Elon Musk acha que vai haver um colapso populacional. Os demógrafos defendem o contrário

CNN , Jen Christensen
5 set 2022, 08:00
Elon Musk é pai novamente (John Raoux/ AP)

Não é a primeira vez que o bilionário Elon Musk escreve no Twitter que “o colapso da população devido às baixas taxas de natalidade é um risco muito maior para a civilização do que o aquecimento global”. As alterações climáticas são um problema grave, que ameaça o planeta, e os especialistas dizem que é difícil comparar os dois problemas.

Os demógrafos dizem que, apesar dos declínios em algumas partes do mundo, é notório que a população global está a crescer e não deve entrar em colapso tão cedo, mesmo com taxas de natalidade em níveis mais baixos do que no passado.

“Ele que se dedique mais aos carros e à engenharia do que a prever a trajetória da população”, comentou Joseph Chamie, demógrafo e antigo diretor da Divisão de População das Nações Unidas, que escreveu vários livros sobre questões populacionais.

“Sim, nalguns países, a população está em declínio, mas não é esse o caso para o resto do mundo.”

Projeções demográficas em números

De acordo com as Nações Unidas, a população mundial deverá atingir 8 mil milhões em meados de novembro deste ano. A ONU prevê que a população mundial poderá crescer para cerca de 8,5 mil milhões em apenas 8 anos.

Até 2080, espera-se que a população mundial atinja um pico de 10,4 mil milhões. Depois há uma probabilidade de 50% de a população atingir o nível máximo ou começar a diminuir até 2100. Exemplos mais conservadores, como o publicado em 2020 na revista científica The Lancet, preveem que a população mundial será de cerca de 8,8 mil milhões de pessoas até 2100.

É verdade que o que está a impulsionar o crescimento atual da população não é uma taxa de natalidade mais elevada. O que impulsiona o crescimento global da população é que há menos pessoas a morrer jovens. A esperança de vida global era de 72,8 anos em 2019, ou seja, mais nove anos desde 1990. Espera-se que essa esperança de vida aumente para 77,2 anos até 2050.

De acordo com a ONU, a taxa de fertilidade a nível mundial não “sofreu um colapso”, nem deveria, mas baixou significativamente.

Em 1950, eram contabilizados normalmente cinco partos por cada mulher; no ano passado, a nível global, foram 2,3 partos. Em 2050, a ONU prevê um novo declínio global para 2,1 nascimentos por mulher.

Nalguns países, é mais baixo. Nos Estados Unidos na década de 1950, a taxa era de 3,6 nascimentos por mulher, tendo caído para 1,6 em 2020, de acordo com o World Bank. Em Itália, foi 1,2; no Japão, foi 1,3; na China, 1,2. Em janeiro de 2022, a China anunciou que a taxa de nascimentos caiu pelo quinto ano consecutivo, mesmo com a revogação da política de um filho, permitindo aos casais ter até três filhos a partir de 2021.

“Praticamente todos os países desenvolvidos estão abaixo de dois, e tem sido assim durante 20 ou 30 anos”, disse Chamie. A maioria dos países passou pelo que se chama uma transição demográfica.

O único continente que ainda não concluiu esta transição, disse ele, são algumas regiões de África, onde existem 15 a 20 países onde o número médio de filhos que os casais têm é de cinco. Mas nesses países, as crianças ainda enfrentam elevadas taxas de mortalidade. A taxa de mortalidade infantil para crianças menores de 5 anos é 8 a 10 vezes superior à das regiões desenvolvidas, e a mortalidade materna é mais do dobro, disse Chamie.

Se as mulheres nestas regiões africanas tivessem mais acesso à contraceção, educação e cuidados de saúde, estes problemas poderiam ser solucionados e a população global poderia diminuir ainda mais, mas as pessoas estariam em melhor situação em termos de saúde individual.

O século da “medalha de ouro”

Em termos de crescimento populacional, o século XX foi uma anomalia.

“Foi o século demográfico mais impressionante de sempre. Teve mais medalhas de ouro do que todos os outros séculos”, disse Charmie.

A população humana quase quadruplicou, algo que nunca tinha acontecido antes. Isto deve-se, em grande parte, a melhorias na saúde pública.

