Elon Musk é um dos mais duros críticos da imigração ilegal. Em tempos, descreveu o seu estatuto de imigrante como uma "zona cinzenta"

CNN , Catherine E. Shoichet
13 out, 22:00
Elon Musk em conferência em Paris (foto: Chesnot/Getty Images)

O homem mais rico do mundo estava a poucos passos da fronteira entre os Estados Unidos e o México, enquanto ajustava a aba do seu chapéu de cowboy preto.

“Como imigrante nos Estados Unidos, sou extremamente pró-imigração”, afirmava Elon Musk. “E acredito que precisamos de um sistema de imigração legal muito alargado e que devemos deixar entrar no país qualquer pessoa que seja trabalhadora e honesta e que contribua para os Estados Unidos.”

Mas num vídeo divulgado em setembro de 2023, em Eagle Pass, Texas, Musk também defendeu que são necessários limites.

“Ao mesmo tempo, também não devemos permitir que as pessoas entrem no país se estiverem a infringir a lei. Isso não faz sentido. A lei existe por uma razão", defendeu.

Desde a sua visita à fronteira há um ano, as críticas de Musk à imigração ilegal tornaram-se uma parte proeminente da sua presença online. E ele é uma força cada vez mais poderosa para moldar e amplificar as conversas em torno do assunto - especialmente desde que comprou o Twitter em 2022, agora conhecido como X, e tendo em conta o número de pessoas que o seguem na rede social.

A imigração é um tópico importante na mente dos eleitores que se preparam para a eleição presidencial de 2024 e foi um dos principais pontos da conversa de 12 de agosto que Musk organizou no X com o ex-presidente Donald Trump.

Os mais de 195 milhões de seguidores do magnata da tecnologia no X veem-no frequentemente partilhar publicações que apoiam teorias da conspiração e que afirmam que a administração Biden permitiu deliberadamente que imigrantes sem documentos atravessassem a fronteira para obter vantagens políticas. Também é comum ver publicações que se referem ao seu próprio passado como imigrante e que defendem o aumento da imigração legal para os EUA.

Mas é muito menos comum ouvir Musk falar de um capítulo da história da imigração da sua família que foi descrito pelo seu irmão mais novo em várias entrevistas - uma anedota que levanta questões sobre o estatuto de imigrante do magnata bilionário da tecnologia quando estava a criar a sua primeira empresa nos Estados Unidos.

Kimbal Musk: “Éramos imigrantes ilegais”

Elon Musk, 53 anos, nasceu em Pretória, na África do Sul, e mudou-se para o Canadá pouco antes de completar 18 anos, obtendo a cidadania canadiana através da sua mãe, cidadã canadiana. De acordo com as inúmeras biografias e perfis publicados nos últimos anos, Musk sempre teve um enorme espírito empreendedor e o seu objetivo era emigrar para os Estados Unidos.

Passaram mais de três décadas desde que Musk migrou para os EUA em 1992, para o seu primeiro ano como estudante transferido na Universidade da Pensilvânia. Desde então, fundou várias empresas de topo em Silicon Valley. Atualmente, é diretor executivo da Tesla Motors, diretor executivo da SpaceX e presidente e diretor de tecnologia da X. A Forbes estima que o seu património líquido ascende aos 270 mil milhões de dólares, colocando-o no topo da sua lista de bilionários.

Mas os primeiros anos da sua primeira empresa foram humildes.

Elon Musk descreveu os seus primeiros dias da empresa em inúmeros discursos e entrevistas - tal como o seu irmão mais novo, Kimbal Musk, cofundador da empresa que os colocou a ambos na senda do sucesso nos Estados Unidos.

Em 1995, Musk mudou-se para Palo Alto, na Califórnia, onde planeava iniciar um programa de doutoramento em Stanford. Mas pouco depois do início do ano letivo, de acordo com a biografia publicada em 2023 por Walter Isaacson, Musk decidiu que preferia capitalizar o mercado emergente da internet e concentrar-se na fundação de uma empresa com Kimbal.

