clara concorda: "A primeira coisa para se viver bem é nunca desprezar a parte intelectual. Só se pode ter qualidade de vida se se mantiver durante muito tempo, até ao fim, uma capacidade cognitiva o mais intacta possível." É que, como no resto do corpo, o cérebro também pode funcionar como um músculo. Precisa de ser exercitado e estimulado. "Não se pode pedir a uma pessoa que tenha memória quando não a exercita, quando não a usa. É uma máxima que ensinamos: se quer ter memória use-a, senão, perde-a", sublinha.

"A memória exercita-se como os músculos. Da mesma maneira que se não fizermos exercícios e estivermos sentados ou deitados perdemos massa muscular, se não utilizarmos a nossa cabeça, se não usarmos a memória, a atenção, a concentração, o raciocínio, vamos perdendo capacidades intelectuais", acrescenta.

Em Portugal a esperança média de vida aproxima-se dos valores mais altos da União Europeia, mas há uma realidade que Manuel Carrageta lamenta: “Temos muito pior qualidade de vida a partir de uma certa idade." Em suma, os portugueses vivem quase tanto como os franceses ou os alemães, mas vivem pior. E isso porque “temos um estilo de vida errado”, aponta o presidente da Sociedade Portuguesa de Geriatria e Gerontologia, exemplificando com a ausência de exercício físico na sociedade portuguesa, quando comparada com outras.

“Não adianta muito estarmos a viver mais se esses anos não forem vividos com qualidade”, conclui.

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