Ellen DeGeneres foi "expulsa do mundo do espetáculo". Será que está na altura de os EUA lhe darem as boas-vindas outra vez?

CNN , Rob Picheta
5 out, 16:00
Ellen DeGeneres (CNN)

Deixam os motoristas à espera enquanto comem, em carros que têm três metros e meio de comprimento. E a apresentadora faz parte desse grupo

Cotswolds, Inglaterra - O tempo não passa rápido aqui. Bandeiras britânicas tremulam suavemente com a brisa; um raio dourado do sol poente cobre uma fileira de chalés; uma caixa de correio vermelha, ainda com as iniciais da falecida rainha, fica do lado de fora de uma igreja da vila, banhada pela luz que se esvai.

Quando se pensa no interior da Inglaterra, é este cenário que se tem em mente. Este recanto idílico de colinas ondulantes e aldeias pitorescas, duas horas a oeste de Londres, tem sido um refúgio abastado para primeiros-ministros reformados e elites tradicionais há séculos.

Mas agora há um novo grupo. Eles são chamados, com leve ironia, de “Chippie set” - um grupo de figuras conhecidas que vivem nos arredores da rica vila de Chipping Norton e raramente são vistos pelos vizinhos, exceto quando estão a caminho de um dos muitos resorts e restaurantes de luxo da região.

“Eles só vão para lá - eles realmente não saem”, conta à CNN Simon Finch, que gere um pub em Bloxham, numa tarde quente recente.

“Eles deixam os motoristas à espera enquanto comem, em carros que têm três metros e meio de comprimento”, reclama Liz, outra moradora local que preferiu não revelar o seu sobrenome. “Começamos a sentir que já não pertencemos aqui”, lamenta.

Os campos ondulados perto da nova aldeia de DeGeneres, na periferia da região de Cotswolds, na Inglaterra. Rob Picheta/CNN

E o “Chippie set” tem um novo elemento notável. Numa vasta propriedade rural atrás de um imponente portão de madeira, Ellen DeGeneres está a entrar numa nova fase da sua vida - e a ponderar o seu próximo passo.

Depois de receber celebridades no seu estúdio televisivo em Burbank, Califórnia, ao longo de duas décadas, Ellen DeGeneres agora cria galinhas, luta contra o seu cortador de relva e afasta ovelhas errantes da sua sala de estar em plano aberto. Ellen foi vista a passear e a tomar uma bebida num pub local, o The Duck on the Pond.

Embora Simon Finch e Ellen DeGeneres sejam vizinhos perto da vila de South Newington, ambos vivem em mundos diferentes. A espetacular queda em desgraça de DeGeneres em 2020, na sequência de denúncias de um ambiente de trabalho tóxico no seu programa, tornou-a o alvo principal de uma erupção da cultura do cancelamento na era da pandemia. Durante décadas, o público norte-americano tratou Ellen pelo primeiro nome; agora ela vive em esplêndido isolamento neste recanto encantador do interior da Inglaterra, depois de ter vindo a público no ano passado dizer que foi “expulsa do mundo do espetáculo”.

A mulher conhecida pelo mote “Sejam gentis uns com os outros”, cuja revelação na década de 1990 foi um marco para a visibilidade das pessoas LGBTQ+, é um teste de Rorschach para muitos norte-americanos.

Para os apoiantes de DeGeneres, ela é uma pioneira que foi vítima de uma horda sanguinária online, assumindo a culpa por uma cultura implacável que é comum na indústria televisiva e que pouco tinha que ver com ela pessoalmente. Para os seus críticos, DeGeneres simboliza o perigoso desequilíbrio de poder em Hollywood e a inautenticidade das personalidades famosas: uma estrela de televisão que construiu a sua marca com base em tudo o que não era e enganou o público nesse processo.

Agora, cinco anos após o colapso da sua imagem pública, talvez seja hora de revisitar o caso de DeGeneres. Será que o seu cancelamento resulta de uma era passageira em que as pessoas falavam sinceramente sobre “espaços seguros” e “microagressões” - uma época em que era a esquerda, e não a direita, que fazia o cancelamento?

O mundo continua a ser um lugar implacável para celebridades hipócritas, mas é difícil imaginar alguém a ser cancelado por ser um chefe exigente em 2025. Lizzo, Jimmy Fallon e Kelly Clarkson, que enfrentaram acusações semelhantes de que as suas digressões e programas eram ambientes tóxicos, superaram as consequências. Lizzo negou essas alegações, enquanto Fallon e Clarkson pediram desculpas à equipa, e os seus programas continuam no ar.

