A Europa tem tanto gás natural que o preço desceu abaixo de zero

CNN , Análise por Anna Cooban
28 out 2022, 17:00
A Europa tem tanto gás natural que o preço desceu abaixo de zero. JP Black/LightRocket/Getty Images

A Europa tem tanto gás natural que não sabe o que fazer com ele. A quantidade é tanta que os preços à vista estiveram por pouco tempo em terreno negativo no início desta semana.

Durante meses, as autoridades alertaram para uma crise energética neste inverno, devido ao facto de a Rússia — em tempos o maior fornecedor de gás natural da região — ter cortado o abastecimento como retaliação às sanções impostas pela Europa no seguimento da invasão da Ucrânia.

Atualmente, as unidades de armazenamento de gás da UE estão quase cheias, os navios-tanque que transportam gás natural liquefeito (GNL) fazem fila nos portos, sem conseguir descarregar as suas cargas, e os preços estão a cair.

O preço de referência dos futuros de gás natural na Europa caiu 20% desde a última quinta-feira e mais de 70% desde que atingiu um máximo histórico no final de agosto. Na segunda-feira, o preço à vista do gás holandês para entrega dentro de uma hora — o qual reflete as condições do mercado europeu em tempo real — caiu abaixo de zero euros, de acordo com dados da Intercontinental Exchange.

Os preços ficaram negativos devido a um “quadro de excesso de oferta”, disse Tomas Marzec-Manser, diretor de analítica de gás da Independent Commodity Intelligence Services (ICIS), à CNN Business.

É uma reviravolta bastante surpreendente para a Europa, onde as famílias e as empresas têm sido fustigadas por aumentos colossais no preço de uma das fontes de energia mais importantes para o continente ao longo do último ano.

Tempo quente ajuda

Massimo Di Odoardo, vice-presidente para a investigação em gás e GNL da Wood Mackenzie, diz que o clima anormalmente ameno é em grande parte responsável por esta drástica mudança.

“Em países como Itália, Espanha, França, estamos a observar temperaturas e níveis de consumo de gás semelhantes aos de agosto e de início de setembro”, disse à CNN Business. “Mesmo nos países nórdicos, no Reino Unido e na Alemanha, o consumo está muito abaixo da média para esta época do ano”, acrescentou.

A União Europeia também pôs em prática medidas substanciais contra quaisquer novos cortes no abastecimento, colocando unidades de armazenamento de gás perto da capacidade máxima. Os depósitos estão neste momento a uma capacidade de quase 94%, de acordo com dados da Gas Infrastructure Europe. Muito acima da meta de 80% que o bloco europeu estabeleceu para ser atingida pelos países até novembro.

“É um nível extremamente alto”, disse Di Odoardo, observando que a média de armazenamento ao longo dos últimos cinco anos foi de 87%.

Os esforços da Europa para garantir o máximo de combustível possível antes do Inverno têm levado a uma acumulação de navios-tanque de GNL nos portos europeus, agravada pela escassez de terminais de importação de GNL.

O continente europeu aumentou as importações de GNL dos Estados Unidos e do Qatar à medida que as importações de gás natural da Rússia começaram a cair.

Felix Booth, diretor para o GNL da empresa de dados Vortexa, disse à CNN Business que cerca de 35 navios estão nas proximidades ou a navegar muito lentamente em direção a portos no noroeste da Europa e na Península Ibérica dada a falta de opções de armazenamento.

Estes navios irão “provavelmente demorar mais um mês até encontrarem local para descarregarem”, disse.

Em conjunto, carregam cerca de dois mil milhões de dólares em GNL, de acordo com Kpler, citando o fornecedor de dados para o mercado da energia Argus Media.

Preços mais altos no próximo ano

Apesar da recente queda, em cerca de 100 euros, do preço do megawatt/hora, os futuros europeus de gás natural ainda estão 126% acima dos valores de outubro do ano passado, quando as economias começaram a sair dos confinamentos da pandemia e a procura a aumentar.

Os preços podem voltar a subir abruptamente em dezembro e janeiro, à medida que o tempo vai arrefecendo, oferecendo um incentivo a alguns desses petroleiros para que esperem mais um pouco antes de atracarem no porto para descarregar, disse Booth.

E apesar de a quota da Rússia no total das importações de gás da Europa ter diminuído de 40% para apenas 9%, a região poderá ver-se numa situação difícil no próximo Verão, quando procurar reabastecer as suas reservas antes do Inverno seguinte.

É esperado que os preços atinjam os 150 euros por megawatt/hora até ao final de 2023, disse Bill Weatherburn, economista de bens de consumo da Capital Economics.

“O abastecimento dos depósitos antes do próximo inverno vai exigir que a UE importe ainda mais GNL, porque há uma necessidade de substituir as importações de gás russo perdidas ao longo de um ano inteiro”, disse à CNN Business.

Economia

Mais Economia

Patrocinados