Em 2013, durante um discurso na Conferência Global do Milken Institute, um encontro anual de executivos e líderes de opinião, os irmãos descreveram pormenores sobre a forma como mantiveram as despesas baixas fazendo refeições no Jack in the Box - e vivendo no seu escritório.

Os irmãos Elon Musk (à esquerda) e Kimbal Musk (à direita) discutiram uma série de tópicos, incluindo o seu passado de imigração, na Conferência Global do Milken Institute, em Beverly Hills, Califórnia, a 29 de abril de 2013. Fred Prouser/Reuters

“Era mais barato alugar o escritório do que arrendar um apartamento. Por isso, alugámos o escritório, dormíamos no escritório e tomávamos banho no YMCA”, recordou Elon Musk, arrancando gargalhadas à plateia.

No evento de 2013, os irmãos também abordaram um tema que têm discutido com menos frequência em público: o seu estatuto de imigrantes durante a fundação da empresa.

No início de 1996, a empresa, uma ferramenta online de mapas e guias de cidades, recebeu uma injeção de 3 milhões de dólares de investidores de capital de risco. Os investidores ficaram rapidamente surpreendidos, de acordo com declarações de Kimbal Musk num vídeo do evento de 2013, publicado na página do YouTube do Instituto Milken.

“Quando nos financiaram, aperceberam-se de que éramos imigrantes ilegais", recorda Kimbal Musk.

“Bem...”, interveio Elon Musk.

“Sim, éramos”, ripostou Kimbal Musk.

O vídeo mostra Elon Musk a rir-se, enquanto dá uma interpretação diferente: “Eu diria que é uma zona cinzenta”.

Musk não entrou em detalhes, e não está claro o que quis dizer com essa definição. Os irmãos Musk não responderam aos pedidos da CNN para comentar estas declarações.

Outros pormenores que os próprios partilharam em público, e descrições em biografias do empresário bilionário, não especificam que tipo de vistos tinham quando fundaram a empresa ou em momentos posteriores - pormenores fundamentais que revelariam quais os requisitos que teriam de cumprir para manter um estatuto legal nos EUA.

“Eu diria que é uma zona cinzenta”, respondeu Elon Musk em 2013 quando o seu irmão, Kimbal, disse numa entrevista que ambos eram “imigrantes ilegais” durante os primeiros tempos da sua empresa

Duas biografias de Musk, o tomo de Isaacson e “Elon Musk: Tesla, SpaceX and the Quest for a Fantastic Future”, publicado por Ashlee Vance, em 2015, referem que os investidores na empresa ajudaram os dois irmãos a obter vistos.

Não se sabe ao certo que tipo de visto tinha Elon Musk quando os irmãos e o seu amigo Greg Kouri criaram a empresa que viria a chamar-se Zip2, nem o que fez para se tornar um residente legal e cidadão dos Estados Unidos.

Como os especialistas interpretam a descrição da “zona cinzenta” de Elon Musk

Segundo a biografia de Isaacson e um perfil do bilionário publicado na revista Esquire, Musk tornou-se cidadão norte-americano em 2002 - dez anos depois de ter chegado ao país - numa cerimónia em Los Angeles.

Mas não se sabe exatamente quais os passos que deu para chegar a esse ponto depois dos seus anos de estudante.

Em resposta às questões colocadas pela CNN, os Serviços de Cidadania e Imigração dos EUA indicam que a agência não pode “partilhar, confirmar ou negar informações sobre a imigração de indivíduos específicos” devido a questões de privacidade.

Elon Musk não respondeu às perguntas da CNN sobre o seu percurso de imigração, mas referiu-o em várias publicações online.