Será que fomos todos demasiado duros com Ellen? Aqueles que trabalharam com a estrela nas últimas décadas têm opiniões radicalmente diferentes sobre essa questão. DeGeneres recusou-se a ser entrevistada para esta reportagem, mas vários dos seus ex-colegas falaram com a CNN. Poucos deixaram de ter opinião sobre ela; as posições endureceram-se em retrospectiva.

“Após 19 temporadas, mais de 3.200 programas e mais de 1.000 funcionários, não é irracional esperar que um pequeno grupo de pessoas possa ter tido uma experiência negativa enquanto trabalhava lá», relativiza uma fonte próxima de DeGeneres e do seu talk show. “Isso é apenas bom senso.”

“As pessoas têm medo de falar ou discordar da estrela do programa”, afirma Gil Junger, que dirigiu dezenas de episódios da sitcom “Ellen”, na década de 1990, incluindo a edição em que a sua personagem se assumiu como homossexual.

“Ela é a atriz de comédia mais talentosa com quem já trabalhei”, elogia Gil Junger “Mas é exigente. Ela exige excelência de todos os que a rodeiam.”

A controvérsia que acelerou o fim do talk show de longa data de Ellen DeGeneres não foi uma surpresa para Gil Junger, que fala numa cultura em que “as pessoas de repente percebem que não podem fazer o que bem entenderem só porque são o chefe”.

Mas, acrescenta, “talvez o pêndulo tenha oscilado um pouco demais.”

O portão de madeira do lado de fora da mansão multimilionária de Ellen DeGeneres em Cotswolds. Rob Picheta/CNN

Está sol, mas não estamos em Los Angeles: o sol tem pouco significado por aqui. A chuva está a chegar, prevista para daqui a uma ou duas horas, e um vento forte britânico está a arrancar folhas dos galhos e a cobrir o campo com algo que cheira a estrume e humidade.

São essas as tardes com as quais Simon Finch tem de lidar. Fuma um cigarro do lado de fora do seu pub: o tipo de estabelecimento britânico tradicional e à moda antiga, ameaçado de extinção.

“Provavelmente há aqui o dobro das pessoas que havia nos anos 80”, presume Finch, apontando para uma bela rua comercial. Mas nenhuma dessas pessoas está dentro do seu pub; em vez disso, optaram por um gastropub caro ao fundo da rua, onde Ellen DeGeneres e a sua esposa, a atriz Portia de Rossi, foram vistas recentemente com o cantor Robbie Williams. Um número crescente de figuras norte-americanas — de Kourtney Kardashian ao vice-presidente JD Vance — escolheu Cotswolds para passar as férias neste verão.

Aos 67 anos, Ellen tem-se adaptado a um ritmo de vida mais lento, mas não está reformada, indicou à CNN uma fonte próxima da comediante. Um ano após um especial de comédia da Netflix que foi anunciado como a última palavra sobre a sua carreira turbulenta, Ellen tem vindo a reunir-se com escritores e produtores, segundo a mesma fonte, e mantendo as suas opções em aberto. No início deste mês, Ellen DeGeneres anunciou uma série de eventos “In Conversation” em cinco cidades britânicas – uma mini digressão que poderia servir como um ensaio para um regresso à televisão.

“Tudo aqui é simplesmente melhor”, confessou Ellen a uma multidão num evento público em Cheltenham, neste verão. “A forma como os animais são tratados. As pessoas são educadas. Eu simplesmente adoro este lugar.”

O seu antigo e novo ambiente criam um perfeito contraste. No mesmo dia em que Ellen entrevistou Anne Hathaway em 2019, por exemplo, os seus futuros conselheiros paroquiais em South Newington reuniram-se para discutir se colocar a árvore de Natal da aldeia num vaso a faria parecer mais alta. Enquanto Ellen conversava com Ted Danson num dos seus últimos episódios em 2022, os conselheiros discutiam “uma quantidade significativa de lama” que se tinha acumulado perto da floresta.

