«O André teve um pesadelo e bateu com a cabeça, de manhã ninguém sabia dele»

17 out 2020, 09:24
Diogo Salomão frente ao Barcelona (Lusa)

Parte II da entrevista do Maisfutebol ao extremo do Santa Clara

Desde os tempos em que os amigos da Amadora o «arrastaram» para o Estrela da Amadora ao Santa Clara, Diogo Salomão reviveu todas as etapas da sua carreira. Aos 32 anos, o extremo dos açorianos é um jogador maduro, observador e crítico de si próprio.

Em conversa com o Maisfutebol, o antigo internacional sub-21 português admitiu que chegou a treinar em três clubes ao mesmo tempo, lembrou o «choque» que viveu ao saltar do terceiro escalão do futebol português para o Sporting, o golo histórico marcado pelo Depor em pleno Camp Nou contra Messi, Neymar e companhia, e as restantes experiências de uma carreira já longa.

Parte I: «Mudança do Real para o Sporting foi um choque»


Maisfutebol: Voltando um pouco atrás, foi difícil sair de casa dos pais quando era tão jovem?

Diogo Salomão: É sempre complicado. Tenho casos de colegas com quem jogo, que vêm do outro lado do mundo para Portugal e não conhecem nada da nossa cultura, muitas vezes nem falam a língua… Se para mim foi complicado, e digo que Espanha é praticamente igual a Portugal, imagino quem vem de uma cultura completamente diferente.

Apesar de ter regressado ao Sporting e de ter feito quatro jogos com o Leonardo Jardim, volta a sair em janeiro para o Deportivo.

A minha intenção sempre foi continuar no Deportivo. Após os dois anos de empréstimo, tive de voltar ao Sporting. Havia uma indecisão tanto da minha parte como do Sporting. Acabei por renovar contrato, mas não tive as oportunidades que queria. Em dezembro, decidimos procurar uma solução para a minha continuidade e não duvidei em voltar ao Depor, mesmo estando na segunda divisão.

O Deportivo volta a subir com o Diogo na equipa, mas acredito que o momento mais marcante para si tenha sido no ano seguinte em Camp Nou.

Foi um momento incrível e marcante. Entrámos para a última jornada a precisar de um empate para garantirmos a manutenção. Em Espanha só vivi situações destas (risos).  Era um jogo complicadíssimo e ao intervalo estávamos a perder por 2-0. As nossas hipóteses no jogo eram muito reduzidas. Ainda assim, tive a felicidade de marcar e conseguimos o empate [2-2]. 

O que significou para si esse golo? Foi mais importante da carreira?

É o mais especial, sem dúvida. Não é o mais bonito, mas é o mais especial por tudo o que significou. Tive uma lesão grave, só apanhei a parte final da época para jogar. Pelo que o clube representa para mim fiquei feliz por ter dado essa prenda aos adeptos e a quem confiou em mim. Marcou-me muito e vai marcar-me para o resto da vida.

Ainda regressa ao Sporting, mas em janeiro termina a ligação ao clube.  

Sim, assinei época e meia pelo Maiorca. Vinha desse período complicado, praticamente não tinha jogado no último ano do Deportivo e era difícil encaixar no plantel que foi bem reforçado aquando da chegada do Jesus. Foram bastante corretos e claros comigo e disseram-me que teria de arranjar outra solução. O Fernando Vázquez, que foi meu treinador no Deportivo, estava no Maiorca, já me conhecia e confiava em mim. Então ligou-me para ver se estava disponível.

Que balanço faz desse ano e meio em Maiorca?

Não correu como esperava (risos). Não foi a época e meia que ambicionei. O clube tinha estado 17 anos na Liga e queria voltar, mas apanhei uma fase complicada, os resultados não apareciam e livrámo-nos da descida na última jornada nos primeiros seis. Na última época, acabámos por descer à terceira divisão na última jornada. Foram momentos duros para os jogadores e para quem investiu no clube.

Gostou de viver em Maiorca?

Já tinha estado em Maiorca de férias e gostei. De todos os sítios onde estive de férias, se calhar o que aconselharia primeiro seria Maiorca.  Mas para viver é completamente diferente. Não foi um sítio que tivesse gostado tanto como outros. Achei as pessoas mais fechadas na relação com os outros e isso faz-me diferença. Por exemplo, na Corunha tive uma experiência muito diferente, fiz muitas amizades e em Maiorca não tive essa proximidade.

Entretanto, o Diogo deixa Espanha e muda-se para a Roménia.

O convite para o Dínamo surgiu por parte do Cosmin Contra, que era e é o treinador. Ele já tinha estado no Getafe, conhecia-me de ter jogado contra ele e quando soube que estava livre, ligou-me e perguntou-me se estava interessado. Pedi bastante informação a outros jogadores, é isso que os jogadores por norma fazem, e todos me deram boas indicações. Foi um sítio onde gostei de viver e de jogar futebol.

Adaptou-se bem?

A língua é sempre uma barreira, mas tive de aprender. Gosto de tentar falar a língua dos países onde jogo. Não sei falar perfeitamente romeno, mas desenrasco-me e consigo ter uma conversa. Tentei entrar no espírito e nos hábitos deles. A parte boa da nossa profissão é termos a possibilidade de viajar, de ir a outros países, de jogar futebol e de acumular este tipo de experiências.