O mundo dispõe de antibióticos, vacinas, planos de saúde pública e melhores condições sanitárias que são as principais razões pelas quais as pessoas vivem mais tempo e mais mães e crianças sobrevivem ao parto.

Com a contraceção, especialmente em 1964, quando a pílula oral foi introduzida em grande escala nos Estados Unidos, os casais podiam finalmente determinar quando e quantos filhos tinham.

“A contraceção e a pílula oral tiveram um efeito muito mais significativo no mundo do que o automóvel”, disse Charmie.

À medida que mais mulheres tiveram acesso à educação, passaram a trabalhar fora de casa e começaram a ter filhos mais tarde. Em muitos países com acesso à contraceção, os casais tiveram menos filhos e a população começou a diminuir.

Em 2020, a taxa de crescimento da população mundial caiu para menos de 1% pela primeira vez desde 1950.

Os dados nos Estados Unidos

Nos Estados Unidos, a taxa de fertilidade baixou, em parte devido ao que Ken Johnson, um demógrafo sénior da Casey School of Public Poilcy e professor de sociologia na Universidade de New Hampshire, caracterizou como um declínio “significativo” nos nascimentos na adolescência.
“A maioria dos demógrafos veria isso como uma coisa positiva”, disse.

Ele disse que a outra causa foi um declínio no número de nascimentos de mulheres na casa dos 20 anos. Essa tendência tem vindo a verificar-se desde 2008. As pessoas adiaram ou decidiram não ter bebés em parte por causa da recessão, disse ele. Esta tendência foi então exacerbada com a covid.

Entre julho de 2020 e 2021, a taxa de crescimento da população dos Estados Unidos foi a mais baixa registada em cerca de 100 anos, disse ele.

“Será um colapso do número de nascimentos? Não, eu não diria isso”, disse Johnson.

Afirmou também que há alguns fatores em jogo na baixa taxa de crescimento dos Estados Unidos: menos nascimentos, menos imigrantes devido às políticas da era Trump, e mais mortes à medida que a população dos EUA envelhece. A covid-19 também contribuiu para um maior número de mortes.

“É quase como uma tempestade perfeita, dito assim”, disse Johnson. “O número de nascimentos está muito abaixo, a covid causa um aumento nas mortes, e a imigração também está bastante baixa, por isso não é de admirar que a taxa de crescimento da população seja tão baixa quando se reúnem todos esses fatores ao mesmo tempo.”

Prevenir dificuldades demográficas no futuro

À medida que a população envelhece e as taxas de natalidade diminuem em algumas áreas do planeta, poderá haver uma pressão acrescida nos sistemas sociais.

A percentagem da população acima dos 65 anos de idade aumentará de 10% em 2022 para 16% em 2050. Isso é o dobro do número de crianças com menos de 5 anos de idade.

A nível mundial, o truque para que o tal desequilíbrio da idade da população funcione, é que os governos terão de ser pró-ativos, diz a ONU. Os países com populações envelhecidas precisam de adaptar os seus planos públicos que irão apoiar esta população crescente de pessoas mais velhas. Isto significa apoiar planos como a segurança social, pensões e estabelecer o acesso universal aos cuidados de saúde e assistência a longo prazo.

Nos Estados Unidos, William Frey, um demógrafo e membro sénior da Brookings Metro, disse que não vê a necessidade de mais casais terem mais bebés para resolver o desequilíbrio etário nos Estados Unidos. As políticas que apoiam os casais que querem ter filhos, isto é, políticas de creches e licenças familiares acessíveis, poderiam ajudar, mas isso não tem feito uma grande diferença em termos de taxas de fertilidade.

A fertilidade é inferior à taxa de substituição nos Estados Unidos, o que significa que os casais têm menos de dois filhos cada um, mas a taxa não é tão baixa como na maior parte da Europa, disse ele.

“Não acho que se trate de um problema de colapso nos Estados Unidos, porque podemos abrir as portas a mais imigrantes sempre que quisermos,” disse Frey. “Não teremos falta de pessoas que queiram imigrar para cá no futuro. Os imigrantes e os seus filhos são mais novos do que toda a população em conjunto e, por conseguinte, isso ajudará a evitar que a população envelheça também.”

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