A decisão do casal de se mudar foi consolidada depois de Donald Trump ter sido reeleito em 2024, segundo revelou a própria Ellen, que chegou a entrevistar Trump, no seu programa em 2004, quando o republicano era apresentador do programa “The Apprentice”, mas que desde então apoiou candidatos democratas em várias eleições.

Ellen DeGeneres era uma embaixadora mundial em Hollywood, entrevistando atores, músicos e políticos — incluindo a ex-secretária de Estado e candidata presidencial Hillary Clinton — no seu estúdio em Burbank, Califórnia. Justin Sullivan/Getty Images

“Chegámos aqui na véspera da eleição e acordámos com muitas mensagens dos nossos amigos com emojis a chorar”, contou Ellen. “E nós pensámos: ‘Vamos ficar aqui’”.

As fotos e vídeos que Ellen e Portia publicam no Instagram permitem um vislumbre da sua nova vida. Ellen encontrou membros de uma equipa de Fórmula 1 enquanto estava no popular pub Falkland Arms. Portia, escreveu Ellen no mês passado, está “a viver o seu sonho, cavalgando pelo interior da Inglaterra e pela aldeia”.

O casal já se mudou para uma segunda casa na Inglaterra, passando de uma casa tradicional em Cotswolds para uma impressionante mansão minimalista. A propriedade de 40 hectares possui uma piscina, dois lagos, um prado de flores silvestres e uma moderna casa de fazenda envidraçada com vista panorâmica dos campos ao redor.

A sua nova casa – uma enorme estrutura de madeira, betão e vidro que parece de outro mundo – não passou despercebida. “Não é muito típica de Cotswolds”, diz Liz à CNN, em Charlbury. “Na verdade, parece que veio de Marte. Ou de Los Angeles.” Outros moradores locais descrevem a casa como “horrível”, uma “monstruosidade” e algo semelhante ao “covil de um vilão de James Bond”.

Quase um ano depois de se mudar para cá, a própria DeGeneres ainda é motivo de mexericos. Embora nunca tenha tido a mesma importância cultural no Reino Unido, Ellen é uma figura reconhecível. As conversas sobre a sua chegada “estão em toda a parte”, conta à CNN Eden Crystal, uma moradora local de 23 anos que costumava assistir ao talk show de Ellen DeGeneres no seu telemóvel. “Quando pensas em americanos realmente famosos, pensas em Ellen DeGeneres.”

Ellen DeGeneres sempre quis que fosse assim. “Eu queria ter dinheiro, queria ser especial, queria que as pessoas gostassem de mim, queria ser famosa”, confessou à revista W Magazine, em 2007.

Quando era criança, o caminho para a fama parecia distante. A futura figura televisiva nasceu em Metairie, Louisiana, numa família cristã, filha de um pai que “tinha medo de tudo”, contou Ellen a Michelle Obama, numa entrevista em podcast divulgada em 2023. “Eu não queria ser essa pessoa.”

Ellen DeGeneres contou a David Letterman, em 2018, que tinha sido abusada sexualmente pelo então marido da sua mãe, que agora está morto, quando tinha 15 ou 16 anos. Aos 20 anos, a sua namorada morreu num acidente de carro, contou no podcast de Dax Shepard, também em 2018.

Mas Ellen encontrou um escape: a comédia. No circuito de Los Angeles e, depois, na televisão, incluindo uma participação decisiva para a sua carreira no programa “The Tonight Show Starring Johnny Carson”, DeGeneres mostrou os primeiros sinais de um charme natural que acabaria por lhe render uma sitcom. O programa, “These Friends of Mine”, foi rapidamente renomeado para “Ellen”, depois de se ter tornado a personagem principal.

“Ela conseguia literalmente transformar qualquer coisa em brilhantismo cômico”, descreve Gil Junger, um dos diretores do programa.

“Eu costumava sair com Robin Williams naquela época, e havia uma familiaridade entre os dois”, recorda Junger. “A capacidade da Ellen de improvisar na hora e inventar coisas realmente engraçadas era extraordinária de se ver.”

A primeira série de comédia de Ellen DeGeneres foi reformulada e renomeada como "Ellen" após uma temporada. Bob Riha Jr/Archive Photos/Getty Images

Mas Ellen era obstinada em relação à sua trajetória profissional – e sua ascensão teve um lado cruel, segundo algumas das pessoas que trabalharam na série de comédia.

