"Vamos divertir-nos um bocadinho". A energia nuclear animou o debate e Costa discutiu até com Rui Tavares

20 jan 2022, 12:02

Secretário-geral do PS disse que eventuais acordos são sempre mais fáceis à esquerda, deixou recados a CDU e Bloco de Esquerda, mas foi com Rui Tavares que o debate subiu de tom

Foi preciso chegar ao programa do Livre para animar o debate e dar alguma substância à última discussão antes das eleições legislativas de 30 de janeiro. Apesar de ser o partido presente com menor votação em 2019, o Livre será uma das hipóteses para António Costa governar com maioria relativa e até já propôs uma ecogeringonça. Com a ausência de Rui Rio e André Ventura, a direita acabou por ver o debate guinar à esquerda.

A ideia de uma convergência à esquerda que o Livre defende nem surge de agora, mas o partido pretende a criação de uma ecogerigonça - com PS, Livre, PAN e Verdes. Aí, exige que a coligação fique em papel escrito: "Um acordo assinado é um Governo escrutinado".

Para o candidato do Livre, "só uma maioria ampla à esquerda" poderá defender a "pluralidade parlamentar", defendendo ainda que "um voto na extrema-direita nunca é uma solução". Mas, para a criação dessa maioria, Rui Tavares defende a inclusão prioritária do Ambiente, um ponto que marcou uma "linha vermelha inultrapassável" definida por António Costa, que traçava então os diferentes pontos em que divergia dos partidos à esquerda.

"No programa do Livre encara-se com grande abertura a possibilidade de estudar o recurso à energia nuclear como uma solução para a transição energética", afirmou o secretário-geral do PS, que até admite "vários pontos de convergência" com o Livre.

Foi o primeiro ponto em que houve um verdadeiro "bate-boca": "Eu tenho aqui o texto para ler", disse António Costa, que ouviu Rui Tavares responder com um "vamos divertir-nos um bocadinho".

Para o Livre, que acusa António Costa de ter as "fichas mal-preparadas", a construção de centrais nucleares em Portugal é uma não questão: "São caras, são perigosas, e as tecnologias existentes não fazem sentido no mix de energias que precisamos para combater as alterações climáticas". Rui Tavares explica que o que o partido propõe é o seguimento da fusão nuclear, que poderá vir a ser segura dentro de 10 anos.

"Eu não percebo qual é que é a linha vermelha de António Costa em relação ao seguir atentamente novas tecnologias", vincou Rui Tavares, que deu uma novidade ao primeiro-ministro: "A linha vermelha dele é, desde logo, com o seu próprio Governo, porque, se é contra participar na investigação nuclear tem de demitir o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, porque Portugal participa nas investigações europeias".

Menos tensa foi a discussão entre PS e PAN, com o secretário-geral socialista a lembrar por várias vezes que o partido de Inês de Sousa Real votou favoravelmente ao Orçamento de Estado para 2022.

Mas, depois de António Costa ter piscado o olho a Inês de Sousa Real, ao lembrar o período em que foi autarca da Câmara de Lisboa, quando governou em maioria e a agora líder do PAN foi provedora dos animais, a porta-voz do PAN defendeu que a  "maioria absoluta não é desejada pelos portugueses". Foi um primeiro ponto de discórdia, que evoluiu para uma maior.

Sobre a questão da energia nuclear, Inês de Sousa Real diz que a "ecogerigonça" de Rui Tavares corre o risco de começar "coxa". A porta-voz do PAN quer uma transição energética à base de energias verdadeiramente limpas, como as renováveis.

Foi aqui que surgiu uma das maiores críticas do PAN ao PS, com a questão da central nuclear de Almaraz a vir ao de cima. Considera Inês de Sousa Real que o governo de António Costa tem de tomar uma posição sobre uma infraestrutura que pode prejudicar o país.

O tema evoluiu depois para a necessidade da preparação do território para enfrentar fenómenos como secas ou outros, causados pelas alterações climáticas: "O país e o mundo precisam de reformas estruturais".

