Montenegro equipara-se a Cavaco - e faz um convite a quem discorda disso

13 out, 03:47

ANÁLISE || O PS obteve triunfos históricos - Viseu, Bragança - e venceu nove capitais de distrito mas são feitos menores comparados com o feito maior do PSD - os sociais-democratas tornaram-se a força autárquica dominante do país. Ventura conseguiu o feito de vencer três câmaras mas admitiu que o Chega devia ter feito mais

Quem acordou esta segunda-feira, olhou pela janela e viu o país mais laranja que não confunda isso com efeitos meteorológicos provocados pelas poeiras de África. "Não sei dizer isto de outra maneira: somos os grandes vencedores", disse Montenegro após Manuel Pizarro e Alexandra Leitão terem assumido as respetivas derrotas eleitorais. E Montenegro disse mais: "Somos o maior partido português no poder local, no poder regional e na AR". Foi uma vitória em toda a linha: Lisboa, Porto, Sintra, Cascais, Gaia - os cinco maiores municípios do país são do PSD.

Montenegro tratou os resultados como um triunfo do partido mas tratou-os sobretudo como uma vitória do Governo. O próprio primeiro-ministro tinha antecipado que o Executivo estaria em avaliação este domingo, colocando na eleição autárquica um ónus extra.

O PSD de Montenegro vai liderar a Associação Nacional de Municípios (ANMP), governa na Madeira e nos Açores e é a primeira força política no Parlamento. É uma laranja com três camadas - gomo local, gomo regional, gomo nacional.

“Convido-vos a procurarem nos vossos apontamentos o último primeiro-ministro do PSD que venceu eleições autárquicas no exercício da função”, afirmou trinfante numa referência implícita que é explícita - ou vice-versa - ao antigo primeiro-ministro Cavaco Silva, que venceu autárquicas em 1985, já chefe de Governo.

“Eu não vou dizer que é um resultado histórico, mas é extraordinariamente relevante”, disse, pedindo à comunicação social uma “análise objetiva da performance eleitoral do PSD” desde que assumiu a liderança do partido em 2022, quando colocou como objetivo a liderança autárquica.

“Bem sei que muitos consideraram esse um objetivo inalcançável, difícil, porque a diferença de representação face ao PS era muito significativa”, acrescentou, referindo-se às 35 câmaras que separavam os dois partidos em 2021 - com o PSD atrás, que agora está à frente.

Antes de Montenegro falou José Luís Carneiro: o secretário-geral do PS admitiu que não foram alcançados “alguns dos objetivos”. Por exemplo: a meio da noite soube-se que o PSD conquistou maioria absoluta onde José Luís Carneiro nasceu e foi autarca durante 12 anos - Baião. Foi um entre outros objetivos não atingidos.

“Não alcançámos alguns dos objetivos a que nos propusemos, mas também, como disse, estávamos longe de imaginar que nos íamos bater até ao último momento, taco a taco, para superar várias capitais de distrito - e ganhámos cinco capitais de distrito”, enfatizou.

Um discurso morno e rápido, até porque Manuel Pizarro e Alexandra Leitão tinham tirado senha na mesma repartição, a do ‘vamos fechar a noite rápido para ir embora’. Minutos depois de falar José Luís Carneiro, os candidatos do PS a Porto e Lisboa anunciaram as suas próprias derrotas, afastando responsabilidades nacionais.

O próprio José Luís Carneiro já tinha deixado a entender que nunca faria uma leitura demasiado nacional, ainda assim fez esta: “Eu sinto uma confiança reforçada dos portugueses e das portuguesas na liderança do Partido Socialista”, respondeu quando questionado sobre se o facto de não ter mantido a Associação Nacional de Municípios (ANMP) e de não ter vencido Porto e Lisboa fragilizavam a sua liderança enquanto secretário-geral do PS - naquelas que foram as suas primeiras eleições à frente do partido.

Além da AMNP, o PS viu o PSD ganhar as cinco maiores câmaras: Lisboa, Porto, Sintra, Vila Nova de Gaia e Cascais são 1,7 milhões de cidadãos, quase 20% da população nacional.

O PS fica com quatro das outras cinco mais populosas: Loures, Almada, Amadora e Matosinhos. Por pouco mais de 200 votos não conquistou também Braga.

Confirmada a vitória nacional do PSD, há uma segunda leitura a fazer que pode deixar algum ânimo Ao PS. Se perguntassem a qualquer socialista, ainda mais a José Luís Carneiro, o que significaria ganhar seis capitais de distrito que não tinha anteriormente, incluindo dois bastiões sociais-democratas (Viseu e Bragança), dificilmente a resposta seria menos do que efusiva.

Os socialistas surpreenderam com a vitória em Bragança, conseguiram recuperar Faro 16 anos depois, triunfaram em Coimbra e Évora. E arrancaram Viseu ao PSD, onde o mais que histórico Fernando Ruas falhou a reeleição, com João Nuno Azevedo, do PS, a conseguir conquistar a primeira vitória autárquica socialista em terras de Viriato, também conhecidas como ‘Cavaquistão’.

Por falar em "dinossauros", temos de deixar aqui um dos momentos descontraídos da noite. Vem da Encosta do Sol, na Amadora, onde a vitória numa junta de freguesia valeu esta divertida publicação.

