Parabéns, entrou na faculdade. Prepare-se. A odisseia financeira começa agora. Sabe quanto lhe vai custar estudar longe de casa?

25 ago, 14:00
Estudante numa biblioteca (Freepik)

Muito. Umas boas centenas de euros, bem próximo do milhar. Um aluno que não seja de Lisboa e vá estudar para a capital precisa, em média, do equivalente a 58% do salário mínimo nacional apenas para arrendar um quarto, valor que exclui despesas básicas como água, eletricidade e gás. Há localidades onde o arrendamento é mais ‘simpático’, mas um Portugal pequeno ainda se faz longe e caro, com viagens para visitar a família a passar os 70 euros e idas ao supermercado que ultrapassam o valor do subsídio de refeição pago à Função Pública. Especialistas dizem que é preciso fazer muito mais para proteger os jovens e as famílias

Este domingo foram reveladas as colocações da primeira fase de acesso ao Ensino Superior. Ao todo, foram colocados 49.963 alunos, não se sabendo ainda quantos são deslocados e quantos terão acesso à bolsa de estudos. Mas uma coisa é certa: para grande parte destas famílias, a verdadeira odisseia financeira começa agora. Frequentar uma instituição de Ensino Superior custa em média 903,90 euros por mês, segundo o recente Inquérito às Condições Socioeconómicas e Académicas dos Estudantes do Ensino Superior, que vai ser apresentado no dia 18 de setembro e é a participação portuguesa no Projecto Europeu Eurostudent VIII. Novecentos e três euros e noventa cêntimos: mais 10% do que o salário mínimo nacional, este ano fixado nos 820 euros; mais de metade que o salário médio nacional, que no final do segundo trimestre era de 1.640 euros.

Esses 900 euros têm um desvio padrão muito grande, há uma grande diversidade entre os próprios estudantes. Mas, face às despesas, chega-se facilmente a esses 900 euros”, começa por nos dizer Susana da Cruz Martins, doutorada em Sociologia da Educação e coordenadora do inquérito do CIES-Iscte, que se foca em questionários preenchidos no ano passado.

Para Pedro Freitas, doutorado em Economia na Nova School of Business and Economics (Nova SBE) e autor do ensaio Economia da Educação, Um Olhar sobre o Sistema de Ensino Português, publicado no final do ano passado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, vivemos num Portugal pequeno que ainda se faz longe e caro. E as contas são rápidas, mas “preocupantes”, adianta. 

O economista diz que “o foco do debate tem estado no lugar errado” e que, apesar de “positiva”, a alteração ao valor máximo das propinas não é suficiente para “reter” os alunos no Ensino Superior e até para permitir que estudem na universidade de eleição e não naquela que é financeiramente mais conveniente. “A propina é um tema importante, mas, se olharmos para os custos inerentes ao Ensino Superior, são as propinas que pesam na inscrição? Para um aluno prestes a inscrever-se numa licenciatura, é o valor das propinas que faz querer ou não inscrever-se ou é um conjunto de fatores? É um conjunto de fatores. Houve uma diminuição das propinas, mas isso mudou a decisão de algum aluno? Se olharmos para o valor das rendas e da inflação, a diminuição do valor das propinas teve ou não impacto ou foi o custo de vida? Foi o segundo, não o primeiro”, atira Pedro Freitas.

Alojamento é o maior encargo

Mesmo com uma fixação do preço máximo das propinas (697 euros para licenciaturas) e com a gratuitidade dos transportes urbanos e descontos em deslocações mais longas, este encargo de 900 euros não será muito diferente para os alunos que ingressam este ano o Ensino Superior, uma vez que o preço médio do quarto é de 397 euros, mais 4,2% dos que nos últimos 12 meses, como revela o último relatório do Observatório do Alojamento Estudantil, atualizado a 5 de julho.

O alojamento acaba mesmo por ser a maior despesa das famílias cujos filhos vão estudar para longe da área de residência. Um aluno que não seja de Lisboa e vá estudar para a capital precisa, em média, do equivalente a 58% do salário mínimo nacional apenas para arrendar um quarto (cujo preço médio é de 480 euros), valor que exclui despesas básicas como água, luz, gás e internet. Já um aluno que vá do Algarve para Braga tem à sua espera quartos na casa dos 320 euros e viagens a rondar os 70 euros (isto, indo apenas uma vez por mês a casa visitar a família).

“O alojamento é uma fatia muito importante [da despesa total]. Pelo que nos termos apercebido, [o preço dos quartos] tem variado muito, esse encargo tem-se tornado maior para as famílias”, continua Susana da Cruz Martins, que alerta para a necessidade de haver o quanto antes uma maior oferta de alojamento acessível para os estudantes, não apenas aqueles que ingressam este ano no Ensino Superior, mas também aqueles que ainda estão a concluir as suas licenciaturas e mestrados e que, ano após ano, se veem reféns da subida de preços. “Faz muita diferença estar numa residência, os custos com alojamento são muito mais reduzidos”, vinca a investigadora.