“Ela pode ser bastante cruel”, admite Junger à CNN. “Ela despedia pessoas com bastante frequência, atores do programa — se eles não estivessem a dar conta do recado, se não fossem ótimos, ‘Boom, livrem-se deles’. Ela também era exigente com os guiões — se o guião não estivesse bom, ela dizia não, e eles tinham de reescrever o guião inteiro.”

“Ela era exigente, mas cumpria o que prometia”, complementa Gil Junger.

Para alguns, a experiência tornou-se insuportável. “Não era divertido trabalhar com ela”, afirma Holly Fulger, membro do elenco original do programa, em declarações à CNN. “Já trabalhei com algumas estrelas realmente famosas, mas ninguém era assim. Foi um período incrivelmente difícil para mim, estar naquele programa – fez-me querer desistir de atuar.”

Holly Fulger sentiu que o foco do programa estava a passar de um grupo de amigos para uma estrela em ascensão. Holly conta à CNN que os produtores lhe pediram para pintar o cabelo depois de Ellen DeGeneres comentar que tinha sido confundida com Fulger num aeroporto. Segundo Holly, as piadas que arrancavam muitas risadas eram cortadas se não destacassem Ellen. Fulger conta que, a certa altura, DeGeneres pediu aos restantes elementos do elenco para dizerem à Disney, dona do programa, que estavam insatisfeitos com os guiões.

“Foi como observar um ego”, descreve Fulger. “A Ellen queria o seu próprio programa, queria aparecer em todos os episódios.” Um representante de Ellen DeGeneres recusou-se a comentar quando contactado pela CNN.

A ascensão na carreira de Ellen DeGeneres irritou Holly Fulger, que foi dispensada da série, juntamente com a colega Maggie Wheeler, quando o elenco foi refomulado após o primeiro ano no ar. Atualmente, Fulger dirige uma organização sem fins lucrativos em Cleveland.

“Isto é capaz de abalar o teu mundo. Tu cresces e pensas: as pessoas são boas... como é que alguém tão horrível pode ser tão famosa por ser tão simpática?”

Mas, à medida que descreve a “ambição pura e direta” de Ellen DeGeneres, Fulger acrescenta: “Quando pensas sobre isso, será isso mau? Foi assim que ela ficou tão famosa e, num mundo como Hollywood, acho que tens mesmo de ser assim.”

Holly Fulger (à esquerda) e DeGeneres num episódio de 1994 da série de comédia que lançou a carreira de DeGeneres. "Não era divertido trabalhar com ela", admite Fulger à CNN. Arquivos fotográficos da ABC/Disney General Entertainment/Getty Images

A fama de Ellen DeGeneres disparou, mas uma colisão estava a caminho. O panorama cultural da década de 1990 tinha poucas figuras LGBTQ+ proeminentes, e a estrela da série mantinha uma parte de si mesma escondida do público.

Esse cenário mudou com um perfil histórico da revista Time publicado em 1997, cuja capa apresentava uma Ellen sorridente e a inscrição “Sim, sou gay” na primeira página.

O episódio seguinte do seu programa na ABC — no qual a sua personagem também se assume — foi monumental. “Eu sabia que era algo incrivelmente importante no momento em que estávamos a gravar”, admite Junger.

O episódio recebeu muitos elogios. A Aliança Gay e Lésbica Contra a Difamação (GLAAD, na sigla em inglês) declarou na altura que Ellen DeGeneres tinha “causado um impacto profundo e notável na nossa sociedade”.

“Deve ter sido um fardo extremamente difícil de suportar”, afirmou o presidente Barack Obama quase duas décadas depois, ao conceder a Ellen a Medalha Presidencial da Liberdade. “Arriscar a sua carreira dessa forma. As pessoas não fazem isso com frequência.”

Mas grande parte da ala socialmente conservadora dos Estados Unidos não estava preparada.

Gil Junger recorda que as pessoas deixavam mensagens ameaçadoras na porta da casa de Ellen à noite, como: “É melhor nunca se aproximar das minhas filhas. És nojenta.”

“Não faço ideia de como conseguiram o meu número, mas algumas pessoas ligaram-me e gritaram que eu iria para o inferno”, acrescenta.

E assim que os elogios iniciais se dissiparam, o mesmo aconteceu com o interesse da indústria por uma estrela feminina assumidamente gay. “A reclamação da ABC foi que era ‘muito gay’”, lembra Junger. “Havia muitas histórias gays.”