Se sentiu diferenças de Espanha para a Roménia, o que dizer da Arábia Saudita?

Foi mais difícil (risos). É uma cultura completamente diferente e é difícil ir para lá sozinho como fui. A minha filha nasceu em Portugal e eu estava longe. Essa experiência marcou-me de uma forma negativa, pelas saudades e pelos momentos de solidão. Tinha treinos às 22h00. Durante o dia estava fechado num aparthotel com os outros jogadores estrangeiros.  Tomávamos café, às vezes eram dez por dia (risos), e contávamos histórias. Saímos à meia-noite do treino, jantávamos à uma da manhã e íamos dormir.  

Acabou por voltar à Roménia para o rival do Dínamo, o Steaua. A sua família já foi consigo?

Sim, a minha família foi comigo. Voltei a Bucareste por já conhecer a cidade. Dentro das opções que tinha, pareceu-me ser a melhor. E o Steaua é um clube que oferece as melhores condições. Adeptos do Dínamo? Há sempre aquelas ofensas, mas não passou daí. Já faz parte do futebol, estamos habituados (risos).

Por que razão voltou a Portugal?

Não fui feliz no que procurei no Steaua desportivamente ao contrário do que tinha vivido no Dínamo. Praticamente não tive oportunidades por decisões técnicas e tentei sair em janeiro. A melhor opção pareceu-me o Santa Clara. E não me enganei.

Porquê?

Estou bastante feliz. Gosto de viver cá e gosto do clube, que vai crescer nos próximos anos. O Santa Clara está estável na Liga há quatro anos e os resultados são cada vez melhores. No ano passado batemos o recorde de pontos e de classificação do clube, o que mostra o trabalho que está a ser feito por todos.

O Diogo volta à Liga e pouco tempo depois a competição é interrompida. Como foi a retoma e aquele período que passaram na «bolha» na Cidade do Futebol?

Foram momentos estranhos. É esquisito não termos o nosso estádio, a nossa estabilidade a nível familiar, porque tivemos poucas oportunidades para os vermos. Quando lá chegámos lembro-me de dizermos que seria engraçado, mas passados um tempo, não havia nada. Treinávamos e matávamos os tempos mortos a jogar PlayStation ou cartas, enfim, ficávamos no convívio.

Depois do recorde de pontos e da melhor classificação da história do clube, qual é o objetivo esta época?

Garantir a manutenção. Só a estabilidade na Liga permitirá ao clube crescer. Pensando de forma mais ambiciosa, acho que o clube tem condições para fazer melhor do que na época passada. Se isso for feito, será bastante positivo.

Quais as diferenças entre o Diogo Salomão que começou no Sporting e o que está no Santa Clara?

Já tenho 32 anos e alguma bagagem, estou um jogador diferente. Reconheço isso quando vejo os meus treinos e jogos. O futebol é uma constante adaptação. Tudo se altera com o passar dos anos. Há melhorias que aparecem, adaptações do nosso corpo e tornamo-nos diferentes. Temos de praticar para sermos melhores, falharmos para aprendermos com os erros. Ainda tenho bastante para dar ao futebol. Espero ter uma época com oportunidades que desejo e ter regularidade.

Gosta de ver os seus jogos e treinos para fazer uma autoavaliação?

Gosto. Temos acesso aos vídeos no final de cada jogo, enviam-nos para o e-mail e podemos ver. É uma aprendizagem muito boa. Podemos ver como jogámos, as nossas movimentações e os nossos posicionamentos. Cresce-se muito. Tenho o cuidado de ver nem que seja só os lances em que toquei na bola.  

Qual foi o treinador que mais o marcou?

É complicado dizer apenas um. Um treinador não se resume só a um aspeto, há vários que devemos ter em conta. Desde dar o treino a gerir o balneário. Há várias coisas que definem um treinador que muitas pessoas não entendem. Um treinador tem um trabalho muito complexo. Adorei o método de treino de alguns, tive casos de treinadores que se calhar não geriam tão bem o balneário ou as dificuldades.  Todos esses aspetos levam um treinador a ser melhor ou pior. Há jogadores que têm preferências, mas sempre vi qualidades que gostava e outros que não gostava.

Pela forma como falou… Pensa ser treinador?

Já tirei o nível 2 quando estava em Maiorca. Não é algo que tenha como prioridade, mas é uma opção de futuro. Neste momento, não pretendo dar continuidade aos estudos nesse sentido, mas pode ser que quando termine a carreira seja uma opção. Se calhar começo por escalões mais jovens e depois quem sabe… o tempo dirá.


Para terminarmos, qual foi a história mais engraçada que já viveu no futebol?

Ui! Assim de repente, é complicado. Há muitos que não posso contar (risos). Há um episódio com o André Santos, que jogou comigo no Sporting e que agora está na Suíça. Estávamos nos sub-21 quando isso aconteceu. Íamos ter uma palestra logo de manhã e estávamos reunidos para o pequeno-almoço. O André não estava e ninguém sabia dele. Estava com o médico porque tinha batido com a cabeça durante a noite, acho que teve um pesadelo, saltou da cama e bateu na cabeceira ou no móvel da televisão que estava à frente. Partiu-se todo (risos). Esses episódios marcam-nos.

O golo de Salomão em Camp Nou:

 

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