A oferta de camas em residências universitárias continua a ser o grande calcanhar de Aquiles e a responsável pelo maior encargo das famílias dos estudantes que estudam fora da área de residência. Como noticiou o Expresso, atualmente existem pouco mais de 17 mil camas em residências públicas, uma quantidade muito longe de satisfazer as necessidades dos mais de 108 mil estudantes deslocados que estavam, no ano passado, inscritos no Ensino Superior público. Contas feitas, apenas 16 alunos em cada 100 conseguem um quarto para dormir neste tipo de alojamento.

Para este ano letivo que vai começar, o Governo compromete-se a reforçar a oferta de camas “usando a capacidade instalada das Pousadas de Juventude e INATEL”, um total de 709 camas distribuídas pelos concelhos do continente com instituições de Ensino Superior, e anuncia ainda a mobilização de uma resposta de várias camas em Pousadas de Juventude e unidades do INATEL onde também haja universidades e politécnicos públicos. Mas o próprio Executivo admite que está “numa luta contra o tempo” para conseguir um número suficiente de camas para estudantes.

 

É em Lisboa que os quartos são mais caros (480 euros em média) e na Guarda os mais baratos (160 euros em média). Contas feitas, por cada ano letivo (dez meses de aulas), um quarto em Lisboa pode custar um total médio de 4.800 euros e um na Guarda 1.600 euros. À exceção de Ponta Delgada e do Porto, cujo custo médio por quarto desceu no último ano, e da Guarda, Ponta Delgada e Viana Castelo, cujo custo médio se manteve, todas as restantes cidades viram o preço médio cobrado por quarto a encarecer, algumas delas mais de 30%, como é o caso de Bragança e do Funchal.

O relatório do Observatório do Alojamento Estudantil  não especifica o tipo de quarto em causa, mas com uma breve pesquisa online em agregadores de anúncios imobiliários é possível perceber que grande parte da oferta é em casas com mais de três quartos, muitas com apenas uma casa de banho e sem espaço comum (a sala é, muitas vezes, transformada no maior quarto da habitação). 

É certo que hoje em dia existem mais apoios para fazer frente a estes preços, os jovens podem concorrer ao Porta 65 e os estudantes deslocados não bolseiros com rendimentos per capita entre 23 e 28 vezes o IAS passam a receber complemento de alojamento até 50% dos limites fixados para cada área geográfica. Em alguns casos, como dos estudantes que se mudam para Lisboa, este complemento de alojamento cobre apenas uma renda ou, se for faseado pelos 10 meses de estudo, dá um desconto de cerca de 48 euros por mês, segundo os valores publicados em Diário da República. Porém, tanto para este apoio como para concorrer ao Porta 65, é necessário que haja um contrato de arrendamento, algo que também uma breve pesquisa online mostra que nem sempre é assim, o que faz com que uma grande parte dos estudantes deslocados não consiga aderir a este apoio do Estado, como revela o Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI), que numa resposta ao Público admite que, em 2023/2024, “havia 25.739 bolseiros identificados como deslocados”, mas, destes, só “15.008 não solicitaram os apoios” previstos para atenuar as despesas com o alojamento. E esta realidade é também para os não bolseiros.

O economista Pedro Freitas é defensor de um “choque” em matéria de alojamento, até a nível nacional, mas muito focado nos estudantes, cujas famílias acabam, por vezes, por pagar o equivalente a duas prestações mensais de habitação. “Em termos de oferta de alojamento é preciso um maior e mais rápido choque, houve uma evolução positiva nas bolsas [de estudo], mas é preciso bolsas diferenciadas em algumas regiões, é importante pensar como financiar estas bolsas”, diz, sugerindo que “faria sentido usar melhor o valor das próprias propinas”.

Um estudante não precisa apenas de um sítio para dormir

São várias as despesas associadas a um estudante do ensino superior, sobretudo se for colocado numa universidade longe da sua área de residência. O alojamento é onde grande parte do orçamento é gasto, mas é ainda necessário pagar despesas básicas como luz, gás e água, assim como internet em casa, alimentação, propinas e materiais de estudo.