Em resposta às declarações que a sua mãe, Maye Musk, partilhou no X sobre a sua própria experiência de imigração, Elon Musk qualificou a imigração legal para os EUA como “um pesadelo kafkiano laborioso” e acrescentou que o processo para se tornar cidadão norte-americano “foi extremamente difícil e demorou mais de uma década”.

Mas porque é que ele descreveu o seu anterior estatuto de imigrante como uma “zona cinzenta” em 2013?

Um artigo de 2016 do site de fact-checking Snopes encontrou “poucas provas de que Musk alguma vez esteve nos EUA sem documentação legal”, citando artigos sobre o magnata e uma entrevista de 2007 à PBS em que ele se descrevia como um imigrante legal.

Mas especialistas em imigração indicam à CNN que a forma como Elon Musk respondeu quando a questão foi levantada publicamente em 2013 sugere outra possibilidade.

Jennifer Minear, uma advogada especialista em imigração e questões laborais, salienta que, tendo em conta que Musk é agora um cidadão norte-americano, “é óbvio que fez algo para regularizar o seu estatuto”.

“Mas isso não significa que não tenha havido um período de tempo em que ele esteve sem estatuto [legal]. (...) Parece que o seu passado com a imigração é pouco claro”, assume Minear, ex-presidente da Associação Americana de Advogados de Imigração.

“Na verdade, não há áreas cinzentas na imigração”, diz Charles Kuck, um advogado especialista em imigração. Pelo contrário, acrescenta, Kuck, há pessoas que são apanhadas a violar a lei e outras que não o são.

“Quando se fala contra o processo de imigração de outras pessoas, o seu próprio processo fica sujeito a escrutínio”, Charles Kuck, advogado de imigração em Atlanta

Segundo Kuck, isso não é invulgar.

“As nossas leis de imigração são tão rigorosas que, independentemente de quão perfeito se tente ser, muitas pessoas encontrar-se-iam nesta mesma zona cinzenta, no contexto de, provavelmente, ter feito algo que poderia levar à sua deportação em algum momento durante o processo de imigração”, diz.

Essa avaliação, acrescenta, baseia-se na lei em vigor na altura e na lei atual.

“Digo-lhe, como alguém que trabalha com leis de imigração há 35 anos, que muitos imigrantes deixam a sua história de imigração para trás, certo? Querem seguir em frente para a sua nova vida”, afirma Kuck, acrescentando de seguida: “Mas, quando se fala contra o percurso de imigração de outras pessoas, então o seu próprio processo torna-se sujeito a escrutínio. Se vivemos numa casa de vidro, não devemos atirar pedras”.

Elon Musk, que aparece aqui a discursar num evento em junho de 2023, critica frequentemente a imigração ilegal. O bilionário nasceu na África do Sul, tornou-se cidadão canadiano quando era adolescente e mudou-se para os EUA em 1992 para frequentar a universidade da Pensilvânia. Alain Jocard/AFP/Getty Images

Vistos de estudante têm requisitos rigorosos em matéria de trabalho

O evento de 2013 do Milken Institute não foi a única vez que o estatuto de imigrante inicial dos irmãos nos EUA foi abordado.

“Os Estados Unidos obrigam-nos a ser ilegais se quisermos abrir uma empresa como imigrantes. Eu sei. Foi assim que o fiz”, escreveu Kimbal Musk no Twitter, agora X, em 2017.

Além dessa publicação, o jovem Musk, que agora é membro do conselho da SpaceX e da Tesla e também empresário por detrás de uma série de restaurantes e estabelecimentos relacionados com a alimentação, também levantou a questão em 2020, no Third Row Tesla, um podcast criado por fãs da empresa de veículos elétricos.

Na entrevista, Kimbal Musk lembrou novamente os primeiros dias da sua startup.

“Não sei quanto a ti, mas eu não estava legalmente na América. Por isso, estava lá ilegalmente”, declarou, olhando para o irmão do outro lado da mesa.