Voltando ao Algarve, foi lá que José Luís Carneiro se escudou para reclamar algo, vencendo 11 dos 16 concelhos de um distrito que as legislativas fizeram pensar que seria do Chega. Mas nas autárquicas a história é outra: apenas Albufeira, o concelho com a maior taxa de criminalidade do país, manteve o sentido de voto no partido de André Ventura, elegendo Rui Cristina como presidente da Câmara.

António Pina conseguiu recuperar Faro para o PS, juntando a maior autarquia do Algarve a vitórias como as de Portimão ou Vila Real de Santo António, deixando o PSD reduzido a Castro Marim e Vila do Bispo (conquistada precisamente ao PS), com a CDU a completar o distrito com a conquista de Silves, que já era comunista.

Surpresa também em Coimbra, onde Ana Abrunhosa conseguiu ser eleita presidente de Câmara pelo PS, confirmando que a popularidade conseguida durante os tempos de ministra de António Costa lhe valeram algo na cidade.

E uma nota ainda para Évora, onde Carlos Zorrinho conseguiu ganhar a Câmara à CDU, que teve a sua pior noite eleitoral de sempre, destronando a de 2021, que já tinha destronado a de 2017. Mas já vamos aos comunistas por agora vamos de novo ao PS e a um problema chamado Beja - o concelho alentejano virou à direita pela primeira vez, com Nuno Ferro a fazer história como o primeiro candidato do PSD a vencer ali, tirando o PS do poder.

Contas feitas: o PS pode reclamar vitória em metade dos 18 distritos, o PSD fica com seis (sendo Lisboa e Porto duas delas, o que fez toda a diferença). O mapa distrital está mais rosa, mas o mapa concelhio está mais laranja. E desta vez foi isso que valeu.

Três aquém

O Chega teve um resultado muito melhor que nas autárquicas de há quatro anos mas muito pior que nas legislativas deste ano. Venceu em três autarquias (São Vincente, Entroncamento e Albufeira) e passa a ter muito mais mandatos, ganhando outra influência na política local. Mas as legislativas faziam prever resultadores melhores.

Com os grandes nomes do partido na corrida às principais câmaras - Rita Matias foi para Sintra, Pedro Pinto para Faro e Pedro Frazão para Oeiras -, André Ventura antecipou a quatro dias das eleições que era “impensável” ficar atrás de CDU ou CDS. Pois bem, por muito mau que tenha sido o resultado da CDU e que o CDS não tenha crescido, o Chega ficou mesmo atrás destes partidos naquilo que interessa - que são as presidências de autarquias.

"Eu sempre disse que não há partidos de poder sem serem partidos autárquicos. Hoje demos esse primeiro passo, mas ainda estamos longe dos objetivos a que nos tínhamos proposto. Este partido já não luta para ficar em segundo nem em terceiro, este partido luta para vencer. Hoje não vencemos, mas vamos lutar para vencer", admitiu, assumindo a responsabilidade pelo resultado. Que ficou aquém

Onde estás tu, APU?

Que sigla estranha que se perdeu no tempo a que forma as palavras Alianças do Povo Unido (APU), que apareceu em força nos primeiros anos de democracia, com o PCP a liderar a coligação que chegou a ter 55 autarquias. Histórias de 1982 em que mais de 20% de Portugal votava comunista.

Tempos sem espelho na atualidade, em que a CDU confirma que é mesmo para cair de eleição em eleição, o que se verifica nas legislativas mas também nas autárquicas.

As 12 autarquias conquistadas este domingo confirmam que acabaram mesmo os tempos de uma CDU tão forte como os fortes, mesmo a nível local. É o pior resultado de sempre - o de 2021 já o tinha sido naquela altura e o de 2017 também antes disso - e há outro dado inquietante: pela primeira vez, a CDU não consegue ganhar qualquer capital de distrito, já que até aqui teve sempre pelo menos Évora ou Setúbal.

Salva-se a vitória em Sines, que não mascarou o que até Paulo Raimundo reconheceu como um "resultado negativo": “Os resultados apontam para uma redução da expressão eleitoral da CDU, seja da sua votação, seja dos seus mandatos, seja do número de municípios em que é força maioritária. É um resultado negativo”, afirmou Paulo Raimundo em declarações aos jornalistas num hotel em Lisboa, onde decorreu a noite eleitoral da CDU.

Dois vencedores mas duas minorias

Nota ainda para dois dos grandes vencedores da noite, mesmo que nenhum deles tenha conseguido a maioria absoluta que Luís Montenegro chegou a pedir. Carlos Moedas venceu em Lisboa e Pedro Duarte no Porto (por 2008 votos), o que dá ao PSD a liderança das duas principais cidades do país - o que não acontecia desde 2007, quando António Carmona Rodrigues e Rui Rio coincidiram em Lisboa e no Porto, respetivamente.

Aparentemente sem qualquer penalização pelo que aconteceu no Elevador da Glória, o presidente da Câmara de Lisboa entendeu que os lisboetas decidiram “continuar com este projeto” por “mais quatro anos”.

Quanto a Pedro Duarte, que falou na Avenida dos Aliados, endereçou também uma “saudação especial” a Manuel Pizarro (PS), por quem disse ter “admiração política” e que descreveu como “um grande portuense”. O ex-ministro dos Assuntos Parlamentares celebrou a vitória da coligação PSD/CDS-PP/IL agradecendo à cidade pela sua “generosidade e civismo” e por, “de forma tão sábia, saber aquilo que quer para o seu futuro”.

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