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Economista e Professor Universitário

A recente ambiguidade estratégica de Emmanuel Macron tem antecedentes. E afetam diretamente Portugal

23 abr 2023, 18:29

A energia verde pode proporcionar um futuro próspero aos portugueses. No quadro europeu, França e Emmanuel Macron estão diretamente envolvidos no processo e têm vindo a alimentar as esperanças portuguesas ao longo dos últimos anos. Resultados? Nem vê-los. O processo tem sido arrastado pelos franceses de uma forma que tem tanto de duvidosa como de premeditada.

Na verdade, o lóbi nuclear francês é um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento da energia verde na Europa. E o Presidente francês tem sido muito proativo a este propósito.

Este assunto interessa particularmente a Portugal e aos portugueses. A nossa prosperidade depende grandemente da excecional propensão que o país tem para produzir e exportar energia verde.

Estranhamente, tem-se debatido muito pouco este assunto em Portugal.

Para Portugal, a prosperidade podia ser já ali ao virar dos Pirenéus Catalães e do Golfo da Biscaia, mas os interesses nucleares franceses não têm permitido. E tudo indica que assim continuará. França é “só” o segundo maior produtor de energia nuclear do mundo.

Atualmente, o interesse nuclear francês é o maior garrote ao desenvolvimento de Portugal. Parece uma afirmação excessiva, mas não é. Os franceses vão continuar a evitar, a qualquer custo, a concorrência da energia verde na Europa.

Sabemos que a produção de energia renovável é a base para alcançar a “meta de Paris”. O objetivo é conter o aquecimento global em 1.5ºC até ao final do século. É curioso que esta “meta” seja “de Paris”! Mas já lá vamos.

A oportunidade para a Portugal está à vista de todos. O nosso país, reconhecem especialistas e entidades internacionais, tem condições excecionais para especializar uma parte substancial da sua economia na produção e exportação de energias renováveis. À beira-mar plantado, o nosso país tem muito sol, muito vento e uma das maiores zonas económicas exclusivas (ZEE) do mundo.

A ZEE portuguesa é especialmente adequada para a instalação de plataformas flutuantes que permitam a produção de eletricidade a partir da energia eólica. Portugal não pode desperdiçar esta benesse.

Também não pode ser desaproveitada a aptidão nacional para a produção de hidrogénio verde. Neste domínio, Portugal conta já com um projeto previsto para arrancar em Sines, em 2024.

As nossas vantagens comparativas energéticas devem ser potenciadas e capitalizadas em mais riqueza para o país e para os portugueses. Infelizmente, para nós, é aqui que se intrometem os interesses nucleares.

A propósito da energia nuclear, o maestro Emmanuel Macron constituiu uma orquestra de doze Estados-Membros da União Europeia. Os seguidores das sua batuta são Bulgária, Croácia, República Tcheca, Hungria, Finlândia, Holanda, Polônia, Romênia, Eslováquia e Eslovênia.

França está apenas atrás dos Estados Unidos no ranking mundial de países produtores de energia nuclear. Acima de qualquer outro desejo, o Presidente francês ambiciona produzir (muita) eletricidade a partir das suas centrais nucleares. O interesse passa por exportar energia elétrica para toda a Europa e alcançar proveitos económicos que se preveem estratosféricos.

Liderados pelo Presidente francês, os doze países têm feito pressão para que a Comissão Europeia também reconheça como "verde" o hidrogénio produzido a partir de uma composição que inclui matéria nuclear! Não devemos esquecer que a principal preocupação ambiental no âmbito da energia nuclear é o “lixo radioativo”, que é de muito difícil tratamento. Estes resíduos podem permanecer perigosos para a saúde humana durante milhares de anos.

Uma coisa é certa: em condições normais, este hidrogénio francês jamais poderá ser considerado “verde”, mas tudo é possível com França e Emmanuel Macron.

A especialização da economia portuguesa na produção e exportação de energia renovável só será viável se as redes energéticas ibérica e europeia estiverem integradas. A concretização destas ligações depende do deferimento francês.

A interconexão elétrica está prevista para o Golfo da Biscaia, no sudoeste de França. Já a interligação das redes de gasodutos, que permitirá o transporte de hidrogénio verde, está prevista para os Pirenéus Catalães.

São facilmente compreendidas as razões que levam o lóbi nuclear francês a constituir-se com um entrave praticamente insuperável à concretização destas ligações. França fará tudo o que puder para manter bem longe da Europa a concorrência da energia verde ibérica.

Este processo leva já muitos anos. Tem sido estrategicamente protelado. Os infindáveis avanços e recuos só têm servido os interesses nucleares de França e de Emmanuel Macron. Temo que Portugal não consiga superar esta barreira. Se assim for, Portugal perderá uma oportunidade ímpar para se afastar da sua condição de país europeu pobre e periférico.

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