“Eu estava lá legalmente”, respondeu Elon Musk. “Mas era suposto estar a estudar”, acrescentou.

Alguns momentos mais tarde, descrevendo as primeiras conversas com os capitalistas de risco que ajudaram a financiar o Zip2, Kimbal Musk reiterou os pormenores que tinha partilhado nos seus comentários de 2013: “Tivemos de lhes dar a notícia de que não tínhamos carro nem apartamento e que éramos ilegais”.

Desta vez, Elon Musk negou que a descrição se aplicasse a ele.

“Tu estavas ilegal”, interrompeu, arrancando gargalhadas dos fãs da Tesla sentados ao seu lado. “Eu estava legal, mas o meu visto ia expirar dentro de dois anos”.

“Tivemos de lhes dar a notícia de que (...) não temos um carro, não temos um apartamento e somos ilegais", declarou Kimbal Musk, descrevendo assim as primeiras conversas com investidores na Zip2, durante uma entrevista de 2020 ao podcast “Tesla Third Row”

“Tu estavas ilegal. Eu estava legal, mas o meu visto ia expirar dentro de dois anos", replicou Elon Musk, contestando a descrição do seu irmão durante a entrevista

Durante a entrevista, Elon Musk explicou que, na altura, tinha um “visto de trabalho de estudante”. Também referiu que tinha decidido adiar a sua inscrição em Stanford nesse ano, “alguns dias após o início do semestre”.

Os irmãos Musk também não responderam aos pedidos da CNN para comentar esta troca de impressões.

Elon Musk com o seu irmão Kimbal Musk (à direita) e o então líder da minoria na Câmara dos Representantes, Kevin McCarthy, durante um evento no Centro Espacial Kennedy da NASA, em Cabo Canaveral, Florida, em maio de 2020. Alex Brandon/AP

Os especialistas que falaram com a CNN dizem que estas descrições do que aconteceu também levantam questões sobre o tipo de autorização de trabalho que Elon Musk tinha e que instituição o ajudou a obtê-la. A descrição “visto de trabalho de estudante” pode estar a referir-se a vários programas, observam os especialistas, mas não é um termo oficial. Os vistos de estudante são geralmente rigorosos quanto à quantidade de trabalho permitida fora da universidade, autorização essa que está diretamente ligada à instituição académica onde o estudante está inscrito.

Estas burocracias não são novidade para os estudantes internacionais de hoje em dia, nem para os administradores que os aconselham, sugere Hunter Swanson, diretor associado do Centro de Educação Internacional da Universidade Washington e Lee, na Virgínia.

É possível ter uma autorização de trabalho para um estágio opcional desde que esteja relacionada com a área de formação académica, podendo a mesma ser concedida antes ou após a graduação, se o estudante frequentar um curso completo. Também é possível, durante o percurso académico, obter permissão para trabalhar de modo a obter créditos do curso. Depois da graduação, os estudantes com este visto podem permanecer nos Estados Unidos durante algum tempo, mas não é permitido trabalhar durante esse período.

Um estudante estrangeiro que não siga essas regras hoje corre o risco de comprometer o seu futuro nos Estados Unidos, aponta Swanson.

“A maior parte dos estudantes internacionais é muito conscienciosa. Fazem muitas perguntas às pessoas que estão na minha posição antes de aceitarem um emprego ou até mesmo um estágio não remunerado”, diz. “Têm muito medo de perder o visto”, sublinha.

Swanson, que também ajuda na formação como professor de e-learning de uma associação que representa professores internacionais, diz que é provável que as leis não tenham sido aplicadas com tanto rigor durante o tempo em que Elon Musk era estudante. A implementação das restrições aos vistos de estudante e os sistemas que as autoridades utilizam para controlar o seu cumprimento intensificaram-se drasticamente após os ataques terroristas de 11 de setembro, indica Swanson. Isso aconteceu anos depois da graduação de Elon Musk na faculdade.

