Há um Voldemort entre o homem mais rico do mundo e um país: o que se passa com Elon Musk e a justiça brasileira

2 set, 23:03
X (Associated Press)

Rede social X, de Elon Musk, está envolvida há vários meses numa investigação sobre "milícias digitais" liderada pelo juiz Alexandre de Moraes

O braço de ferro entre Elon Musk, dono da rede social X, e o juiz brasileiro Alexandre de Moraes tomou novas proporções nos últimos dias, com o Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil a ordenar a suspensão imediata da plataforma no Brasil, depois de o bilionário não ter cumprido uma ordem judicial para designar, no prazo de 24 horas, um representante legal para a rede social no Brasil, tal como prevê a lei nacional.

Numa reação à decisão do STF, antes de a mesma entrar em vigor, Elon Musk acusou o juiz Alexandre de Moraes de censura, ao colocar em causa a liberdade de expressão para “fins políticos”. “A liberdade de expressão é o alicerce da democracia e um pseudo-juiz não eleito no Brasil está a destruí-la para fins políticos”, escreveu o empresário, na sua conta oficial no X.

O contencioso entre o magnata e o magistrado não é de agora. Elon Musk está a ser investigado pelo STF desde abril, no âmbito de uma investigação sobre as chamadas “milícias digitais” do Brasil - contas de redes sociais que disseminam notícias falsas contra grupos políticos específicos que têm atacado vários membros daquele tribunal - e que está a ser liderada, desde 2019, pelo próprio juiz Alexandre de Moraes.

A justiça brasileira pediu a suspensão daquelas contas no X, sendo que algumas pertencem a ativistas de extrema-direita e apoiantes do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, que também está a ser investigado por espalhar notícias falsas, atacar as instituições democráticas e planear um golpe de Estado.

Mais tarde, no decorrer da investigação, Alexandre de Moraes determinou a abertura de uma outra investigação contra Elon Musk, alegando ameaças do empresário contra magistrados do STF. A decisão surgiu depois de o bilionário afirmar que iria ativar novamente as contas que tinham sido suspensas por decisões judiciais. O juiz ameaçou com multas de 100 mil reais (cerca de 16 mil euros) por cada conta desbloqueada.

Como resposta, Elon Musk começou uma campanha pública contra o STF e fez uma série de publicações contra o juiz Alexandre de Moraes, alegando que a justiça brasileira estava a bloquear a liberdade de expressão dos utilizadores da plataforma. O empresário também acusou o juiz de interferir nas eleições presidenciais brasileiras, em 2022, que deram a vitória a Lula da Silva.

Em agosto, a rede social X anunciou o encerramento do seu escritório no Brasil, justificando a decisão com a “censura” de que estaria a ser alvo por parte do juiz do STF. Os 40 funcionários foram avisados da decisão numa reunião inesperada durante a madrugada de 19 de agosto, tendo sido todos demitidos.

Numa publicação na sua conta oficial de assuntos globais, a plataforma começou por dizer que, na noite anterior, o magistrado ameaçou prender o representante legal do X no Brasil caso a rede social não cumprisse as ordens judiciais. “Ele fê-lo com uma ordem secreta, que partilhamos aqui para expor as suas ações”, acrescenta-se.

“Apesar de os nossos inúmeros recursos ao STF não terem sido ouvidos, e de o público brasileiro não ter sido informado sobre essas ordens e de a nossa equipa brasileira não ter responsabilidade ou controlo sobre o bloqueio de conteúdos na nossa plataforma, [Alexandre de] Moraes optou por ameaçar a nossa equipa no Brasil em vez de respeitar a lei ou o devido processo legal”, pode ler-se na publicação, que acrescenta que, como resultado, e “para proteger a segurança” da sua equipa, tomou a decisão de encerrar as operações no Brasil, “com efeito imediato”. Esta decisão não colocaria em causa o serviço do X no Brasil.

A publicação termina a atribuir as culpas a Alexandre de Moraes. “As suas ações são incompatíveis com um governo democrático. O povo brasileiro tem uma escolha a fazer - democracia ou Alexandre de Moraes.”