A alimentação é, porém, o segundo maior gasto. A 14 de agosto, o preço do cabaz alimentar rondava os 223 euros, segundo a DECO, um valor ainda acima do registado nos anos anteriores. É certo que nos produtos incluídos nesta cesta há uns quantos que não tendem a fazer parte da alimentação dos estudantes que cozinham em casa, como é o caso dos peixes frescos e farinhas para bolos, o que faz com que o custo mensal seja inferior, ainda assim, olhando para os preços atuais, ronda na mesma uma centena de euros todos os meses. Sobre este ponto, o Inquérito às Condições Socioeconómicas e Académicas dos Estudantes do Ensino Superior do CIES-Iscte, com dados referentes a 2022/2023, diz que o custo médio com despesas de alimentação de um estudante deslocado é de 171,6 euros por mês quando suportado pelos pais, que é o que acontece sobretudo nos alunos de licenciatura que não têm um part-time ou emprego a tempo inteiro. Em termos comparativos, um estudante deslocado gasta mais 30% do que o valor do subsídio de refeição pago à função pública, que são 132 euros mensais.

Caso o aluno opte por fazer as refeições principais na cantina da universidade, o custo por almoço ou jantar varia entre, por exemplo, os 2,40 euros (preço praticado em Coimbra) e os três euros (custo na Universidade de Évora). Assim sendo, as duas refeições poderiam custar entre 4,80 euros e os seis euros por dia, o que ao final do mês seria algo entre 144 e 180 euros apenas para almoços e jantares, sendo necessário somar outras despesas de alimentação (para pequenos-almoços e lanches, por exemplo). 

 

Como mostra o gráfico acima, que dá apenas alguns exemplos das despesas que um estudante tem, é possível perceber que o custo com água, eletricidade e gás pode rondar os 40 euros por mês a cada habitante numa casa com três pessoas, isto segundo simulações feitas no site da ERSE e de acordo com a informação da DECO. Esta despesa é altamente variável, dependendo do número de pessoas a habitar na casa: quantas mais forem, por mais se divide, mas também mais se gasta. Mas a estas despesas básicas acrescem ainda 14,99 euros do serviço TV + NET, valor médio praticado pelos três principais operadores em Portugal (Vodafone, MEO e NOS) a pagar por uma pessoa que divida a casa com mais duas. 

As deslocações dentro da cidade escolhida para estudar são gratuitas, o que dá algum fôlego às famílias portuguesas. A Portaria nº 7-A/2024 estabelece que todos os jovens até aos 23 anos e que frequentem um estabelecimento de ensino nacional têm direito a um passe mensal gratuito. Mas esta portaria inclui também comboios urbanos (o que facilita as viagens de menor distância, como do Porto a Braga e Porto a Aveiro ou de Sintra a Azambuja, por exemplo) e serviço regional (entre Porto, Aveiro e Coimbra, por exemplo), como se lê no site da CP

No caso dos estudantes com bolsa, vai ser atribuído um subsídio de 40 euros mensais para deslocações maiores, porém quem não tem bolsa e necessita de fazer viagens longas para visitar a família acaba por ter um encargo extra, algumas vezes até bem dispendioso, mesmo que faça apenas uma viagem de ida e volta por mês. Em viagens longas, como de Braga a Lisboa, as opções de comboio alfa pendular têm custos de 36,60 euros por viagem, o que dá 73,20 euros numa única visita à casa dos pais num mês (no entanto, jovens até aos 25 anos podem ter 25% de desconto, o que, neste caso, daria 54,90 euros). Já de autocarro, o preço ronda os 42,60 euros ida e volta entre Braga e Lisboa, já com o desconto aplicado para jovens até aos 23 anos. E quanto maior for a distância, maior o preço da viagem, podendo, em alguns casos, passar os 70 euros, como acontece com quem se desloca entre Faro e Braga.

Segundo o inquérito do CIES-Iscte, há ainda gastos na ordem dos 16,40 euros com atividades sociais e de lazer, 14,90 euros com comunicações móveis, 28,10 com despesas de higiene, limpeza e vestuário e 10,90 euros com saúde, quase todas suportadas pelos pais.

A todas estas contas há ainda a acrescentar o valor das propinas. No ensino superior público o valor máximo da propina a fixar pelas instituições de ensino superior não pode ser superior ao aplicado no anterior ano letivo, o que significa que no ano letivo 2024-2025 irá manter-se nos 697 euros. Se este valor for pago em dez prestações, uma por cada mês de estudos, o custo é de 69,7 euros por mês (o caso dos mestrados, o valor das propinas é bastante diferente, havendo cursos em que o total ascende aos 15 mil euros). Segundo o inquérito, a tudo isto soma-se ainda, pelo menos, mais 16,20 euros mensais com materiais de estudo.

“Há uma questão que tem passado pouco despercebida nas despesas dos estudantes e das famílias, de facto. Se olharmos para os dados europeus, temos em Portugal uma grande percentagem de despesa com os estudos. É um encargo considerável, atendendo às famílias em questão, mas o pagamento é universal, todos pagam propinas, mas não é só propinas, são os livros, os encargos com o que a instituição exige ou requer. Tudo isto, num conjunto, é bastante oneroso”, reconhece Susana da Cruz Martins. Só os trajes académicos, embora não sejam obrigatórios, mas com uma grande carga simbólica, podem custar entre 160 a 220 euros.

