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Investigador universitário doutorado. Estuda a crise da democracia liberal, com foco nas guerras culturais, polarização e impactos nos direitos fundamentais

Nem leituras absolutamente nacionais, nem interpretações exclusivamente locais. O que vale, afinal, o Chega, e que sinais nos deu o eleitorado?

13 out, 16:32

Aguardávamos com expectativa a noite eleitoral. Havia uma promessa de que o Chega poderia confirmar a sua força política além da onda nacional, instalando-se no poder local de forma definitiva. Tal não aconteceu. É verdade que o Chega continua como terceira força política nacional, vence três autarquias e elege centenas de vereadores e quase 2.000 mandatos entre assembleias municipais e de freguesia.

É verdade que o Chega cresce, seria absolutamente impensável e irrealista que tal não sucedesse, e terá peso maior na máquina autárquica nacional, abrindo caminho para eventuais sucessos futuros. Mas a verdade é que não o fez categoricamente, não em correspondência com a fasquia que colocou para si mesmo.

Podemos, portanto, deduzir profundas conclusões para o entendimento do comportamento eleitoral em Portugal.

A primeira conclusão é a de que o chamado “bloco central” não está morto. O PSD saiu vitorioso, em toda a linha, confirmando uma alteração político-demográfica do eleitorado para a direita, construída em torno de uma espécie de “estado de graça perpétuo” que o partido ainda vive. Por sua vez, o PS, em crise de renovação e de credibilidade, ainda tem contas tardias por causa da “geringonça” e penalizado pelo cansaço face à esquerda (Alexandra Leitão pode bem ter sido penalizada pela presença no BE na coligação), consegue, ainda assim, manter-se como uma força nacional relevante, conquistando autarquias à CDU, e vencendo em Viseu, histórico território do “cavaquistão”. Quer isto dizer que os dois partidos centrais da história democrática portuguesa conseguem preservar a sua imagem de estabilidade política, muito à custa de serem os partidos que congregam as candidaturas mais fortes na maioria das autarquias locais.

A segunda conclusão deriva da primeira: na hora de escolher quem vai governar, os portugueses, para já, abandonam ressentimentos e o protesto e aderem a soluções no quadro da democracia liberal que emergiu com o pós-25 de abril.

A terceira conclusão é a de que o Chega, por si mesmo, não tem capital simbólico próprio fora do guarda-chuva de André Ventura. O partido ainda é André Ventura. Não podendo ter “um André Ventura em cada esquina”, os portugueses desconfiam de muitos dos candidatos apresentados pelo partido, ora porque são “paraquedistas”, isto é, políticos sem ligação ao território – o que calha mal num partido “antissistema” –, ora porque não apresentam capacidade de mobilização social e construção de credibilidade.

A quarta conclusão é que as eleições autárquicas não oferecem nem leituras absolutamente nacionais, nem interpretações exclusivamente locais. Há uma conjugação de vaga de fundo nacional com personalização de candidaturas no plano local. De outro modo: quanto maior o Concelho, maior a probabilidade das eleições permitirem leituras nacionais, e quanto mais pequenos os Concelhos, maior a interpretação local. Não se trata de uma equação absoluta, mas antes de uma aproximação gradual à política nacional.

Portanto, as eleições autárquicas de 2025 foram mais uma noite com o fumo do Português Suave. Cada partido tirará as suas conclusões. Tenho dúvidas que tirem as certas.

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