Sistema elétrico ficou dependente de Espanha desde o encerramento das centrais termoelétricas de Sines e do Pego
A economia portuguesa tem uma nova dependência do exterior: precisa de Espanha para evitar perigosos apagões no sistema elétrico. Apesar de ter sido um ano de chuva abundante - excelente para a produção hídrica nas barragens - 2023 foi o segundo pior ano de sempre na balança comercial da eletricidade: 909 milhões de euros de importações líquidas. Nos últimos três anos, a compra e venda de eletricidade a Espanha registou um saldo negativo de 3.279 milhões de euros, o equivalente aos fundos injetados pelo Estado para salvar as contas da TAP.
O encerramento das centrais a carvão do Pego e de Sines, em 2020 e 2021, é a principal explicação para o descontrolo das importações. “Essas centrais representavam no seu conjunto quase dois gigawatts (GW) de potência, era uma potência muito grande”, afirma João Bernardo, ex-diretor-geral de Energia e Geologia. “Para substituir essa potência, precisaríamos de sete GW de potência solar”, calcula o atual presidente do Conselho de Administração do Centro de Biomassa para a Energia.
Então, um gigawatt não é sempre a mesma coisa? Na abstração aritmética, sim; na realidade, claro que não. As fontes de eletricidade intermitentes, como a eólica e a solar, não conseguem substituir plenamente as autênticas “fábricas” de eletricidade, com laboração controlada pelo homem, que são as centrais termoelétricas, a carvão ou gás natural. “Se continuarmos a apostar em energias intermitentes, vamos ter que ter muito mais potência do que aquilo que necessitamos”, conclui João Bernardo.
As centrais eólicas e fotovoltaicas “não nos oferecem aquilo que necessitamos, muitas vezes não coincidem com as nossas horas de consumo”. Para contrariar esta realidade, são necessários mais investimentos, em baterias ou barragens com bombagem de água para ser novamente turbinada às horas de ponta. “Temos de estar sempre a armazenar, ou instalar a mais. Quando não temos, importamos”, resume o ex-diretor-geral de Energia, que ocupou o cargo entre 2018 e 2023.
Eólicas no oceano seriam "o desastre completo"
Acontece que são os consumidores a suportar os investimentos no sistema elétrico, através dos subsídios políticos incluídos nas faturas mensais de eletricidade. Em junho, a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) decretou um aumento dessa componente das contas mensais de famílias e empresas para compensar “o peso que assume o custo com a eletricidade adquirida a produtores com remuneração garantida - renováveis e cogeração”. Nas contas da Deco, esse aumento sujeitou 5,5 milhões de portugueses a um aumento de 13% na despesa mensal.
Em 2023, os subsídios políticos incluídos nas faturas atingiram 1.840 milhões de euros. A fatia de leão foi para pagar 1.236 milhões (67%) às centrais eólicas que têm o direito, estabelecido por contrato, de vender à rede toda a energia que produzam, mesmo que não faça falta nenhuma à sociedade; por um valor garantido, no mesmo contrato, muito acima do mercado.
O sistema elétrico português conserva 24 GW de potência instalada. Essa potência multiplica por cinco o que o mercado português absorve às horas vazio (4,5 GW); e continua a ser mais do dobro dos picos de consumo registados às horas de ponta (9,2 GW). Seria mais do que suficiente, se Portugal não tivesse rompido o equilíbrio entre fontes de energia firme, controladas pelo homem, e fontes dependentes dos humores da natureza. “Apesar dessa brutal sobrecapacidade, estamos a importar eletricidade como nunca”, protesta Clemente Pedro Nunes, professor de Energia jubilado do Instituto Superior Técnico.
O Governo vai agora decidir se os consumidores serão sobrecarregados com novos subsídios políticos a centrais elétricas renováveis intermitentes. “Espero que as eólicas no oceano não avancem, porque isso seria o desastre completo. Qualquer tarifa política hoje dada para potências eólicas ou solares é um completo disparate, porque às horas em que há muito vento e muito sol o país já não precisa de eletricidade”, declara este especialista.