Carlos Vinícius: «Costumo dizer que o Jorge Jesus é o avô ranzinza»

19 nov 2021, 23:02

Entrevista exclusiva ao avançado brasileiro que está emprestado (com obrigação de compra) pelo Benfica ao PSV

Ora contra Seferovic e Raúl de Tomás, ora contra Yaremchuk e Darwin Núñez. A vida de Carlos Vinícius nunca foi fácil no Benfica. Apesar de pesada, a concorrência no ataque nunca foi um problema. Aceitou ser suplente e também ser negociado. Duas vezes. Aceitou, acima de tudo, ajudar o clube.

Antes de saídas para Tottenham, onde trabalhou com José Mourinho, e PSV, teve conversas frontais com Jorge Jesus. Apesar do bom tempo de convívio e das poucas oportunidades (motivadas pela necessidade de vender), aprendeu muito com o treinador «ranzinza», como confessa na entrevista ao Maisfutebol.

Como foram as duas 'primeiras' conversas com Jorge Jesus no Benfica? Quando ele chegou do Flamengo e quando você regressou do Tottenham.

Na primeira, o Jorge Jesus havia acabado de regressar ao Benfica. Normal, ele queria conhecer de perto todo a gente. Eu, na altura, estava para ser vendido, eu e o Rúben Dias. Acabei por ser emprestado para o Tottenham. Depois, na outra... é como tenho dito sempre: o Benfica é um grande clube, precisa vender todos os anos. Sabemos disso, a estrutura é grande, para manter aquilo é preciso fazer ativos. Reforço o que tenho dito aqui: sempre me posicionei para ajudar o Benfica, seja com o treinador A, B ou C. Foi o que aconteceu.

E mais recentemente, antes de sair para o PSV, ele chegou a dizer que contava consigo? Comunicou que seria negociado?

Ele elogiou-me, elogiou-me muito, pelas minhas qualidades dentro e fora de campo. Num primeiro momento, disse-me que era para ser usado, mas depois as coisas foram andando e então optaram por negociar-me. Disse-me que era preciso vender, entrar ativos, que eu, como tinha feito bons números no Tottenham... e tas coisas não foram correndo da forma que deviam ter corrido. Foi andando, andando, então tivemos que resolver. Acabei por vir por empréstimo (com obrigação de compra) para o PSV.

Qual das suas saídas (Tottenham e PSV) o surpreendeu – ou incomodou – mais?

Sempre fui mentalizado para as duas situações: ficar e sair. É para ficar? Top! Já conheço a casa, os adeptos, sei que gostam de mim. Tenho um carinho enorme por todos. É para sair? Ok. É para ajudar todo o mundo? Vamos nessa. Nunca pensei: 'Ah, tenho que ficar aqui!'. Muitos jogadores pensam assim e depois começam a culpar A, B ou C. As duas pré-épocas que fiz com o Jorge Jesus ajudaram-me imenso. Descobri muitas coisas da minha posição porque ele ensinou. Ele, como professor em campo, é excelente. Nunca usei as minhas saídas para fazer papel de coitado: 'Ah, fui o melhor marcador. Ah, não joguei'. Não, isso não. Ajudei o clube sempre que tive a oportunidade, dentro e fora de campo. Uso as situações boas e ruins para crescer.

Sempre sentiu que tinha qualidade e condições para ser a principal referência ofensiva do Benfica? Seja na primeira ou segunda passagem.

O próprio Jorge Jesus disse que eu ali não estava atrás de nenhum. Isto, na verdade, mostra a grandeza do clube. há cinco ou seis avançados hoje, e todos podem jogar. Todos aqueles que estão no Benfica hoje podem jogar, a qualidade está lá. Por isso, nunca me vi acima ou abaixo de ninguém. Se eles estão no Benfica, é porque têm qualidade e já provaram isto.

Hoje, o Benfica conta com Yaremchuk, Darwin Núñez, Seferovic, Gonçalo Ramos, Rafa, Everton, Radonjic... Como fazer para montar o ataque?

