«Estou muito mais preparado para o insucesso, e com isso para o sucesso»

6 out 2022, 22:55

Médio do Estoril em entrevista ao Maisfutebol: a forma como tem amadurecido a carreira e a importância acrescida dos números

A viver a «melhor fase desde a mudança para o Estoril», na opinião do próprio, Francisco Geraldes dá uma entrevista ao Maisfutebol.

O médio fala das boas exibições que tem assinado, com destaque para o jogo com o FC Porto, mas também sobre a forma como tem amadurecido o seu futebol, para além de temas paralelos ao terreno de jogo, como os recentes incidentes nas bancadas da Liga, ou a importância da saúde mental.

Uma conversa descontraída mas reflexiva, de um jogador que gosta de pensar o jogo e pensar sobre o jogo, mas que não gosta de ser rotulado como intelectual.

No excerto abaixo apresentado, Francisco Geraldes diz que aprendeu a gerir melhor a carreira entre a euforia e a depressão, mas também reconhece que agora olha mais para os números.

MF: O Francisco tem agora outra idade, outra maturidade. Ao longo destes anos mudou muito a forma como encara a posição em que joga, as funções que desempenha?

FG: É uma questão de adaptação aos treinadores, também. O futebol também mudou, é completamente diferente do que era quando joguei no Moreirense e no Rio Ave…

Em que medida?

A ideia de jogo, o sistema de jogo… No primeiro ano de Rio Ave rompeu-se ali um bocado com a forma de jogar em Portugal. Raramente se saía a jogar desde zonas mais recuadas. Foi um bocado vanguardista nesse sentido. São experiências que melhoram o meu jogo, que vai ao encontro dessas características. Algum insucesso em determinadas passagens também me ajudou a crescer. Hoje sou um jogador muito mais preparado para o insucesso, e com isso mais preparado para o sucesso. Sei lidar melhor com as duas coisas. Não entro em euforia quando as coisas correm bem, nem em depressão quando correm mal. Estou um jogador mais completo, mais lúcido, e também mais virado para os números. Um jogador sem números tem um valor diferente.

Olha mais para a faceta mais palpável do futebol, para os golos e para as assistências?

Não penso mais nisso, mas tento ter isso em mente. Não tanto para a forma apaixonada do jogo, da posse. Com mais acutilância, pois isso é importante para mim.

Foi difícil também mudar o chip ao chegar ao futebol profissional? Na formação passava a maior parte dos jogos em posse, no meio-campo contrário. E depois, em equipas como o Moreirense e o Rio Ave, o contexto era diferente. Foi difícil essa adaptação?

Ao princípio sim, um bocadinho. Lembro-me que nos primeiros jogos, com o Moreirense, foi um pouco estranho. Era um futebol completamente diferente daquele a que estava habituado. Mas tive sorte com as pessoas que apanhei. O mister Pepa, no Moreirense, foi excelente para mim. Deixava-me super confortável e falava muito comigo, sobre coisas que precisava melhorar. Depois apanhei também o mister Inácio, que me ajudou bastante. Tive sorte nesse processo inicial de adaptação. Logo a seguir o Miguel Cardoso, no Rio Ave, que foi uma pessoa que conseguiu tirar bastante de mim. Foi difícil, mas não estava à espera que corresse tão bem, no início. O impacto que tive foi grande, acho eu.

Isso pesa cada vez mais quando pensa no passo seguinte na carreira? Durante algum tempo esteve algo condicionado nas escolhas, pois era dos quadros do Sporting, mas agora pensa muito no projeto, na ideia de jogo?

Sim. Se as coisas não casarem, se não tiver isso em conta… foi o que motivou alguns solavancos no meu percurso. Algumas escolhas não foram as mais sensatas para as minhas características. Por isso, cada vez mais, tenho em conta a forma como o clube se predispõe, as ideias do treinador… Acho que sim, que é o mais importante, até.

Não é possível recuar no tempo, mas o Francisco, aos 19 ou 20 anos, pensava estar no patamar em que está agora aos 27? O que projetava na altura?

Não sei bem. Se calhar aos 19 nunca pensei dar o salto para a Bundesliga, como dei. Se calhar aos 25 já não pensava que ia atingir certa consistência de jogo, e agora, da forma que estou a jogar, penso que posso atingir níveis altos. Mas lá está, tudo dependerá do que eu fizer. Se tiver um rendimento bastante inferior nos próximos 10 jogos, se calhar já não conseguirei atingir aquilo que acho que consigo. Mais do que fazer uma retrospectiva ou pensar muito para a frente, é pensar no jogo seguinte. O que eu controlo é o treino de amanhã, o jogo seguinte. É um erro fazer esse tipo de projeções ou tentar corrigir aquilo que fiz mal.

Ia perguntar se os objetivos tinham sido ajustados ao longo do tempo, mas fico com a ideia de que o Francisco deixou de fazer planos…

Sim. Ao princípio tinha sempre a expectativa de atingir certos patamares. Acho que ainda vou conseguir, ainda vou a tempo, mas não é o meu foco pensar o que vai acontecer no final da época. Interessa-me mais focar onde estou, naquilo que posso fazer para ajudar o clube, e acho que isso também é um sinal de maturidade.

Pensa na Seleção, por exemplo?

Neste momento não penso nisso. Neste contexto não se equaciona. Se conseguir atingir determinados patamares, talvez sim, mas não é algo que me preocupa.

Se não vale a pena olhar para a frente, também não faz sentido olhar para trás e pensar no que podia ter sido diferente?

Não, não olho. Só com a visão de que cometi este erro ou aquele, e não os devo repetir. Tive alguma dificuldade de adaptação nas mudanças para o estrangeiro, por exemplo. Hoje olho para trás, muito mais adulto, e penso que devia ter feito mais isto ou aquilo. Mas não olho com ar recriminatório, pois as coisas são feitas quando têm de ser feitas. Sou uma pessoa muito mais crescida, nesse sentido. Mais do que olhar para trás com peso ou tristeza, tenho de olhar para a frente, para o que vou fazer a seguir, para o próximo jogo, que depois aparecerá alguma coisa boa, de certeza.

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