CDU desafia Costa e não acredita na apresentação do mesmo orçamento

Com acordo em 2015 e sem acordo em 2019, a CDU diz que novo entendimento escrito com o PS "é uma ilusão, porque muitas das questões tratadas foram além do papel passado". João Oliveira insiste na tese que tem sido defendida pelos partidos à esquerda, de que António Costa quis ir a eleições. Agora, o partido vê duas soluções: "ou tem maioria absoluta, ou tem governação peça a peça e entendimentos com o PSD".

Este foi o mote dado para um passo mais à frente, com João Oliveira a dizer veementemente que "não acredita" que o PS vá apresentar a mesma proposta de Orçamento do Estado para 2022 - como tem prometido António Costa -, o mesmo documento que foi chumbado e que levou à queda do Governo.

"O PS não vai apresentar a mesma proposta de Orçamento do Estado. Aquela proposta foi apresentada para ter um determinado objetivo, e nem o PS apresentará a mesma proposta de Orçamento", afirmou, voltando à ideia de que os socialistas provocaram as eleições, ao mesmo tempo que deixa claro que os comunistas vão voltar a votar contra caso seja aquela a proposta apresentada.

João Oliveira lançou assim o repto, perguntando muito diretamente: "O PS recusa a convergência com a CDU que afaste a direita do poder e dê resposta aos problemas do país?"

Em resposta, António Costa disse "respeitar muito" João Oliveira, mas considerou que "não podia estar ali a querer convencer" que "o único partido que votou a favor do Orçamento" foi o que conduziu à crise política.

"Eu nunca andei a pedir maiorias absolutas. A experiência demonstrou que a geringonça funcionou bem quatro anos, mas quero recordar que, já em 2020 o Bloco de Esquerda estava fora da solução de governo, tendo votado contra e o orçamento foi viabilizado com o PCP", defendeu.

Mas, perante o cenário de maioria absoluta, Costa assumiu que não deixará a esquerda de parte. "O diálogo é sempre possível com todos, mas há limites. Com maioria, o diálogo é possível com todos e mais facilmente com a esquerda".

Menos aguçada, Catarina Martins diz que o PS "se aliou à direita" para chumbar medidas laborais, a mesma direita em que o PS "encontrou conforto" para injetar dinheiro no Novo Banco. O Bloco de Esquerda centrou novamente as atenções no Serviço Nacional de Saúde (SNS), nomeadamente nos seus profissionais, mas também passando pela Educação, onde referenciou os professores.

Mais à frente, a líder bloquista acusou o primeiro-ministro de ter um "otimismo que não se confirmou" na Saúde, referindo também que o PS recusou as propostas para "reforço do SNS".

"A realidade deu razão ao Bloco de Esquerda", vincou, lembrando uma proposta que o secretário de Estado terá dito que custava mil milhões de euros: "No debate comigo, António Costa já não teve coragem de dizer um número tão absurdo, e disse menos de metade, mais de 400 milhões de euros. O Bloco de Esquerda já desmontou todos estes números", disse Catarina Martins, perante o riso de António Costa.

Catarina Martins criticou ainda a atuação do governo na questão das pensões, acusando o PS de "manipular números" de pessoas que trabalharam toda uma vida.

IL sem "saco para a arrogância da esquerda"

O debate foi polarizando cada vez mais à esquerda. De resto, a própria Catarina Martins admitiu isso mesmo, dizendo que foi bom, porque tornou possível aprofundar as questões dos partidos daquela ala, ainda que tenha estranhado um debate sem o PSD.

Algo desaparecida, a direita acabou por aparecer pela voz de João Cotrim de Figueiredo, que acusou Rui Tavares de "uma coisa muito grave". O 

João Cotrim Figueiredo acusou Rui Tavares de ter dito que haverá, um dia, uma maioria de direita tão legítima como as de esquerda. Algo que considera ser "uma coisa muito grave".

O cabeça de lista do Livre por Lisboa disse que "um dia haverá uma maioria de direita tão legítima como as de esquerda", o que fez indignar o presidente dos liberais: "Haverá um dia uma maioria de direita tão legítima como as de esquerda. Porquê? Há votos de portugueses que valem menos do que outros? Francamente já não há saco para a arrogância da esquerda. Ninguém pode dizer num debate, com cara séria, que há maiorias mais legítimas do que outras".

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