Até parecia que Musk estava a ensinar Trump a debater com Kamala Harris. E o milionário ofereceu-se para governar

CNN , Stephen Collinson
13 ago, 09:55
Donald Trump e Elon Musk

ANÁLISE || A campanha presidencial nos EUA teve mais um extraordinário capítulo. O mais recente envolveu uma entrevista de Musk a Trump no X. E Trump — que passou meses a falar sobre a idade de Biden, a gaguez e as dificuldades em completar frases do atual presidente — parecia estar a balbuciar ou a arrastar as palavras enquanto falava com Musk. Problemas do streaming?

Musk tenta ajudar Trump a travar ascensão de Harris

por Stephen Collinson, CNN 
 

O homem mais rico do mundo e o antigo e possivelmente futuro homem mais poderoso concordaram em quase tudo.

O titã da tecnologia Elon Musk abriu a sua rede social X (antigo Twitter) na noite desta segunda-feira, oferecendo a Donald Trump um canal livre de verificações de factos sobre as suas mentiras, teorias da conspiração e extremismo, enquanto o candidato à Casa Branca tenta desacelerar a ascensão da candidata democrata Kamala Harris.

A conversa representou mais um extraordinário capítulo numa campanha presidencial que desafiou a lógica com as suas impressionantes reviravoltas nas últimas semanas, incluindo uma tentativa de assassínio contra Trump e o fim da tentativa de reeleição do presidente Joe Biden.

O ex-presidente tem vindo a debater-se, a lutar para lidar com o início ascendente da nova indicada democrata. Às vezes, durante a sua conversa expansiva, Musk parecia estar a usar o poder do seu perfil e plataforma para treinar Trump sobre como construir uma melhor argumentação contra Harris.

“Ela acredita em ser de esquerda radical”, disse Trump sobre uma adversária democrata que apagou a vantagem nas sondagens do ex-presidente em apenas três semanas como candidata. E o ex-presidente, que tentou anular uma eleição que perdeu, alegou sem fundamento que Biden tinha sido ilegalmente deposto para dar lugar a Harris. “Ela não deu uma entrevista desde que toda essa farsa começou, e diga o que quiser, isso foi um golpe. Este foi um golpe de um presidente dos Estados Unidos”, disse Trump, irritado.

Musk concordou com Trump que Harris era de esquerda radical e bajulou o seu convidado ao sugerir que Trump era forte e os seus oponentes democratas eram fracos. Musk referiu-se aos inimigos dos Estados Unidos e disse: "Eles temem o presidente americano ou é alguém que eles não respeitam e não temem? Vamos dar uma vista de olhos às imagens do assassínio. Tipo, ok, todos sabem, o presidente Trump está tipo, não se metam comigo".

Musk já apoiou Trump e, esta segunda-feira, não deixou dúvidas de que quer vê-lo vencer um segundo mandato. “[Trump] é o caminho para a prosperidade. E eu acho que Kamala é o oposto”, vincou o dono do X.

Musk, que tem grandes interesses comerciais em garantir o tratamento favorável da próxima administração da Casa Branca, forneceu ao candidato republicano uma audiência de pelo menos 1,3 milhão de ouvintes simultâneos no pior momento da campanha de Trump até agora. E previu que pelo menos 100 milhões de pessoas irão consumir o conteúdo da entrevista nos próximos dias.

Tanto Trump como Musk tinham muito a ganhar com a entrevista

Durante a entrevista, foram algumas as vezes em que Trump — que passou meses a falar sobre a idade de Biden, a gaguez e as dificuldades em completar frases do atual presidente — parecia estar a balbuciar ou a arrastar as palavras enquanto falava. Não ficou claro se estava em causa um problema de áudio. Questionado sobre o tema, o porta-voz da campanha do ex-presidente, Steven Cheung, disse: "[A dificuldade em perceber] deve ser da sua audição".

A conversa amigável entre o magnata e o ex-presidente também mostrou o que cada um tem a ganhar com o regresso de Trump à Casa Branca.

Musk conseguiu impressionar um possível futuro presidente, que é conhecido por ter uma liderança transacional, as suas próprias visões sobre a imigração, a economia, a redução de regulamentação governamental e os cortes de impostos. As empresas de Musk, incluindo a SpaceX, uma participante importante no programa espacial dos EUA, e a Tesla, que fabrica veículos elétricos, podem ser impactadas por mudanças na política governamental. Toda a conversa estava repleta de potenciais conflitos de interesse. Nenhum norte-americano comum jamais teria uma oportunidade semelhante de ter a atenção de um possível futuro presidente.

Num ponto da entrevista, Musk até se ofereceu para assumir uma posição no governo dos EUA — talvez como parte de uma comissão de eficiência para cortar o estado administrativo. Trump disse que "adoraria" que Musk se envolvesse na política, vincando que o multimilionário é um grande "cortador [de despesas]".

