Nelson: «Jaime Pacheco deu-me um computador e eu pagava-lhe aos poucos»

10 abr 2020, 23:50

Entrevista Maisfutebol ao antigo jogador de Boavista, Benfica, Betis e Seleção, entre outros

Dois anos depois do final de carreira, Nelson Ramos conduz o Maisfutebol numa viagem pelas memórias da carreira. De Cabo Verde a Sevilha, passando por Porto, Lisboa, Palermo ou Larnaca, entre outras paragens. As curvas de um trajeto que o levaram a concretizar um sonho de infância, mas que não ficou por aí. Uma retrospetiva que encontra alguns desgostos, mas que revela sobretudo orgulho. 

Neste excerto da entrevista o internacional português recorda a mudança de Cabo Verde para Vila Nova de Gaia, a passagem por um histórico em dificuldades, o Salgueiros, e a chegada à Liga como jogador do Boavista.

O Nelson vem para Portugal com 17 anos, para o Vilanovense. Como foi essa mudança, deixar Cabo Verde tão novo?

Comecei a destacar-me em Cabo Verde, e o selecionador, que era o Óscar Duarte, tinha muitos conhecimentos em Portugal. Conseguiu que eu viesse à experiência ao Vilanovense. Ia ficar uma semana, ao fim de três dias assinei contrato de cinco anos. Comecei nos juniores, mas na segunda volta já jogava nos seniores, só que tive uma lesão, estive cinco meses parado, e no ano seguinte não quiseram inscrever-me por ser estrangeiro. Fiquei um ano sem jogar. Depois veio um treinador, Edmundo Duarte, que quis ficar comigo.

Partilhou casa com o Hulk, nessa altura. Ainda mantém contacto com ele?

Não, não. Ele depois saiu do Vilanovense e voltou ao Brasil, antes de voltar à Europa. Perdi contacto com ele logo nessa altura. Tenho boas memórias dos tempos passados na casa do Big Brother (risos). Viviam lá sete jogadores de países diferentes e era uma família. Passámos por dificuldades, mas a amizade ficou até hoje, com alguns deles.

Sai do Vilanovense devido a salários em atraso, e depois vai para o histórico Salgueiros, que no entanto estava já em crise, na II Liga…

Estava habituado a ver o Salgueiros na primeira divisão, ou até mesmo na UEFA, quando era miúdo. E quando cheguei lá nem tinha estádio, jogávamos no Estádio do Mar. Mas vi com bons olhos aquela oportunidade, pois podia mostrar o meu valor. E as pessoas eram sérias. O ambiente era espetacular, uma família. E o mister Norton de Matos sempre me apoiou, acreditou em mim, tirou o máximo de mim. Isso refletia-se em campo. Fui a revelação da II Liga.

Um ano depois já estava na Liga. Assina pelo Boavista, que tinha sido campeão três anos antes, e que ainda tinha Jaime Pacheco no comando, e campeões como Jorge Silva, Frechaut e Martelinho, e ainda o regressado João Pinto.

Quando cheguei nem podia falar. Na apresentação o presidente teve de cortar aquilo. Eu não conseguia falar bem, estava muito nervoso. Tinha as mãos a suar. Não acreditava no que estava a acontecer. Dois antes estava no Vilanovense sem jogar, a pensar voltar para Cabo Verde, e agora estava no Boavista. E depois, estar com todos aqueles jogadores, e com aquele que foi sempre o meu ídolo, que foi o João Pinto… imagina a minha alegria e o meu nervosismo.

O Jaime [Pacheco] surpreendeu-me muito pela sua humildade. Na pré-época todos estavam no estágio com os seus computadores, e eu não tinha. Era um miúdo que estava a começar, e ele veio falar comigo e perguntou se eu não tinha computador. Eu disse que não tinha dinheiro, nem tão pouco sabia mexer naquilo. Ele ofereceu-me um computador e disse para eu pagar pouco a pouco. Aí vi a humildade dele. Não tinha como não render aquilo que ele esperava. Foi uma ajuda muito importante para mim.

O final dessa época do Boavista fica marcado pelo acidente de viação em que esteve envolvido, assim como o Bosingwa, e na sequência do qual o Sandro Luís (jogador formado no Boavista, mas que na altura estava a jogar no Minhocas, dos Açores) teve de amputar um pé. Foi um momento que deve ter marcado também a sua carreira, não?

Sem dúvida. Depois de acordar, ir para casa, ver as notícias e perceber o que tinha acontecido ao Sandro…sinceramente fiquei em choque. Ele tinha sido pai há uma semana, tinha 20 anos. Doeu muito, e ainda hoje penso nisso. Era um grande jogador, tinha um pé esquerdo fenomenal, e é triste pensar onde ele podia chegar. Estou sempre em contacto com ele, e vejo que ele é uma pessoa muito forte mentalmente. Conseguiu levar a vida para a frente, acompanha o crescimento dos filhos. Tenho muita estima por ele.

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