Sem acesso a mais informações sobre os vistos e autorizações de trabalho que Musk tinha na altura - e quando os tinha - é impossível tirar conclusões sobre o percurso de imigração do magnata, diz Swanson. “É muito pouco claro”.

“Isso levanta questões”, admite Swanson. “Mas não significa que o que ele fez não foi legal.”

Minear, a antiga presidente da Associação Americana de Advogados de Imigração, também diz que é impossível conhecer o percurso de imigração de Elon Musk sem ter acesso aos documentos do seu processo. É possível que ele tenha seguido os requisitos do seu visto de estudante ou que lhe tenha sido concedida uma exceção que lhe permitisse trabalhar.

Resta saber que instituição estava associada ao seu visto de estudante e quando, acrescenta a especialista.

Se o seu visto de estudante estava associado a um programa de pós-graduação em Stanford, Musk teria de estar a estudar ativamente nessa instituição para manter o seu estatuto, aponta Minear.

Biografias de Elon Musk referem que ele tinha planeado frequentar uma pós-graduação em Stanford, mas que, em vez disso, decidiu aproveitar a onda das empresas “dotcom” e fundou a sua primeira empresa. Uma porta-voz de Stanford diz que Musk foi aceite na escola, mas nunca chegou a matricular-se. Philip Pacheco/Getty Images

Segundo Minear, se a sua autorização de trabalho fosse uma forma de estágio opcional relacionada com os seus estudos de licenciatura na Penn, isso geralmente implica que ele se já tivesse uma licenciatura - algo que, de acordo com a biografia de Vance, Elon Musk só concluiu em 1997, muito depois de a Zip2 ter sido criada. Segundo Minear, também seria necessário que Musk trabalhasse numa área relacionada com os seus estudos.

O porta-voz da Universidade da Pensilvânia, Ron Ozio, confirmou à CNN que Musk se formou oficialmente em 1997, em economia e física.

Na biografia de Vance, Musk é citado a dizer que não se formou em 1995 devido aos requisitos dos cursos de Inglês e História, que não tinha concluído. Musk explica que os seus diplomas acabaram por ser concedidos em 1997 porque os requisitos tinham mudado.

Questionado sobre as notícias de que Musk adiou a sua inscrição em Stanford durante o semestre do outono de 1995 ou que abandonou a escola, um funcionário da universidade disse à CNN que não há registo de que alguma vez se tenha inscrito.

“Podemos confirmar que Musk se candidatou e foi aceite no programa de pós-graduação em Ciência e Engenharia de Materiais de Stanford”, respondeu à CNN a reitora associada de Comunicações e Assuntos de Antigos Alunos da Stanford Engineering, Julie Greicius. “Mas não temos qualquer registo da sua inscrição”, acrescentou.

E se Elon Musk tivesse de fazer o processo normal?

Olhando para o panorama geral, os especialistas que falaram com a CNN também notaram que a história de Elon Musk é um exemplo revelador do valor que os imigrantes trazem ao país.

“O facto de ele ter tido qualquer dificuldade em chegar onde está devido a obstáculos à imigração, ou [a possibilidade] de ter estado fora do âmbito do seu estatuto em qualquer altura e não ter podido prosseguir os seus objetivos empresariais, é um mau reflexo do nosso sistema atual e mostra a necessidade de o atualizar e alterar”, argumenta Minear.

De acordo com Rajshree Agarwal, diretora do Centro Ed Snider para as Empresas e os Mercados da Universidade de Maryland, é comum os estudantes estrangeiros que sonham em tornar-se empresários depararem-se com obstáculos à imigração. Muitos são forçados a seguir caminhos que os obrigam a continuar os seus estudos ou a trabalhar num cargo de nível inferior, em vez de se lançarem cedo por conta própria, observa a responsável.