A emissora nunca citou a revelação da personagem como motivo para o cancelamento do programa, mas, de acordo com o Guardian, o presidente da estação televisiva, Stuart Bloomberg, disse na altura que, “à medida que o programa se tornava mais politizado e voltado para questões sociais, tornava-se menos engraçado”. A CNN entrou em contato com a ABC para comentar o assunto.

“Isso magoou-me – eu estava a ser alvo de piadas em todos os programas noturnos”, confessou Ellen a Shepard num episódio do podcast, em 2018. “Eu estava realmente deprimida.”

A emissora colocou um “aviso parental” antes da exibição dos episódios que se seguiram, e o primeiro programa marcante de Ellen - um projeto conturbado, mas histórico - foi cancelado no ano seguinte.

Durante alguns anos, parecia que Ellen DeGeneres iria transformar-se numa nota de rodapé culturalmente significativa na história do entretenimento. A sua segunda tentativa numa série de comédia, “The Ellen Show”, teve vida curta, com apenas 13 episódios antes de ser cancelada em 2002.

Mas Ellen nunca parou de procurar o seu próximo projeto.

“Quando estávamos a fechar os escritórios, enviei alguns materiais que tinha escrito para a Ellen”, recorda Jeff Bye, um antigo guionista de comédia, que se cruzou com a atriz nove anos antes, em frente a uma loja em Laurel Canyon e que lhe apresentou alguns materiais. 

Dias depois, Ellen deixou-lhe uma mensagem: o seu material era bom. Ela queria usar parte dele no seu próximo livro e pagar-lhe por isso. E estava a preparar-se para apresentar um talk show diurno. Será que ele gostaria de se juntar à equipa de guionistas?

O talk show que se seguiu – “The Ellen DeGeneres Show” – estreou-se em 2003. Foi o terceiro projeto televisivo emblemático com o nome de Ellen, e o que teve mais sucesso. Durante duas décadas, tornou-se um programa diurno reconfortante para dezenas de milhões de norte-mericanos. Rostos famosos dançavam ao lado de Ellen ou pregavam partidas no estúdio da Warner Bros., sob aplausos estrondosos.

Mas Jeff Bye acabou por se sentir desiludido – nunca lhe ofereceram um emprego no programa. “Quando finalmente consegui falar com a Ellen ao telefone, ela explicou que essas decisões cabiam aos produtores e não a ela. Eu pensei: ‘Bem, o nome do programa é ‘Ellen’. Então, seria de se esperar que ela pudesse fazer alguma coisa."

Taylor Swift recebe Ellen no palco durante a sua digressão mundial '1989' no Staples Center, em Los Angeles, em 2015. Christopher Polk/TAS/Getty Images

A ascensão das redes sociais acabou por facilitar a queda de Ellen DeGeneres. Inicialmente, porém, foram essas plataformas que deram ao programa outra via direta para as casas das pessoas, e os momentos feitos para o YouTube tornaram-se o seu cartão de visita.

“Nos primeiros cinco anos, ela era extremamente prática”, começa por dizer à CNN um funcionário de longa data da equipa. Mas, assim que o programa encontrou o seu ritmo, Ellen afastou-se, dedicando o seu tempo a outros projetos. Ellen apresentou duas vezes os Óscares, sendo a mais memorável em 2014, quando uma selfie que tirou ao lado de Brad Pitt, Bradley Cooper, Angelina Jolie, Jennifer Lawrence e outras estrelas foi partilhada mais de dois milhões de vezes e se tornou uma cápsula do tempo cultural.

No entanto, afastar-se de um trabalho exigente era um luxo que não estava ao alcance do resto da equipa.

“Naquela época, eu estava um pouco mais influenciado: não conseguia admitir que era tóxico”, admite à CNN um funcionário que continuou a trabalhar com Ellen noutros projetos subsequentes. “Agora posso olhar para trás e dizer que, sim, provavelmente era um pouco tóxico.”

Os funcionários foram informados de que as suas consultas médicas deveriam ser adiadas para dias que não coincidissem com a gravação do programa, e recebiam computadores portáteis se estivessem muito doentes para ir trabalhar. Essas exigências foram estabelecidas pelos produtores e administradores, e era improvável que Ellen DeGeneres soubesse delas, assume um funcionário.

