Preços da eletricidade podem mesmo disparar 40%? Especialistas falam de alarmismos, mas não descartam subidas

2 ago 2022, 07:00

Fatura da eletricidade vai subir. Mas os especialistas que sobre isso não têm dúvidas descartam uma escalada no preço semelhante à anunciada pelo presidente da Endesa

O anúncio feito pelo presidente da Endesa Portugal da possibilidade de um aumento de cerca de 40% “ou mais” nas faturas de consumo de eletricidade, para compensar o travão ibérico do gás, deixou muitos portugueses em estado de alarme e o governo em estado de irritação. É tal aumento afinal plausível?

“Depende a quem se refere: para o consumidor doméstico não é um valor razoável; para o industrial poderá ser”, afirma Pedro Braz Teixeira, economista da Nova SBE e diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade. De qualquer modo, apressa-se a dizer, até para o consumidor final a “fatura ficará mais pesada”. “Só não consigo dizer um número, mas, de facto, esses 40% parecem, a priori, alarmistas, porque não parece que isso vá acontecer no curto prazo. Mas que há condições para subir o preço da eletricidade, numa escala menor, há”.

Maria João Benquerença, especialista em engenharia física e diretora de Comunidades de Energia da Cleanwatts, espera que o cenário apresentado pelo presidente da Endesa Portugal, Nuno Ribeiro da Silva, “seja só um pouco de alarmismo”.

“Tenho dificuldade em acreditar que seja 40% e já”, diz, embora reconheça que é inevitável uma subida de preços face ao cenário atual, mesmo que as famílias não estejam ainda a sentir, pois “o governo está a conter o problema ou a tentar minimizar o impacto nas famílias. Mas essa minimização tem um limite no tempo” e as empresas já o estão a sentir. “Algumas já receberam faturas com aumentos de 40%, 50%, 60% ou mais”, assevera.

Ao contrário da Endesa, a EDP para já descartou aumentos, enquanto a Galp diz que “o valor das atualizações será inferior àquele que resultaria de um contexto puro de mercado, sem ajustamento”.

"Alguém vai ter de pagar"

Para Pedro Silva, analista de mercado de Energia e Sustentabilidade, “essa percentagem [40%] é muito difícil apurar” uma vez que, mesmo sendo o gás natural a principal fonte de produção de eletricidade, há outras a ter em conta, como a [energia] eólica, a hídrica e a solar, por exemplo". Mas esclarece que, independentemente do grau de aumento que possa vir a acontecer, “quem beneficia deste travão ibérico vai pagar o valor remanescente entre 50 euros por megawatt-hora para produção elétrica e o valor de mercado, que à data do diploma era de 100 euros e agora é de 200 euros. Ou seja, há 150 euros que alguém vai ter mesmo de pagar”. 

“É preciso que seja esclarecido que alguém vai ter de pagar e a nossa expectativa é que não sejam os consumidores, é necessário transparência”, atira o analista, frisando que “os clientes não são todos iguais” e que “os consumidores não podem subsidiar as indústrias”, que serão as principais lesadas.

A Entidade Reguladora dos Serviços de Energia (ERSE) remeteu a sua resposta para um comunicado no qual explica que “o preço do gás natural no mercado ibérico de gás apresenta valores muito superiores, acima de 120 euros por MWh” e que o “diferencial de preço” para o imposto no mecanismo ibérico, que é de 48,75€ por megawatt-hora, “é suportado pelos consumidores que beneficiam deste mecanismo, ou seja, consumidores que têm ofertas comerciais com indexação ao mercado diário e novas contratações”. Ou seja, maioritariamente empresas.

“Os comercializadores, na quantidade de energia aprovisionada através de contratação a prazo ou intra grupo, com preços firmes, estão isentos do pagamento do custo do mecanismo. Nesse sentido, os seus clientes com ofertas comerciais de preço firme, e como tal não beneficiando do presente mecanismo, não poderão ser onerados por um custo relativamente ao qual o comercializador não incorreu”, lê-se no comunicado.

A Associação Portuguesa da Energia, contactada pela CNN Portugal, não quis fazer comentários.

Famílias não estão imunes a aumentos

A subida do preço da eletricidade à boleia do custo do gás é uma realidade e poderá agravar-se. “O que está a acontecer ao preço do gás natural é que em julho 2019 o preço era 11 euros por megawatt-hora, em março do ano passado estava nos 17,5 euros. Há exatamente um ano, estava a 36 euros e em fevereiro deste ano, antes da guerra, estava a 82 euros. Na semana passada estava a 200 euros por megawatt-hora. Os preços do gás multiplicaram mais de dez, enquanto os do petróleo subiram para o dobro”, explica Pedro Braz Teixeira.

Mas ao contrário do que o presidente da Endesa afirmou, o economista da NOVA SBE garante que, mesmo perante este cenário, “os preços não vão subir 40% no dia 1 de agosto, mas há o risco de aumentarem” a curto prazo.

Portugal, esclarece, apresenta três problemas que fazem “aumentar imenso o consumo de gás para produção de eletricidade”, numa altura em que deveriam ser priorizadas alternativas face à conjuntura atual. O economista refere-se à seca, à ausência de carvão e aos cortes na compra de gás da Rússia, que embora não afetem diretamente Portugal podem fazer com que o "nosso" gás seja cobiçado por outros países mais necessitados, como a Alemanha.

“O que acontece em Portugal é que acabámos com a utilização do carvão. Não só deixamos de consumir carvão para produção de eletricidade, como deitámos abaixo a capacidade de usar numa urgência, o que é o cúmulo do disparate. Além disso, estamos em seca severa, a produção hidroelétrica está nos mínimos. Depois, há cortes no gás russo, Portugal não precisa, mas pode haver desvios [de gás]”, esclarece Pedro Braz Teixeira, alertando para o facto de o gás ser, neste momento, “a grande fonte de produção de energia elétrica. Com estes três fatores temos uma combinação explosiva”.

