«Fui jantar a casa do Bruno Alves e ele estava vestido de Drácula»

8 mai 2021, 09:57

Entrevista a Fábio Cardoso, defesa central do Santa Clara – Parte II

No verão de 2017, Fábio Cardoso transferiu-se do Vitória de Setúbal para o Rangers, um dos gigantes escoceses. Em Glasgow, Fábio teve o privilégio de conhecer e fazer dupla de centrais com Bruno Alves. 

Em entrevista ao Maisfutebol, Fábio Cardoso recorda os momentos vividos na Escócia ao lado do conceituado internacional português, revela quem era a grande referência da sua infância e fala dos melhores e dos piores momentos de uma carreira que se tem consolidado ao serviço do Santa Clara. 


PARTE I: «Sinto-me um dos cinco melhores centrais portugueses»

PARTE III: «Fazia 500 quilómetros três vezes por semana para treinar no Benfica»

Maisfutebol – Como é que lhe surgiu em 2017 a possibilidade de saltar do Vitória de Setúbal para o Rangers, um clube enorme?

Fábio Cardoso – Fomos jogar à Madeira na última jornada da I Liga e à noite o meu empresário ligou-me. Falou-me do interesse do Rangers. Eu quis esperar um pouco mais, para ver o que surgia de Portugal ou das cinco maiores ligas europeias, mas depois soube que o Bruno Alves também ia para lá. A possibilidade de jogar com o Bruno Alves e de privar com ele convenceu-me. Ainda por cima era um dos clubes com mais títulos no mundo.

MF – O que encontrou ao chegar a Glasgow?

FC – Não me correu bem a experiência, mas os primeiros seis meses foram incríveis. Percebi a dimensão do clube, a grandeza dos adeptos e também percebi que era um clube que se estava a reorganizar. Finalmente está a conseguir. Havia coisas que estavam longe de estar perfeitas, mas fui bem acompanhado e o balanço acaba por ser positivo. Obrigou-me a reagir a dificuldades longe da minha zona de conforto.

MF – Gostou de trabalhar com o Bruno Alves?

FC – Não o conhecia e fiquei impressionado com a forma como trabalhava. A carreira brilhante que tem não é um acaso. Lembro-me que houve um nevão enorme em Glasgow, nem podíamos treinar, e ele obrigava-me a ir buscá-lo a casa para irmos os dois trabalhar para o centro de treinos.

MF – Sentiu-se muito pressionado ao fazer dupla com o Bruno?

FC – Ele tem uma carreira impressionante. A forma como se posicionava, como exigia de nós, como controlava a linha defensiva. Incrível. Toda a gente sabe o poderio físico do Bruno, mas eu fiquei surpreendido com a qualidade técnica dele. Até comentei com o Candeias: ‘Fogo, ele joga mesmo bem com os pés’. No futevólei é impossível ganhar-lhe e tentei muitas vezes (risos).

MF – Depois havia a equipa técnica do Pedro Caixinha, o Candeias e o Dálcio. Como era a ligação dos portugueses todos no Rangers?

FC – Dávamo-nos bem com os ingleses e os escoceses, mas fora do futebol estávamos sobretudo entre nós. O Morelos também nos acompanhava, além de outros dois colegas mexicanos. Apoiávamo-nos mutuamente.

MF – Há alguma história boa que goste de contar sobre os tempos na Escócia?

FC – Há muitas (risos). Nós reuníamo-nos normalmente em casa do Bruno Alves. Uma das melhores histórias aconteceu no Halloween. O Bruno convidou-nos para jantar lá em casa e lembro-me de estar a estacionar o carro e de começar a ouvir a gargalhada do Drácula. Era o Bruno que se tinha vestido de Drácula e a gargalhada até se ouvia lá fora. Foram momentos excelentes.

MF – E como foi trabalhar com um treinador português na liga escocesa?

FC – Foi bom, foi bom. Apesar de ser português, o mister Pedro Caixinha apertava tanto ou mais connosco. Ele coloca muita intensidade nas coisas, percebe muito de futebol. Os treinos eram completos e muito bem pensados. Fiquei triste ao vê-lo sair do Rangers, num jogo em que falhámos um penálti em cima dos 90 minutos e depois sofremos um golo no contra-ataque.

MF – Quando era miúdo tinha algum defesa central por referência?