A famosa selfie de Ellen DeGeneres em 2014, capturada enquanto apresentava os Óscares, tornou-se uma cápsula do tempo. Na imagem aparecem Jared Leto, Jennifer Lawrence, Channing Tatum, Meryl Streep, Julia Roberts, Kevin Spacey, Brad Pitt, Lupita Nyong'o, Angelina Jolie, Peter Nyong'o Jr. e Bradley Cooper. Ellen DeGeneres/Twitter/Getty Images

Um representante de DeGeneres recusou-se a comentar. Num comunicado divulgado na altura, a da WarnerMedia explicou que a Warner Bros levava “muito a sério as alegações sobre a cultura do local de trabalho do programa”. A empresa garantiu que fez mudanças para garantir “um local de trabalho assente no respeito e na inclusão”.

“Mais para o fim do programa, ela estava incrivelmente rica”, disse à CNN um antigo membro sénior da sua equipa. “E acho que é difícil encontrar pessoas em quem confiar e que deem bons conselhos.”

Talvez seja por isso que Ellen disse que nunca soube o que se passava nos bastidores de um programa que levava o seu rosto e nome, e a razão pela qual muitos acreditam que a apresentadora nunca assumiu totalmente a responsabilidade pelo escândalo.

“Entras nesta bolha, onde as pessoas não te dizem necessariamente o que precisas de ouvir”, começa por explicar um membro da equipa. “Gostaria que alguém tivesse sido capaz de lhe dizer o que ela precisava de ouvir. Mas acho que essa pessoa não existe.”

Três dos principais produtores do ‘The Ellen DeGeneres Show’ “ separaram-se” do programa em agosto de 2020, após a divulgação de reportagens desfavoráveis e uma investigação interna da Warner Bros. Television. (A CNN e a Warner Bros. Television pertencem à mesma empresa controladora, a Warner Bros. Discovery.)

A saga fez de Ellen DeGeneres uma das primeiras vítimas do escárnio público durante as primeiras semanas da pandemia da covid-19. As celebridades não são conhecidas por atacarem os seus pares, e algumas correram em sua defesa, enquanto outras mantiveram-se em silêncio.

Mas aqueles que acompanharam a ascensão de Ellen ficaram chocados com a rapidez da sua queda. “Foi tão forte e rápido”, descreve Gil Junger sobre a reação negativa que destruiu a sua carreira no mesmo momento em que uma pandemia parou o mundo. Foi um “momento horrível”, uma “tempestade perfeita” que proporcionou um alvo público para as frustrações das pessoas, quando a diferença entre os ricos e todos os outros parecia especialmente gritante.

Ou talvez tenha sido justiça: um caso raro em que um desequilíbrio de poder se voltou contra o seu arquiteto.

“É verdade que expôs ambientes de trabalho tóxicos”, assinala à CNN a sua ex-colega de elenco, Holly Fulger. “Quando alguém tão famoso mostra esse tipo de ego, há uma tendência para proteger essa pessoa.” As pessoas tinham “medo” desafiar Ellen DeGeneres, assume Fulger — até que, de repente, deixarem de ter.

Há cinco anos, quando a indignação pintou todas as controvérsias de preto e branco, uma manchete apelidou Ellen DeGeneres como “uma das maiores vilãs de 2020”. Mas talvez a verdade tivesse mais nuances. Talvez ela fosse uma vilã e uma heroína — uma agressora e uma vítima — tudo ao mesmo tempo.

Anos depois, muitos dos funcionários do programa continuam a defender ferozmente Ellen DeGeneres, descrevendo-a como uma pessoa motivada e desafiadora, mas justa. O ambiente de trabalho no seu programa tornou-se frenético e pressionado em seu nome, mas não por sua orientação, garantem.

“Eu sinto-me mal porque, no final das contas, ela é humana e acredito sinceramente que queria fazer o bem neste mundo”, admite um ex-funcionário, que descreveu o ambiente de trabalho do programa como tóxico. “O mundo é tão cruel.”

“Mas ela está a chorar numa mansão”, notam outros ex-funcionários.

Ellen DeGeneres pediu desculpas em direto ao público e aos funcionários durante uma videochamada no Zoom. Uma fonte disse na altura que Ellen disse aos funcionários as seguintes palavras: “Ouvi dizer que algumas pessoas sentiram que eu não fui gentil ou fui muito brusca com elas, ou muito impaciente. Peço desculpas a todos se magoei os vossos sentimentos de alguma forma.”

