A 28 de abril as luzes apagaram-se em Espanha e Portugal durante algumas horas, mas ligou-se o gerador da desinformação a grande velocidade.
Nada teria sido diferente se as centrais de produção de eletricidade a carvão, com uma produção mais cara, ainda estivessem em operação pela sua demora no arranque – 12 horas, no mínimo.
No futuro, a solução para evitar situações semelhantes ao apagão não é voltar ao passado, fazendo tábua rasa dos alertas dos cientistas sobre as alterações climáticas e ignorando totalmente a necessidade e criticidade de caminhar em direção à soberania energética europeia, ibérica e nacional.
O elemento-chave é a aposta nas interligações do sistema elétrico europeu, com mais renováveis - que ainda por cima têm a grande vantagem de garantir preços mais baixos da eletricidade para os cidadãos e empresas. Os últimos dados do Eurostat confirmam que, no segundo semestre de 2024, os preços médios de eletricidade em Portugal apresentaram valores inferiores aos da média europeia no segmento doméstico e não doméstico.
Será igualmente importante, tal como começa a estar consensualizado, ter mais duas centrais de produção de eletricidade com possibilidade de “blackstart”, perfazendo um total de quatro adequadamente localizadas em função dos consumos e da potência de pico.
De resto, ainda sobre o apagão, a única coisa que, por enquanto, se sabe com certeza, é de que uma queda abrupta da frequência fez com que se desligasse um conjunto de centros eletroprodutores. Não há, contudo, qualquer nexo de casualidade direta com o volume ou tipologia de renováveis que estava em operação no momento do apagão, até porque há registo de muitos dias com muito maior incorporação renovável na produção de eletricidade.
A privatização da gestão do sistema elétrico não serve de argumento. A qualidade de serviço não é necessariamente determinada por uma gestão pública ou privada. A falha foi registada em Espanha, onde a gestão é pública. Convém lembrar que mesmo em Portugal as redes pertencem aos portugueses, e os operadores das redes de transporte e distribuição têm uma concessão deste serviço público.
Tão pouco faz sentido a crítica ao mercado elétrico comum com Espanha. Um dos grandes elementos de competitividade da União Europeia é precisamente o sistema elétrico interligado no espaço europeu e em todas as zonas síncronas, o que torna a Europa muito mais resiliente. No futuro próximo, com a eletricidade a aumentar significativamente a sua quota de mercado no consumo final de energia, esta será uma ferramenta de competitividade das empresas e da independência e soberania energética dos cidadãos europeus.
Mais interconexões são mais linhas que criam mais redundâncias, evitam as sobrecargas do sistema, que podem levar aos cortes, enquanto permitem vias alternativas de importação de eletricidade, sempre numa lógica de segurança e equilíbrio do sistema elétrico.
O aumento das interligações da Península Ibérica com o resto da Europa implicará ir além dos Pirenéus. E a verdade é que ainda há resistências a ultrapassar porque Portugal e Espanha conseguem preços mais baixos do que França em muitos dias do ano.
A “união elétrica” é um dos desígnios do novo programa da Comissão Europeia: o Clean Industrial Deal e o Plano de Ação para Energia a Preços Acessíveis. Um dos pilares destes documentos é o aumento das interligações europeias.
Tendo em conta o contexto geopolítico em que nos encontramos, o programa de defesa da União Europeia “Readiness 2030” não deverá ser energeticamente alimentado com energia nuclear comprada à Rússia ou gás natural comprado aos Estados Unidos da América.
O sistema elétrico do futuro é construído com mais renováveis, mas necessita também de uma rede elétrica mais interligada e inteligente. O investimento na rede de transporte, na rede de distribuição, em sistemas de armazenamento, flexibilidade e serviços de sistema, para obviar falhas como a que vivemos, são igualmente críticos.
Só desta forma conseguiremos conferir maior resiliência e redundância ao sistema e garantir a nossa soberania energética num mundo cada vez mais imprevisível.