FC – Sim, eu era muito fã do Ricardo Carvalho. Gosto muito de jogadores inteligentes e com classe, o Ricardo era isso tudo. Fisicamente não era um monstro, um Bruno Alves ou um Pepe, mas com a inteligência que tinha e o posicionamento ganhava a maioria dos duelos.

MF – Alguma vez se cruzou com o Ricardo Carvalho e disse-lhe isso?

FC - Por acaso, não. Infelizmente (risos). Espero que ele possa ler isto.

MF – Qual foi a experiência mais estranha que viveu no futebol?

FC – Vou falar da minha ida para Paços. Se não tivesse já assinado, se calhar tinha vindo embora (risos). Na véspera da viagem fui fazer um jantar de despedida. Na manhã seguinte ia sair às 10/11 da manhã, para ir com calma, porque só tinha de me apresentar às cinco/seis da tarde. Nessa noite, ao chegar a casa, vi que tinha um furo gigante. Por sorte, fui ao mecânico logo de manhã e ele conseguiu remendar o problema. Mas tive de fazer a viagem toda com aquele pneu que só permite andar até aos 80 quilómetros/hora. Isso foi a primeira coisa. Depois, cheguei a Paços e fui instalado no hotel do clube. Eu e a minha namorada subimos com as malas, eu desci ao carro para ir buscar o resto e vi que tinha deixado as chaves dentro da mala. Com a mala fechada (risos).

MF – Não estava a correr bem.

FC – As minhas botas estavam lá dentro e eu não tinha calçado para o primeiro treino. Liguei ao Marco [Abreu, ex-dirigente do Paços] e ele lá resolveu. Chamou um senhor que abriu o vidro sem o forçar. Resolveu-se assim. Se fosse num local onde eu estivesse à vontade, tudo bem, mas aquilo foi logo no meu primeiro dia e eu ia deixar uma má imagem. Estava preocupado.

MF – Já leva mais de uma centena de jogos na I Liga. Qual foi o avançado mais chato que teve de marcar?

FC – Não consigo destacar um. Gosto bastante de jogar contra o Marega porque tenho sempre bons duelos. E não são fáceis. Este ano, por exemplo, o campo estava difícil e foi uma batalha bonita. A liga portuguesa está recheada de bons jogadores, a maioria das equipas tem uma boa referência na frente. O Marega é muito forte fisicamente, dá muita profundidade, está sempre a fazer esses movimentos e nós temos de estar alertas e acompanhá-lo, mesmo quando a bola não entra nele.

MF – Consegue escolher o momento mais feliz na sua carreira?

FC – O momento da minha estreia na I Liga. [1 de fevereiro de 2015, FC Porto-Paços] Foi até algo caricato, porque eu cheguei a Paços de Ferreira e não pude fazer o primeiro jogo, por estar emprestado pelo Benfica. Ganhámos ao Benfica e depois fomos ao Dragão. O mister Paulo Fonseca manteve a equipa e até colocou um médio a central [Romeu Rocha] e eu entrei para os últimos dez minutos. Estávamos a perder por 4-1 [4-0], entrei e o Cristian Tello fez mais um golo. Apesar do resultado, e eu detesto perder, foi o realizar de um sonho. Entrei para entrar o Jackson Martinez, tivemos um pontapé de baliza e eu abri para sair a jogar. Queria mesmo desfrutar ao máximo (risos). Depois até levei uma dura do guarda-redes [Rafael Defendi] porque era para bater e não era para jogar. Foi incrível estar em campo contra grandes referências do futebol português, como Quaresma. No Santa Clara escolho um jogo contra o Sp. Braga, logo no meu início cá. Estávamos a perder 3-0 ao intervalo, empatámos 3-3 e tive a felicidade de fazer o golo do empate. Foi dos melhores momentos que vivi no futebol.

MF – Em sentido contrário, tem algum episódio atravessado na garganta?

FC – Tenho, claro, tenho alguns. A que me vem primeiro à cabeça é a lesão na Escócia. Levei uma cotovelada na cabeça, um bocado desleal, e isso mudou muito as coisas para mim no Rangers. O treinador [Pedro Caixinha] depois foi despedido, fiquei seis meses sem jogar. Foi o meu pior momento no futebol, até por tudo o que desencadeou a seguir.

MF – Que lesão sofreu com essa pancada?

FC – Fraturei o nariz. Foi grave. Ainda por cima tive de esperar muito pela operação. Acabei por não contar mais no Rangers. E nem falta foi.

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