Segundo Agarwal, o facto de os investidores de Musk o terem ajudado a obter um visto “libertou-o da imigração muito mais cedo do que é normal”. O seu rápido sucesso, diz, mostra como esse apoio pode ser valioso e levanta questões sobre o que poderia ter acontecido se ele não o tivesse obtido.

Os co-fundadores Peter Thiel (à esquerda) e Elon Musk (à direita), posam com o logótipo do PayPal na sede da empresa em Palo Alto, Califórnia, em 20 de outubro de 2000. Musk acabou por embolsar 165 milhões de dólares quando o PayPal foi adquirido pelo eBay por 1,5 mil milhões de dólares. Paul Sakuma/AP

Agarwal diz que, com base nas suas pesquisas e observações durante os seus 30 anos de carreira como professora, é comum os estudantes estrangeiros demorarem dez anos entre o momento em que concluem os estudos e o momento em que obtêm um ‘green card’, o passo legal que lhes permite iniciar uma nova fase. O tempo exato que o processo pode demorar varia consoante fatores como a limitação do número de vistos emitidos e o país de origem, acrescenta.

“E se Elon Musk tivesse de passar pelo processo normal e esperar uma média de 8 a 10 anos, em vez de ser um fundador capaz de tomar decisões e ir diretamente às partes interessadas? A Zip2 não teria sido criada. Quais teriam sido as consequências disso para este país?”, questiona.

E lança outra questão: "O que teria acontecido se Musk tivesse sido deportado ou forçado a regressar ao Canadá ou à África do Sul?"

Não foi o caso e, em 1999, a Compaq comprou a Zip2 por mais de 300 milhões de dólares em dinheiro - um negócio que valeu a Elon Musk mais de 20 milhões de dólares e uma rampa de lançamento para a sua próxima aventura empresarial. Mais tarde nesse ano, tornou-se cofundador do sistema bancário online que acabou por se transformar no PayPal.

Como as opiniões de Elon Musk sobre a imigração estão a moldar a discussão sobre o tema

Os sucessos empresariais de Elon Musk desde então estão bem documentados - tal como as suas opiniões cada vez mais incisivas sobre a imigração.

Uma análise da CNN à conta oficial de Elon Musk no X revela um aumento acentuado do número e da frequência das suas publicações relacionadas com a imigração a partir da sua visita à fronteira no ano passado. Só este ano, já escreveu pelo menos 150 publicações relacionadas com a imigração.

Esta contagem, baseada numa pesquisa de palavras relacionadas com a imigração, não reflete as vezes em que Musk simplesmente partilhou as mensagens de outros relacionadas com a imigração ou respondeu às mesmas sem mencionar diretamente palavras relacionadas com o tópico - uma abordagem muito frequente por parte de Musk, de acordo com Mert Can Bayar, um académico de pós-doutoramento da Universidade de Washington que estuda teorias da conspiração e desinformação.

“Quando ele chama a atenção para alguma coisa, tem um número desproporcional de visualizações e uma quantidade desproporcional de atenção”, sublinha Mert Can Bayar, um académico de pós-doutoramento da Universidade de Washington que estuda teorias da conspiração e desinformação

Numa das publicações, Elon Musk questiona se o Arizona está a recusar-se a retirar os eleitores sem documentos dos seus cadernos eleitorais; noutra, classifica a imigração ilegal descontrolada como “suicídio civilizacional” e há várias onde argumenta que os democratas estão deliberadamente a deixar entrar imigrantes e a pressionar para legalizar o seu estatuto, a fim de garantir o poder político.

Nenhum cidadão que não seja norte-americano pode votar numa eleição federal e várias análises realizadas ao longo de décadas mostram que o voto de pessoas sem cidadania norte-americana é extremamente raro.

Mas isso não impediu Musk de abordar o assunto. E suas publicações têm um alcance particularmente alargado, afirma Bayar.