“Esta limitação ibérica do gás natural tem um impacto muito limitado nos preços, pois o Conselho Europeu aceitou essa limitação e proibiu qualquer défice de tarifário”, explica o economista, acrescentando que, no caso dos consumidores domésticos, como estes nem sempre “beneficiam diretamente dos limites ibéricos, não têm de pagar a fatura dos limites”. Mas adverte: uma mudança de contrato poderá mudar as regras do jogo.

Nas mais de cinco milhões de famílias que estão no mercado livre, e que têm contratos a terminar agora ou nos próximos meses, pode mesmo haver aumentos na fatura da eletricidade. Sobre este ponto, Luís Pisco, jurista da Deco, apela a que todos estejam “atentos” no sentido de “mudar de operador caso seja necessário e caso se venha a verificar o aumento brutal” numa empresa e não noutra.

“Como os consumidores domésticos estão, na generalidade, no mercado livre, podem mudar de operador. Se a Endesa diz que vai subir 40%, a pessoa escolhe outro operador. A pessoa tem a hipótese de escolher e proteger-se da subida”, diz Pedro Braz Teixeira.

Já o analista Pedro Silva pede transparência ao governo, que, pela voz do secretário de Estado da Energia, João Galamba, disse que este é um mercado “competitivo” e com “oferta”.

“Tanto o governo como a ERSE falam em contratos após 26 de fevereiro, mas precisamos de saber que contratos são estes: se é de uma pessoa que trocou do comercializador A para o B e se nestes casos estes consumidores estão abrangidos. Se estão, há falta de transparência no processo”. 

No caso da indústria, o impacto é mais notório e imediato. Há empresas do setor têxtil que já pagam dez vezes mais pela energia e muitas delas podem mesmo vir a parar a atividade.

“Na indústria podemos esperar dificuldades. Um dos planos é pedir às indústrias para suspenderem voluntariamente a produção para que haja gás para coisas mais banais, digamos assim. As mais intensivas em gás vão passar um mau bocado, até já estão a passar. Com este aumento do preço algumas delas até mesmo voluntariamente suspendem a produção por não serem competitivas. Quem aguenta os preços de uma matéria prima essencial que subiu dez vezes?”, questiona Pedro Braz Teixeira.

“Não vamos conseguir produzir gás natural e não vamos conseguir ter controlo no seu preço, somos um pequeno consumidor a nível do planeta. Por isso, o melhor é tentar resolver a nossa vida por outras vias”, sugere Maria João Benquerença.

A engenheira física diz que “o caminho tem de passar por sermos mais independentes, gastar o mínimo de megawatts-hora da rede, produzirmos a nossa própria energia” sobretudo através do fotovoltaico, “a forma mais direta e rápida para começar a conter esta escalada de custo”.

Para o economista Pedro Braz Teixeira esse seria o cenário ideal, mas orçamentos familiares ou empresariais nem sempre permitem pensar além do gás natural para a produção de eletricidade, mas o certo é que tanto o consumidor final como o empresarial precisam de soluções.

O que farão as outras empresas de energia?

O presidente da Endesa Portugal disse, em entrevista ao Jornal de Negócios e Antena 1, que o aumento se deve ao défice tarifário provocado pelo mecanismo ibérico, que supostamente serviria para diminuir a fatura a pagar pelas famílias. No mesmo dia, o Ministério do Ambiente e Ação Climática (MAAC) considerou estas declarações alarmistas.

“O MAAC rejeita estas declarações alarmistas do Presidente da Endesa e não vê qualquer justificação no aumento de preços que foi comunicado. O mercado livre tem outros comercializadores e os consumidores poderão sempre procurar melhores preços. Os consumidores poderão também aderir à tarifa regulada que foi reduzida em 2,6 no segundo semestre deste ano”, acrescentou o comunicado do Ministério. A CNN Portugal tentou obter uma reação por parte da Endesa aos comentários feitos pelo governo, sem sucesso.

Apesar da discórdia entre a Endesa e o Governo, a EDP já veio afirmar que “não prevê fazer mais alterações até ao final do ano no preço da eletricidade, salvo se houver situações excepcionais no decorrer dos próximos meses”. Numa declaração por escrito, a empresa diz que “a atualização do preço da eletricidade da EDP Comercial para os clientes residenciais já entrou em vigor a 1 de julho e representou uma descida média de 2,9%” e que, a acontecer uma subida, “as tarifas serão atualizadas pela empresa face às condições de mercado”. 

À CNN Portugal, a Galp diz que “está a avaliar o impacto das regras decorrentes da aplicação do mecanismo de ajustamento nos diversos cenários de evolução dos custos do gás natural e do valor do ajustamento imputado à Galp pelo Gestor de Mercado”. Uma decisão que “será tomada no curto prazo, antecipando-se que, em regra, o valor das atualizações será inferior àquele que resultaria de um contexto puro de mercado, sem ajustamento”.

Quando questionado se o mercado elétrico poderá andar a dois ritmos, o economista Pedro Braz Teixeira é taxativo: não. “Quando chegar a hora da verdade, a Endesa não vai ver os concorrentes a subir 0% e eles 40%, rapidamente perderia os clientes todos. A Endesa está a lançar avisos à navegação para uma possibilidade” que é subida dos preços da eletricidade.

A entidade que regulada a energia garante que vai estar “atenta a esta situação e não hesitará em atuar, em caso de incumprimento nesta matéria, por parte dos comercializadores”.

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