As últimas semanas têm sido desconfortáveis, para dizer o mínimo. Enquanto os jornais nos trazem diariamente as mais recentes novidades vindas dos Estados Unidos, uma espécie de sombra ecoa de forma que considero muito próxima de uma visão distópica da realidade — uma realidade que só encontra paralelo na história às mãos de quem precisamente alega ser o oposto. Permitam-me esclarecer.
Muitos consideram que a grande desilusão do ano tem sido Donald Trump e a sua forma peculiar de resolver questões — recorrendo, frequentemente, a insultos indiretos, histórias duvidosas, acusações que roçam a paranóia e, mais recentemente, a uma visão do conflito na Ucrânia que empurrou a Europa para uma corrida ao armamento, algo que não se via desde que Hitler tentou impor a sua visão do mundo.
No meio desta realidade conturbada, repleta de capítulos quase diários — um deles cegando uma nação que, para uns, é vista como invadida e, para outros, como provocadora da invasão — assiste-se agora a um bombardeamento agressivo e pernicioso. E, nesse cenário, emerge uma voz que desafia as mentes mais convictas, sejam elas a favor ou contra Trump: Elon Musk; mas já aí vamos.
Há imensa coisa que gostaria de dizer relativamente ao que estamos a assistir diariamente na televisão, algo que parece demasiado absurdo para acreditarmos que está realmente a acontecer.
Com isto, não quero dizer que as pessoas andam a espalhar teorias como “a Terra é plana” — não é esse tipo de absurdo a que me refiro. Refiro-me, sim, a uma distorção da realidade que, a todo o custo, tenta convencer 300 milhões de americanos de que o mundo deve tudo aos Estados Unidos, de que este país nada deve a ninguém, de que todos os outros são ignorantes e de que há um virtuoso iluminado que já sabia tudo. Um líder que, caso estivesse ao comando, garantiria que nada disto teria acontecido; que, com ele ao leme, a solução para todos os problemas da humanidade estaria garantida.
Mas como é que, em 2025, esta mensagem continua a ecoar e a espalhar-se? Como é que, em 2025, vemos com normalidade um massacre político numa Sala Oval, com um presidente de um país em guerra a ser ridicularizado, e achamos isso plausível? Não, meus caros, não achamos plausível. Somos convencidos de que a maioria o acha, e, como bem sabemos, aquilo que não se estranha, entranha e para essa missão, é necessária uma espécie de ministro da propaganda dos tempos modernos.
A cada nova intervenção do Presidente dos Estados Unidos, surge uma frase como “sair da NATO” — fora de contexto ou até dentro dele — que rapidamente se espalha pelo X (antigo Twitter), onde milhões de contas, muitas delas perfis falsos de republicanos ligados a este novo movimento de media livre, fazem eco com um tom distorcido.
Sabe-se que, caso os Estados Unidos abandonem a NATO, as suas cerca de 40 bases militares fora do país deixariam de funcionar como uma espécie de postos avançados de defesa aérea contra ataques balísticos internacionais. Isso significaria que a proteção dos céus e das fronteiras americanas teria de ser feita exclusivamente a partir do território nacional — uma impossibilidade estratégica que evita um novo Pearl Arbor. No entanto, no X, esta ideia ganha contornos de uma realidade possível. Mas como?
Outro exemplo notório é a ideia da anexação do Canadá como o próximo estado americano. Quando foi mencionada pela primeira vez parecia uma anedota, mas agora, nas redes sociais, começa a ganhar contornos de possibilidade. E, se tal não acontecer, cria-se uma nova narrativa: que será apenas uma questão de tempo, que se imporão tarifas até que o Canadá ceda, ou que acabará por aceitar a passagem de um novo oleoduto vindo do Alasca.
Mas como é que isto pode estar a acontecer? Não está. Apenas parece estar, e alguém deixa que assim pareça. Quem? Sabem muito bem quem: o Sr. Redes Sociais.
Tal como nos anos 30 foi crucial manter um apoio interno para o projeto expansionista de Hitler — apesar do espanto internacional e da resistência dentro do próprio país — hoje assistimos a algo semelhante mas com novos instrumentos. Temos uma rede social repleta de bots, contas falsas, e até bots que funcionam como extensões do ChatGPT, espalhando notícias falsas, visões distópicas e respondendo aos seus milhares de seguidores.
Curiosamente, quando perguntamos a essas contas como se faz um bolo de chocolate, respondem em segundos com a receita perfeita. Mas, ao lado dessas contas automáticas, há um verdadeiro exército de perfis que se fazem passar por americanos e europeus, travando um combate de desinformação e lançando acusações numa guerra digital que qualquer pessoa atenta percebe serem manietadas por equipas de propaganda. Mas como é que isto é possível? Como é que isto é credível?
Ora, numa altura em que Elon Musk está diariamente no X a promover a sua visão dos factos — que, neste momento, mais não é do que um eco do que se passa na Sala Oval — ter centenas de milhares de contas a fazer propaganda, com um toque extra de sal e pimenta, joga claramente a seu favor. A sua presença nas redes sociais é quase compulsiva e, mesmo com a queda a pique das vendas dos seus Teslas na Europa, não modera o seu comportamento. Pergunto-me porquê, mas não consigo encontrar uma resposta direta que não nos aborreça a todos.
São tempos perigosos, maioritariamente porque há um “ministro da propaganda” invisível que permite que reiteradas falsidades, boatos e rumores se misturem com opiniões, factos e verdades. Este caldo de desinformação é amplamente aceite por americanos, europeus e muitos outros, tornando-se numa espécie de ressonância da verdade que, em breve, deixará de ser apenas um eco. Será aceite como facto.
E aí sim, à mão da tecnologia que outrora nos serviu para unir, poderá nascer um mal que verdadeiramente nos separará: uma guerra de escala mundial.