Rede elétrica presa por arames: empreiteiros têm prejuízo para fazer a manutenção

15 mai, 21:58

Concessões da E-Redes prolongadas há seis anos sem concurso público

Os empreiteiros que garantem a manutenção e os trabalhos de expansão da rede elétrica nacional estão a ser estrangulados por prejuízos, o que indicia problemas e riscos para a qualidade do serviço.

Em causa estão os contratos celebrados, em 2021, entre a E-Redes — companhia de distribuição do grupo EDP, cujo acionista maioritário é o Estado chinês — e nove empresas portuguesas: Bragalux, CME, J. Canas, J. S. Coelho, João Jacinto Tomé, Painhas, Proef, R3E, Santos & Cordeiro e Visabeira. Os nove empreiteiros alegam prejuízos de 15 milhões de euros por ano, porque a E-Redes recusa-se a atualizar os valores contratuais, em ordem a responder à crise inflacionista provocada pela guerra da Ucrânia.

Uma análise financeira da Zertive Consulting, datada de 17 de fevereiro de 2023, detalha que os valores contratuais só cobrem 84% a 87% dos aumentos de custo. “Até à data, este surto inflacionista tem vindo a ser maioritariamente absorvido pelos prestadores de serviço”, confirma João Rodrigues, diretor-executivo da Associação Portuguesa das Indústrias de Engenharia Energética (APIEE), que alega sigilo para se pronunciar sobre os montantes de prejuízo. “Este efeito criou e cria uma pressão extra no sector, originando desequilíbrios contratuais que as entidades envolvidas, com as ferramentas disponíveis e principalmente o bom senso, têm tentado mitigar”, comenta apenas, fazendo votos para que “o diálogo” entre a E-Redes e os empreiteiros “chegue a bom porto para ambas as partes”.

A E-Redes, em resposta escrita à CNN Portugal, já depois da emissão da nossa reportagem, argumenta que os valores do contrato “são claros e transparentes”, porque resultaram de concursos públicos, nos quais os empreiteiros “apresentaram livremente as suas propostas”. Esses contratos “contêm fórmulas de revisão de preço, que são do prévio conhecimento dos candidatos”.

Concurso público atrasado há seis anos

Em 2017, a Assembleia da República legislou no sentido de aprazar, até 2019, os concursos públicos para a renovação das concessões da rede de distribuição de eletricidade, que poderiam ser lançados por municípios ou comunidades intermunicipais.

Esse diploma abriu a porta à prorrogação das concessões, 99,5% das quais tituladas pela E-Redes. E foi o que aconteceu. Neste momento, só os municípios de Arouca, Cascais, Castro Marim, Maia, Póvoa de Varzim, Resende, Viana do Alentejo e Vila do Conde escapam à regra da manutenção dos contratos, sem concurso público, por prazo limitado.

O economista Rui Trindade, especialista em concessões, afirma que este cenário contribui para “o adiamento de investimentos urgentes, na modernização e na digitalização das redes, que são fundamentais para a transição energética”.

O arrastar das concessões penaliza financeiramente o poder local. “Os municípios continuam presos a contratos com modelos remuneratórios que já estão ultrapassados”, expõe Rui Trindade. Para além disso, estão a perder “a possibilidade de cobrar novas receitas, mais transparentes, mais competitivas e mais alinhadas com os desafios atuais”.

A E-Redes paga uma renda anual aos municípios, estimada em 276 milhões de euros, suportada pelos consumidores nas faturas de eletricidade, para manter espalhados pelo território 228 mil quilómetros de cabos, aéreos e subterrâneos. A concessionária monopolista da rede de distribuição faturou, em 2023, 1.440 milhões de euros — e apresentou resultados líquidos de 129 milhões. A empresa alega que, nos últimos dez anos, fez “investimentos superiores a 1.600 milhões de euros, dos quais cerca de 620 milhões nos últimos três anos e 230 milhões em 2024”.

Também a ministra do Ambiente e Energia considera que esse investimento conduziu a “melhorias visíveis nos padrões de qualidade de serviço, alinhando Portugal com as melhores práticas a nível europeu”. Graça Carvalho não responde sobre os prejuízos acumulados pelos empreiteiros portugueses que fazem a manutenção da rede, por considerar que esse é um assunto da esfera de relações entre empresas privadas. Todavia, põe as mãos no fogo pela rede elétrica nacional, que “continua a ser fiável, segura e permanentemente monitorizada”.

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