Brinco e digo que, para o mister, quantos mais lesionados houver, melhor [risos]. Como é que ele faz para colocar todos quando estão bem? Não é fácil. Todos têm qualidade para jogar, é dor de cabeça para o treinador. É uma dor de cabeça boa, mas...

Recentemente, o Pedrinho, agora no Shahktar Donetsk, disse que as cobranças exageradas do Jorge Jesus por vezes podem fazer com que um jogador sinta demasiada pressão. A consequência, então, é o atraso na evolução. Por outro lado, muitos jogadores elogiam com frequência o mesmo treinador. É '8 ou 80' com Jorge Jesus?

Ele é assim. Costumo dizer que o Jorge Jesus é o avô ranzinza. É daqueles que, quanto mais grita contigo, quanto mais fala durante todo o dia, mais isto acaba por entrar na cabeça. É normal até certo ponto, porque não estamos a falar de uma pessoa jovem. Ele já tem uma certa idade (67 anos), sempre teve esta mentalidade. É como você mesmo disse, é bom para alguns, ruim para outros. O futebol atual tem andado para uma linhagem mais da conversa, os novos treinadores conversam mais, trabalham mais a gestão. O Jorge Jesus, não, é de uma linhagem de ir para cima do jogador. Sim, em alguns momentos ficamos chateado, mas é a forma dele ser. Entende? Agora, dizer que ele está certo ou errado... não. É a forma de trabalho dele, ser agressivo. Ele ganhou na carreira sendo assim. É um dos top. Sabe muito, sabe muito. Já sobre o Pedrinho, não foi fácil para ele. Um jovem que chega ao futebol europeu e logo de cara apanha com o Jorge Jesus, com uma forma dura e agressiva, talvez ele não tenha percebido bem. Mas o que mais me deixa contente é que o Pedrinho está agora a mostrar toda a sua qualidade no Shakhtar. Não voltou para o Brasil e seguiu na Europa.

Peço para traçar um paralelo entre José Mourinho e Jorge Jesus. É dos poucos jogadores que trabalhou com ambos...

O Mourinho tem toda a sua história, não é? As pessoas mais antigas dizem que foi o Mourinho que mudou o futebol, mudou a tática do futebol e tudo. Para mim, o Mourinho é muito forte no balneário. Sabe lidar um grupo, é uma pessoa amiga. Inclusive, tenho contacto com ele até hoje. É um treinador que posso dizer que se tornou meu amigo, e olha que nem joguei muito com ele no Tottenham. É verdade que estive na reserva de um dos três melhores avançados do mundo, o Harry Kane, mas em momento nenhum arrumei confusão com ele: 'Ah, não jogo!?'. Sempre estive lá para ajudar. O Mourinho é o seguinte: o que ele diz para fazer no jogo, pode fazer que vai dar certo. E o Jorge Jesus é aquilo, tem a sua ideia, acredita naquilo, tecnicamente isso, taticamente aquilo. É muito bom treinador. Vou falar para os meus filhos que trabalhei com estes dois treinadores.

E o Bruno Lage?

Certa vez uma pessoa ligou-me e perguntou o seguinte: 'O que você acha do Bruno Lage na Premier League?'. Respondi: 'Vai chegar lá, pode ter a certeza. Vai chegar e afirmar-se. Vai ser um grande treinador. Conhece de tática, de técnica e, por fim, tem um coração top. É muito humilde. É o encaixe perfeito'. Agora ele está em Inglaterra. E vai subir mais ainda.

Citou o nome do Raúl de Tomás várias vezes durante a entrevista. Pergunto diretamente então: é dos jogadores mais incompreendidos que conheceu?

Claramente. A qualidade que ele tem é fenomenal, só que não conseguia... É outro ponto que ninguém consegue explicar, nem ele mesmo. Ele próprio não soube explicar o porquê de não ter dado certo no Benfica. Sempre disse: dos avançados que tínhamos no Benfica, ele era o mais evoluído. De longe. Fazia coisas que poucos fazem. Porém, não encaixou. Porquê? Ninguém sabe, nem mesmo ele. Mas o futebol é isto, hoje ele está em alta, a jogar na seleção da Espanha.

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