Um ensino ainda muito desigual que faz aumentar ainda mais a desigualdade social

Tanto Susana da Cruz Martins como Pedro Freitas defendem que Portugal tem um bom Ensino Superior, mas apressam-se a apontar o dedo ao acesso, que embora pareça facilitado, acaba por ser desigual e criar ainda mais desigualdades sociais. 

Há alunos que acabam por não seguir o curso de eleição ou por não ir para determinadas universidades porque as famílias não têm como suportar os custos. E, para Pedro Freitas, isso é prova do quão “desigual” consegue ser o acesso ao Ensino Superior, que já não ‘filtra’ os candidatos apenas pelas médias de acesso, mas agora, e sobretudo, pelo quão caro é estudar, sobretudo longe de casa. 

“As universidades de Lisboa e do Porto atraem alunos de fora, mas torna-se difícil [estudar nestas cidades], mesmo para famílias de classe média torna-se impossível. Há cada vez mais alunos no Ensino Superior, mas os alunos de famílias mais pobres infelizmente ficam para trás, mas estamos a falar de dificuldades financeiras até para famílias de classes médias, as de mais baixa, por vezes, nem sequer se candidatam”, afirma o economista, que se apressa a dizer que “o acesso ao Ensino Superior é desigual porque o percurso escolar é desigual, continua a candidatar-se uma franja da população mais privilegiada do ensino”. 

Susana da Cruz Martins concorda com este ponto, dizendo que até as famílias com salários próximos do médio acabam por sentir dificuldades em manter um filho no Ensino Superior. E se for “só um”, diz, alertando para os casos em que, no mesmo ano, é colocado numa universidade ou politécnico mais do que um elemento do mesmo agregado familiar. 

O estudo As mudanças nas políticas de acesso ao ensino superior durante a covid-19: Impacto na equidade, promovido pelo Edulog, o 'think tank' para a Educação da Fundação Belmiro de Azevedo, revela que o número de estudantes no ensino superior aumentou durante a pandemia de covid-19 fruto das regras excecionais de acesso, mas foram “mais dos mesmos”, como refere Orlanda Tavares, uma das coordenadoras do estudo, que adianta que, de fora, continuam a ficar os “estudantes cujos pais têm pouca escolaridade, têm dificuldades financeiras e, portanto, estes alunos que tradicionalmente não iam para o ensino superior continuaram a não ir”. 

Estas desigualdades socioeconómicas não são de agora e continuam a condicionar o acesso ao Ensino Superior. O relatório “Revisão do Sistema de Acesso ao Ensino Superior 2022/2023”, com dados referentes ao ano letivo 2021/2021, revela que 56% dos alunos mais carenciados não continuaram a estudar após terminar o ensino secundário.

“Os estudantes portugueses são muito dependentes das condições e contextos das famílias, em momentos de maior vulnerabilidade ou de condições mais difíceis, torna-se mais difícil sustentar um filho no Ensino Superior em Portugal, ao contrário do que acontece no norte da Europa, em que os estados cobrem as principais despesas, como acontece na Dinamarca e Suécia”, esclarece a socióloga e investigadora. Para Susana da Cruz Martins, a questão das bolsas de estudos deveria ser analisada. Embora defenda que há uma “grande justiça social na sua atribuição” e que esta “está muito regulada e sustentada, ao contrário do que é muitas vezes vinculado”, o certo, diz-nos, é que “as bolsas de ação social cobrem 15-20% dos estudantes”, deixando uma grande parte à mercê de toda uma conjuntura nada favorável.

Pedro Freitas considera que é cada vez mais notório que “há diferenças no tipo de alunos que se candidatam a politécnicos e a universidades, há desigualdades sociais nos que se candidatam e no tipo de instituição a que se candidatam”. E esta “desigualdade” de que fala, assegura, “é aprofundada por custos”. 

O economista defende que o encargo atual para se estudar no Ensino Superior pode ser, em alguns casos, um entrave ao acesso, mas também à escolha da instituição e do curso. “No Porto e em Lisboa, se os custos forem impossíveis, um aluno com notas para se candidatar se calhar vai fazer o curso para um politécnico”, afirma, alertando para repercussões que vão para lá do período de ensino.

A instituição a que [o aluno] se candidata afeta os resultados no mercado de trabalho, ir ou não para uma faculdade perpetua as desigualdades sociais”, vinca Pedro Freitas.

Também Susana da Cruz Martins admite que é possível que haja “consequências nas inserções laborais e no emprego”, visto que, “muitas das vezes, os estudantes escolhem os cursos em função das suas condições e recursos [financeiros], e não no que julgam ser o que mais querem”.

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