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E se a Europa acabar no domingo?

23 abr 2022, 12:00

O único país que até agora saiu da União Europeia, o Reino Unido, tem um ditado que diz Better the devil you know than the devil you don’t – é melhor o diabo que conhecemos do que aquele que não conhecemos.

Traduzido em português não tem muita graça mas, grosso modo, isto quer dizer que mais vale termos à mesa quem já conhecemos, mesmo que às vezes nos irrite, do que negociar com quem nunca apertámos a mão.

É por isso que, por esta altura, grande parte dos líderes europeus está a torcer por Macron nas eleições do próximo domingo.

O ainda presidente francês tem muitos defeitos, pode já ter dito tudo e o seu contrário, pode ter posto com frequência os interesses franceses acima do projeto europeu e pode até ter-se aproveitado da guerra na Ucrânia e da liderança da União Europeia para se promover eleitoralmente.

Mas ninguém tem dúvidas de que é um democrata, um europeísta e um músculo importante no eixo franco-alemão (sobretudo agora, que a máquina germânica enfrenta problemas internos e externos por causa da estratégia de apaziguamento de Moscovo que amarrou a Alemanha e a Europa a uma excessiva dependência da Rússia).

Não é por acaso que os líderes dos principais vizinhos de França (Portugal, Espanha e a Alemanha) assumiram publicamente uma preferência por Macron e avisaram para os riscos de uma vitória de Le Pen.

A verdade é que a candidata da extrema-direita anda a tentar desde 2012 e nunca como agora esteve tão perto de conseguir entrar no Eliseu.

Para chegar até aqui, nos últimos anos, Marine Le Pen deu a volta ao seu posicionamento público e, na campanha, juntou tanto açucar às suas propostas que os eleitores que as engoliram correm o risco de contrair diabetes eleitoral antes da segunda volta de domingo. 

Já não há promessas de saída do euro ou da NATO (apenas da “componente militar”) e o apelo ao voto foi feito quase sempre a prometer aumentar o poder de compra dos franceses ou a batalhar pelas pensões e idade de reforma.

Mas a candidata que agora já “só” quer reformar a União Europeia por dentro e transformá-la numa Europa das Nações, continua a representar um verdadeiro risco para a continuidade do projeto europeu.

Le Pen quer pôr tudo em causa em nome da “soberania”: dar prioridade aos franceses, fechar fronteiras e impor a primazia da legislação decidida em Paris sobre a que vem de Bruxelas.

Mais: quer reduzir em muitos milhares de milhões de euros a comparticipação de França para o bolo europeu – uma pretensão que iria arrastar-se durante anos pelos corredores de Bruxelas com impacto evidente no funcionamento da máquina (e em países como Portugal, muito dependentes dos fundos europeus).

A soberana Le Pen pôs tudo isto no seu manifesto eleitoral que, já agora, foi pago com dinheiro russo. E esta proximidade a Putin, mais ou menos disfarçada, seria o primeiro grande golpe na tão propalada unidade do ocidente relativamente à guerra na Ucrânia.

França não é a Hungria, nem é a Polónia, nem sequer a Itália. Tem um poder e uma dimensão (e até uma localização geográfica) que fazem dela um motor essencial da União com quem não será fácil fazer voz grossa.

Para já, as sondagens estabilizaram numa diferença de 10 pontos que parece afastar uma surpresa a la Brexit ou a la Trump. Mas mesmo que o cenário provável de reeleição de Macron se verifique, é pouco provável que haja festa nas ruas como em 2017.

França está profundamente dividida e é preciso perceber o que acontece a seguir. Seguirá Macron na mesma linha que até aqui? Ou quererá interpretar os sinais que os franceses lhe deram quando, na primeira volta, deram mais de 50% dos votos aos candidatos dos extremos?

Por toda a Europa há quem esteja muito atento ao que se vai passar no domingo. E pelas mesmas razões, nós, em Portugal, também devemos estar. Não vá o Diabo tecê-las.

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