“A conta de Musk é a que tem mais seguidores no X. Cada publicação que ele faz tem milhões de visualizações. Quando ele chama a atenção para alguma coisa, tem um número desproporcional de visualizações e uma quantidade desproporcional de atenção”, diz Bayar, que já descobriu o papel de Elon Musk na disseminação de um rumor que volta e meia ressurge e de um vídeo falso sobre o voto de não-cidadãos nas eleições norte-americanas.

Zachary Mueller, diretor de investigação America’s Voice, organização de defesa dos imigrantes, diz que as publicações de Musk frequentemente ecoam a “grande teoria da substituição”, que argumenta que as elites estão a facilitar deliberadamente uma invasão de imigrantes não-brancos para substituir o poder dos brancos.

“Ele está a amplificá-la para um novo nível e torna-se parte do problema”, diz Mueller.

Musk nega que esteja a promover a teoria racista com as suas publicações.

“Não concordo com isso. Estou simplesmente a dizer que há aqui um incentivo. Quanto mais pessoas entrarem no país, maior será a probabilidade de votarem nessa direção. É, na minha opinião, um simples incentivo para aumentar o número de eleitores democratas”, argumentou numa entrevista a Don Lemon no início deste ano, depois de o antigo jornalista da CNN ter salientado que só os cidadãos norte-americanos podem votar nas eleições federais.

Para Mueller, porém, muitas das publicações de Musk relacionadas com a imigração têm um tom desumanizador e racista que não deve ser ignorado. Mueller classifica as recentes declarações de Musk durante uma conversa ao vivo no X com Donald Trump como “repugnantemente notáveis”, frisando que o magnata comparou os migrantes na fronteira a um “apocalipse zombie da Guerra Mundial Z”.

Elon Musk faz uma transmissão em direto enquanto visita a fronteira entre os EUA e o México, em Eagle Pass, Texas, a 28 de setembro de 2023. Os críticos acusaram-no de pintar um retrato parcial da situação, mas aqueles que falaram com Musk nesse dia elogiaram-no. John Moore/Getty Images

Embora alguns tenham minimizado as declarações fortes Musk quanto à imigração, as frequentes publicações do empresário sobre o assunto chamaram a atenção de especialistas em política como David Bier, diretor de estudos sobre imigração no CATO Institute.

Quando Musk partilhou uma publicação no início deste ano a afirmar que os democratas não querem deportar os imigrantes porque “todos os ilegais são, em algum momento, um voto altamente provável”, Bier respondeu com hiperligações para vários artigos que refutavam a afirmação. “Isso não poderia estar mais errado”, escreveu, citando não apenas a lei federal que estabelece que apenas os cidadãos dos EUA podem votar nas eleições federais, mas também que a maioria dos cidadãos naturalizados não vota e que a maioria dos antigos imigrantes sem documentos que receberam amnistia na década de 1980 não se demoraram décadas até se tornarem cidadãos norte-americanos, embora fossem elegíveis.

Bier sentiu-se obrigado a intervir. Para o diretor de estudos sobre imigração no CATO Institute, o enquadramento político impreciso que Musk dá à questão ignora a realidade de que são as forças económicas que impulsionam a maior parte da imigração.

“Não se pode ignorar totalmente o que ele está a dizer, porque muitas pessoas vão ver tudo o que ele diz”, afirma Bier. “E ele é um empresário de renome mundial. Acredito que tem um pouco mais de influência do que um político, em relação ao qual as pessoas são mais céticas.”

Além das redes sociais, há sinais de que as opiniões de Musk sobre a imigração e outras questões estão a tornar-se mais influentes também nos corredores do poder.

Trump prometeu que, se for reeleito, Musk poderá desempenhar um papel na sua próxima administração, como conselheiro ou num cargo do gabinete, ajudando a melhorar a eficiência do governo.

