Líderes da UE reuniram-se para chegarem a acordo sobre crise energética, mas saíram de mãos a abanar

Agência Lusa , AG
17 dez 2021, 00:33
António Costa na chegada à cimeira europeia (Johanna Geron/AP)

Assunto vai voltar a estar na agenda na próxima cimeira, até porque a escalada dos preços da luz ameaça exacerbar a pobreza energética na Europa

Os chefes de Governo e de Estado da União Europeia (UE) não chegaram esta quinta-feira a um acordo sobre respostas a dar face à acentuada crise do setor energético, embora considerem este um “assunto sério”, disse o presidente do Conselho Europeu.

“No último Conselho, sugerimos que a Comissão promovesse estudos ao mercado – e isso foi feito, mas [nesta cimeira] percebemos que havia opiniões divergentes sobre a mesa e não foi possível chegar a um acordo relativamente às conclusões”, revelou Charles Michel, em conferência de imprensa após uma cimeira europeia, em Bruxelas.

Numa altura de crise energética, e em que os preços da luz e o gás batem máximos e estão voláteis, o presidente do Conselho Europeu vincou, ainda assim, que este “é um assunto sério, é um assunto importante, que tem impacto nos agregados familiares, no seu poder de compra, e também na competitividade das empresas”.

Por essa razão, o responsável belga garantiu que o assunto voltará a estar na agenda numa próxima cimeira, adiantou.

Preço da luz é ameaça

A escalada dos preços da luz – devido à subida no mercado do gás, à maior procura e à descida das temperaturas – ameaça exacerbar a pobreza energética na Europa e causar dificuldades no pagamento das contas de aquecimento neste outono e neste inverno.

A discussão surge depois de, na quarta-feira, a Comissão Europeia ter adotado um conjunto de propostas legislativas para “descarbonizar o mercado de gás da UE”, promovendo a transição para gases renováveis e com baixo teor de carbono, incluindo o hidrogénio.

Com a proposta, o executivo comunitário abriu a porta à possibilidade de compras conjuntas de gás pelos países que o desejarem, mas sempre numa base voluntária e limitadas a casos de emergência, nos quais não se enquadram por exemplo uma escalada dos preços como a atual. É aqui que as visões dos Estados-membros divergem.

As propostas apresentadas na quarta-feira pela Comissão Europeia para um novo quadro na UE para descarbonizar os mercados de gás, promover o hidrogénio e reduzir as emissões de metano são acompanhadas de outras propostas legislativas, designadamente sobre desempenho energético dos edifícios e de remoção, reciclagem e armazenamento de forma sustentável do carbono, constituindo em conjunto a ‘segunda parte’ do pacote com vista a cumprir o Pacto Ecológico Europeu e a meta da neutralidade climática na Europa até 2050, depois das propostas apresentadas em julho passado.

Segundo Bruxelas, o objetivo é criar “condições para uma mudança do gás natural fóssil para gases renováveis e com baixo teor de carbono, em particular o biometano e o hidrogénio, e reforçam a resiliência do sistema de gás”.

Um dos principais objetivos é “estabelecer um mercado para o hidrogénio, criar o ambiente adequado para o investimento e permitir o desenvolvimento de infraestruturas dedicadas, inclusivamente para o comércio com países terceiros”, indicou o executivo comunitário.

“As regras do mercado serão aplicadas em duas fases, antes e depois de 2030, e abrangem nomeadamente o acesso às infraestruturas de hidrogénio, a separação das atividades de produção e transporte de hidrogénio, e a fixação de tarifas", referiu.

Por outro lado, e sempre de acordo com as propostas agora colocadas sobre a mesa pela Comissão, será criada uma nova estrutura de governação sob a forma da Rede Europeia de Operadores de Redes para o Hidrogénio para promover uma infraestrutura dedicada ao hidrogénio, a coordenação transfronteiriça e construção de redes de interligação, e elaborar regras técnicas específicas.

Portugal com posição clara

O primeiro-ministro, António Costa, explicou que os Estados-membros da União Europeia não chegaram a uma posição comum sobre a energia devido a “uma divergência de fundo” em torno de matérias sobre as quais Portugal tem posições claras.

“Não foi possível adotar nenhuma resolução relativamente à questão da energia, não obstante todos terem expressado uma grande preocupação com a situação de volatilidade dos preços da energia, devido a uma divergência de fundo e que se revelou inultrapassável, não propriamente sobre a questão dos preços, mas sobre dois temas essenciais”, revelou.

Segundo o primeiro-ministro, “por um lado, um conjunto de países insistem que se deve considerar a energia nuclear como uma energia importante para a transição climática, e uma maioria significativa de países que recusa ver a energia nuclear como uma energia verde e segura, e que, portanto, deva ser vista como uma boa energia para assegurar a transição climática”.

Recordando que o acordo a 27 sobre o objetivo da neutralidade carbónica na UE em 2050 já foi alcançado, e durante a presidência portuguesa do Conselho da UE no primeiro semestre do ano, com a aprovação da Lei do Clima, o chefe de Governo apontou que “a divergência já não está no objetivo, está no caminho para alcançar esse objetivo”.

“Há países que entendem que só conseguirão alcançar esse objetivo com recurso à energia nuclear, e são países tão diversos como a Polónia ou a França. Há países que recusam a solução da energia nuclear, países como Portugal, que sempre recusou. Há países que no passado adotaram a energia nuclear e tomaram a decisão de a descontinuar, como é o caso da Alemanha ou da Espanha. E há países que estão neste momento ainda a desativar as suas próprias centrais nucleares”, elencou.

“Mas eu diria que, entre os 27 Estados-membros, a grande maioria recusa a energia nuclear como uma solução para alcançar este objetivo. Há, contudo, outros países que entendem que essa é uma via aceitável. Portugal, como sabe, nunca adotou essa via, portanto não seria seguramente agora que a iria adotar”, completou.

António Costa explicou que o segundo ponto de divergência deve-se ao facto de “alguns Estados-membros entenderem que é necessário pôr termo às taxas sobre a emissão de carbono, que têm sido um instrumento muito importante para induzir os investimentos necessários para apoiar a transição climática”.

“E a situação em Portugal é particularmente exemplar, tendo em conta que, num contexto de grande subida da energia, nós temos uma redução de energia elétrica no mercado regulado e uma grande redução da tarifa de ligação à rede por parte da indústria, o que só é possível graças ao facto de termos começado a investir cedo nas energias renováveis, e termos hoje já uma incorporação muito elevada no nosso ‘mix’ energético de energias renováveis”, argumentou, apontando que tal também contribuiu para Portugal registar hoje uma taxa de inflação baixa.

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