Trump ganhou muito com o investimento de mais de duas horas do seu tempo. Musk não o desafiou em nenhuma das suas mentiras e deturpações – por exemplo, a sua previsão de que 60 milhões de migrantes sem documentos irão invadir os Estados Unidos se perdesse em novembro para Harris.

Durante a conversa, Musk minimizou a ameaça do aquecimento global enquanto defendia o seu império pioneiro de veículos elétricos. Trump, por seu turno, alertou sobre a ameaça do “aquecimento nuclear”, que disse representar um perigo maior do que o “aquecimento global”. Não ficou claro se Trump estava a tentar referir-se à energia nuclear – que Musk argumentou que “não é tão assustadora quanto as pessoas pensam”.

A conversa foi um exemplo poderoso da maneira como a política presidencial foi transformada pelas redes sociais e pela fragmentação do jornalismo tradicional. Trump pode não ter sido presidente sem o Twitter, já que a sua emergência como uma força política em 2016 coincidiu com o auge da rede social. As suas habilidades em explorar um novo meio como nenhum outro político fizeram da eleição presidencial daquele ano uma combinação única de um homem e do seu momento.

Oito anos depois, sob a liderança de Musk, que prega a liberdade de expressão irrestrita, o X desmantelou muitas das salvaguardas contra a propagação de mentiras e teorias da conspiração na plataforma. É, portanto, um local perfeito para o ex-presidente escapar das restrições dos meios de comunicação tradicionais e tecer a sua teia de realidade alternativa — que é extremamente popular entre os seus milhões de apoiantes.

Os republicanos reclamam sobre o que dizem ser uma cobertura de media lisonjeadora. Mas poucos candidatos tiveram um momento de campanha tão fácil como o indicado republicano teve no X na noite de segunda-feira.

A propósito das questões políticas internacionais levantadas pela evolução do X, um comissário europeu, Thierry Breton, escreveu a Musk para avisá-lo de que deve impedir a “amplificação de conteúdo prejudicial”, que poderia ser acedido por consumidores.

Por seu turno, Cheung alertou no X que a União Europeia deveria "cuidar da própria vida em vez de tentar intrometer-se na eleição presidencial dos EUA", numa troca de mensagens que pareceu ser um mau presságio para as relações já tensas entre a equipa de Trump e Musk e a Europa.

Depois de anos a evitar o Twitter e o X, Trump fez elogios efusivos a Musk

Trump espalhou inúmeras mentiras e exageros na entrevista desta segunda-feira à noite, incluindo sobre o número de migrantes que cruzaram a fronteira, a extensão da crise inflacionista que agora abrandou, os seus problemas com a justiça, a política energética do atual governo e a sua alegação familiar de que as nações estrangeiras estavam a despejar os seus prisioneiros na fronteira sul dos EUA.

Não há dúvida de que muitos eleitores de Trump, ouvindo os destaques da conversa nos próximos dias, irão concordar com grande parte do que o ex-presidente disse, de uma forma que ressalta a sua viabilidade política, mesmo depois de Harris ter transformado a corrida à Casa Branca.

Em alguns pontos, Trump fez um discurso mais coerente e focado para um segundo mandato do que nos últimos dias, quando pareceu estar desorientado pela mudança numa corrida que acreditava estar preparado para vencer contra Biden. Ele e Musk acusaram o atual presidente e a vice-presidente de adotar políticas de gastos que alimentaram a inflação que tem sido dolorosa para milhões de norte-americanos.

Mas as constantes divagações de Trump e a amplificação de teorias da conspiração também demonstraram porque é que muitos eleitores o desprezam e por que há dúvidas sobre o seu apelo entre eleitores suburbanos e mulheres residentes em estados indecisos.

No início, parecia que a entrevista se ira tornar uma nova metáfora para os erros de Trump, pois foi adiada por falhas técnicas. Musk alegou que ter sido alvo de um ataque informático, embora não tenha sido possível confirmar imediatamente. "Há muita oposição às pessoas que apenas quem ouvir o que o presidente Trump tem a dizer", disse Musk.

A campanha de Harris respondeu rapidamente, publicando uma publicação no Truth Social do ano passado que criticava o governador da Flórida, Ron DeSantis, pelo início problemático da sua campanha primária num evento problemático do Twitter Spaces com Musk.

O evento marcou o regresso de Trump ao X, anteriormente conhecido como Twitter, do qual foi banido pelos antigos donos da rede social após o ataque ao Capitólio dos EUA, a 6 de janeiro de 2021. A sua conta foi agora restaurada por Musk.

Qualquer um que tenha ouvido a conversa completa de duas horas teria aprendido mais sobre as visões políticas em evolução de Musk – e a sua crescente disposição de usar o seu poder e riqueza para expressá-las – do que qualquer coisa nova sobre Trump. Mas o ex-presidente estava efusivamente grato por ter um novo amigo num momento de necessidade política.

“És incrível, fazes um trabalho incrível. És uma grande inspiração para as pessoas”, disse Trump a Musk antes de se despedir.

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