A par com a publicação, o X divulgou imagens de um suposto despacho assinado por Alexandre de Moraes, que data de 16 de agosto de 2024, no qual o magistrado ordena a abertura de inquérito “para apurar a possível prática de crimes de obstrução de organização criminosa e incitação ao crime” e informa que, a 7 de agosto, decretou que a rede social X “procedesse ao bloqueio de canais/perfis/contas indiciados” no âmbito da investigação às chamadas “milícias digitais”, devendo a plataforma “informar os valores que seriam monetizados e os destinatários dos valores, sob pena de multa diária de 50 mil reais (cerca de 8 mil euros), com o fornecimento dos seus dados cadastrais” ao STF e “a integral preservação do seu conteúdo”. O Twitter terá sido informado desta decisão, por e-mail, no dia 12 de agosto, acrescenta-se.

Assim, o juiz Alexandre de Moraes diz ter aplicado a multa prevista de cerca de 8 mil euros, determinando a “intimação pessoal do representante legal” do X no Brasil, Diego de Lima Gualda, com quem tentou contactar, “sem sucesso”. Foi então que o STF ficou a saber que Diego de Lima Gualda já não era representante do X no Brasil e que tinha sido nomeada uma nova representante, Rachel de Oliveira Conceição. Alexandre de Moraes diz ter tentado entrar em contacto com a nova representante por diversos meios, mas sempre sem sucesso, acusando-a de “agir de má fé e de tentar evitar a regular intimação”.

O magistrado impôs então uma multa diária de 20 mil reais (cerca de 3 mil euros) a Rachel de Oliveira Conceição e “decretação de prisão por desobediência à determinação judicial”, em caso de incumprimento das medidas num prazo de 24 horas, bem como o “imediato afastamento da direção da empresa”.

Elon Musk prosseguiu com a campanha pública contra o juiz Alexandre de Moraes, utilizando a rede social X para o efeito, onde divulgou uma imagem na qual compara o magistrado à personagem Voldemort, da saga Harry Potter. “A semelhança é incrível”, descreveu na mesma publicação.

Apesar dos avisos de Alexandre Moraes, que chegou a aumentar a multa diária por desobediência para 200 mil reais (cerca de 32 mil euros), o X nunca chegou a apresentar um representante legal da empresa no Brasil, e, no passado dia 28, o STF decidiu intimar publicamente o próprio Elon Musk a indicar, num prazo de 24 horas, o novo representante legal. “Em caso de incumprimento da determinação, a decisão prevê a suspensão das atividades da rede social no Brasil”, avisa o STF.

Sem qualquer resposta do lado da plataforma, o magistrado determinou, na passada sexta-feira, a suspensão da rede social X no país, notificando o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para que este retire a rede social em todo território nacional num período máximo de 24 horas.

Na decisão, Alexandre de Moraes determina a suspensão do X no Brasil “até que todas as ordens judiciais proferidas nos presentes autos sejam cumpridas, as multas devidamente pagas e seja indicado, em juízo, a pessoa física ou jurídica representante em território nacional”.

A Starlink, outra empresa de Elon Musk, que oferece serviços de internet via satélite e tem cerca de 215 mil linhas ativas no Brasil, recusou-se no domingo a cumprir as ordens decretadas pelo STF, garantindo que não iria bloquear o acesso dos seus clientes no Brasil ao X até que seja levantado o bloqueio das suas contas.

A informação foi confirmada pelo presidente da Anatel, Carlos Baigorri, entidade responsável por notificar as mais de 20 mil operadoras do Brasil da ordem de suspensão da rede social X, que indicou, no mesmo dia, que a maioria das operadoras já tinha bloqueado o acesso à rede social de Musk.

Já esta segunda-feira, a primeira turma do STF ratificou a suspensão da rede social no país, com cinco votos a favor. Como resposta, Elon Musk recorreu à sua conta oficial do X para escrever que Alexandre de Moraes “merece ser preso pelos seus crimes”.

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