O então presidente dos EUA Donald Trump cumprimenta Elon Musk antes de um fórum de política e estratégia com executivos na Casa Branca, em fevereiro de 2017. Trump disse que, se for reeleito, consideraria a possibilidade de colocar Musk num cargo do gabinete ou numa posição de conselheiro para garantir a eficiência do governo. Brendan Smialowski/AFP/Getty Images

O republicano Joe Wilson, da Carolina do Sul, mencionou Musk no plenário da Câmara dos Representantes, em março. “Ontem, Elon Musk chocou a América”, começou por dizer. Em seguida, citou uma das publicações de Musk no X, que avisava que “é altamente provável que estejam a ser preparadas as bases para algo muito pior do que o 11 de setembro”. “É só uma questão de tempo”, podia ler-se na publicação, que incluia uma hiperligação para um artigo que mostrava o número de voos de imigrantes para os EUA. Nem o artigo nem a publicação de Musk mencionavam que os voos faziam parte de um programa governamental que tem como objetivo criar mais vias para os migrantes entrarem legalmente nos EUA e reduzir a pressão na fronteira.

Publicações recentes de Musk centram-se na exploração espacial pioneira - e em preocupações fronteiriças

Um foguetão SpaceX foi lançado com sucesso em órbita pela primeira vez em 28 de setembro de 2008 - foi o primeiro lançamento de um foguetão financiado com capital privado. Esse feito e o intenso processo de investigação e desenvolvimento da empresa, baseado em factos, foram documentados num perfil brilhante de Musk numa edição da revista GQ desse ano, que referia que as empresas de Musk estavam a tentar encontrar soluções - com energia solar, viagens espaciais e carros elétricos - para o que ele considerava serem os maiores desafios do nosso tempo.

Mas no 15.º aniversário do lançamento do foguetão - um marco importante na vida empresarial de Musk - o bilionário estava a um mundo de distância da sala de conferências da SpaceX onde a GQ se tinha maravilhado com as suas ambições.

A 28 de setembro de 2023, Elon Musk estava decididamente concentrado na terra, ao lado de funcionários na fronteira entre os EUA e o México e com o telemóvel no ar.

“Vamos apenas dar uma volta e falar com os principais funcionários e agentes que estão aqui, e apenas observar a situação, para que possam ter uma noção do que está a acontecer”, disse no vídeo ao vivo que partilhou na rede social X.

Os críticos argumentaram que a visita de Musk à fronteira em setembro de 2023, embora tenha sido anunciada como uma realidade sem filtros, mostrou apenas um lado da questão. Mas aqueles que falaram com Musk naquele dia elogiaram-no.

“Pelo menos ele apareceu. (...) Estamos a falar de uma pessoa que pode revelar a verdade e influenciar o mundo. Acho que foi isso que Elon fez sempre que visitou a fronteira, e nós agradecemos-lhe por isso”, afirmou o xerife do condado de Medina, Randy Brown, à Fox News.

Elon Musk observa o Rio Grande durante uma visita a Eagle Pass, no Texas, em setembro de 2023. Por essa essa altura, as suas publicações no X relacionadas com a imigração aumentaram. Atualmente, as críticas à imigração ilegal são uma parte proeminente da presença online de Musk. Daniel Becerril/Reuters

Elon Musk não respondeu às perguntas colocadas pela CNN sobre o que espera que os outros vejam na sua história de imigração, ou porque é que se tem focado cada vez mais na imigração.

Um ano depois, não há sinais de que o olhar de Musk tenha sido desviado.

Quando a missão Polaris Dawn da SpaceX começou, no início deste mês, Musk publicou frequentemente no X, divulgando os esforços de exploração espacial da empresa. Mas entre as publicações sobre missões pioneiras às estrelas, partilhou igualmente muitas mensagens sobre imigração e a fronteira dos EUA.

Independentemente das suas motivações ou do caminho que seguiu para chegar aqui, é evidente que Elon Musk acrescentou mais um ponto à sua lista dos maiores desafios do mundo.

E.U.A.

Mais E.U.A.

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