O programa terminou em 2022.

Ou, como DeGeneres disse, sem ironia, no seu especial de comédia da Netflix em 2024: “Fui expulsa do mundo do espetáculo.”

Antigos funcionários do programa que falaram com a CNN acreditam que a apresentadora foi sincera quando disse ter ficado chocada, tal como o resto do país, ao saber do ambiente de trabalho no ‘The Ellen DeGeneres Show’. Ellen pediu desculpas ao vivo em setembro de 2020 pelo escândalo, dizendo aos telespectadores: “Sei que estou numa posição de privilégio e poder, e percebo que isso acarreta responsabilidade. E assumo a responsabilidade pelo que acontece no meu programa.”

Mas os seus comentários posteriores tiveram um tom diferente. “Parecia que eu era a chefe. O programa chamava-se ‘Ellen’ e todos usavam camisas com a palavra ‘Ellen’, e havia prédios por toda a área da Warner Brothers com a palavra ‘Ellen’. Mas não acho que isso queira dizer que eu estava no comando”, declarou a comediante, no seu especial de stand-up de 2024. “Não acho que Ronald McDonald seja o CEO do McDonald's.”

“Acho que ela perdeu a oportunidade de assumir a responsabilidade e pedir desculpas”, assume um ex-funcionário sénior da equipa de Ellen, em declarações à CNN. “Sempre esperei que houvesse um pedido de desculpas maior. Quando chegamos ao segundo especial de comédia da Netflix, e foi mais do mesmo, com a mesma falta de consciência e responsabilidade... achei essa parte uma desilusão.”

Ellen DeGeneres começou a dizer ao público a sua frase de referência - “Sejam gentis uns com os outros” - após a morte por suicídio, em 2010, de Tyler Clementi, um estudante de 18 anos da Rutgers que tinha sido exposto como gay. Mas, uma década depois, quando o escândalo eclodiu, esse mote não foi suficiente para parar as críticas.

“Aqui está o lado negativo”, gracejou Ellen, num especial de stand-up em 2018, durante o qual parecia estar a lutar contra o paradoxo que ela própria criou: “Nunca mais posso fazer nada de mal, nunca mais. Nunca mais.”

E, quando o tribunal da opinião online atingiu o seu auge, Ellen recebeu a sentença mais grave possível: foi cancelada, pelo menos aos olhos de muitos dos seus espectadores de longa data, incapaz de se livrar da acusação de que a sua personalidade alegre era uma fachada. “Não se pode ser maldoso e estar no mundo do espetáculo”, comentou, no seu especial da Netflix no ano passado.

O veredito foi doloroso para alguém que há muito tempo lutava para ser amada pelo público. “Passei a vida inteira a tentar fazer as pessoas felizes e importei-me demasiado com o que os outros pensavam de mim”, lamentou a apresentadora. 

A vida de Ellen DeGeneres é agora muito diferente. Em vez de aplausos, as suas tardes são acompanhadas pelo som de tratores, ovelhas e o famoso clima instável da Grã-Bretanha. O relógio da aldeia vizinha avariou várias vezes nos últimos anos, demorando semanas a ser reparado. Depois do ritmo alucinante de apresentar um programa de entrevistas diário, o tempo pode já estar a passar demasiado devagar para Ellen.

“Quero fazer alguma coisa”, confidenciou num evento em julho passado, admitindo que pondera um regresso à vida pública. “Gosto das minhas galinhas, mas estou um pouco entediada.”

De qualquer forma, os ventos fora da imponente mansão de Ellen DeGeneres podem estar a mudar. O panorama mudou, e um cheiro envelhecido de toxicidade pode não ser suficiente para condenar uma celebridade ao cancelamento em 2025. Um regresso bem-sucedido de Ellen poderia provar um ponto sobre o fim da cultura do cancelamento e redefinir um legado complicado para uma das figuras mais proeminentes e controversas da televisão americana.

Mas, em última análise, o veredito sobre a sua carreira não será dela.

“Estando neste ramo, tive de me preocupar com o que as pessoas pensam”, comentou, durante o seu especial na Netflix. “É a nossa única moeda real para o sucesso. Se gostam de ti, estás dentro. E se não gostam, estás fora... Quando és uma figura pública, estás aberto à interpretação de todos.”

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