Desinfetam-se, colocam luvas, máscara, bata, touca, viseira e depois entram na casa da dona Marta

25 jan 2022, 21:13

Na estrada com uma equipa que recolhe votos para as legislativas de isolados, infetados e de pessoas em lares

Nuno e José saem do carro, abrem o porta-malas e começam a preparar-se, ignorando os olhares surpreendidos dos transeuntes. É preciso seguir a ordem: desinfetar as mãos, pôr as luvas, pôr a máscara, vestir a bata, pôr a touca, colocar a viseira, desinfetar as luvas. Depois pegam nos papéis e vão tocar à porta: "Bom dia, é a casa da dona Marta? Somos da Câmara do Seixal e viemos recolher o seu voto." Sobem as escadas, mantêm a distância, explicam o procedimento, recolhem o voto e, no final têm de tirar todo o equipamento, colocá-lo num saco de lixo e ir para a casa seguinte, onde tudo se repete. Não se pode dizer que sejam umas eleições muito amigas do ambiente mas, ao menos, garante-se que o máximo de pessoas possa votar e que o faça em segurança.

Nuno e José são funcionários da Proteção Civil Municipal do Seixal e já levam dois anos de pandemia a vestir e a despir equipamentos de proteção. Hoje compõem uma das muitas equipas que esta terça e quarta andam pelo pelo país a recolher os votos antecipados para as legislativas dos eleitores que se encontram confinados devido à covid-19 ou que estão internados em lares ou instituições. O número total de cidadãos eleitores que se inscreveram para o voto antecipado em confinamento e em lares é 13.118.

A agente de viagens Carmen Sousa, de 45 anos, abre o portão já com o cartão de cidadão na mão. Lá em casa estão todos confinados. Ela começou por ficar isolada depois de a filha ter testado o positivo, depois foi a vez de o marido também estar positivo e, no domingo à noite, antes sequer de saber se também ela teria covid-19, decidiu inscrever-se para o voto antecipado em confinamento: "Na verdade, só na segunda-feira é que testei positivo mas já sabia que ia ficar em confinamento, por isso decidi inscrever-me logo".

O processo foi bastante simples: inscreveu-se no site e no dia seguinte recebeu uma chamada de um técnico da Câmara do Seixal que lhe explicou todos os procedimentos e avisou que a equipa de recolha iria aparecer na terça-feira de manhã, entre as 9.30 e as 12.30. E assim foi. A campainha tocou por volta das 11.10. 

"Quer que lhe explique o que deve fazer?", pergunta Nuno, escondido atrás da máscara e da viseira. "É melhor." Esta parte já pode ser mais confusa. Depois de votar, o eleitor deve dobrar o boletim em quatro e colocá-lo dentro de um envelope branco que ficará fechado com cola. Esse envelope é depois inserido dentro de um outro envelope, maior, azul e com a identificação do eleitor, que também será fechado com cola. Finalmente, o eleitor cola o selo no envelope e guarda o comprovativo para si. 

Depois desta explicação, os eleitores retiram-se geralmente por um ou dois minutos e já voltam com o envelope azul selado e pronto a ser colocado na "urna móvel".

No concelho do Seixal houve apenas seis eleitores que se inscreveram para esta modalidade de voto antecipado, além de 57 inscritos nos lares e instituições. No total, são cinco as equipas que, nestes dois dias, vão estar a recolher os votos dos eleitores, num processo gerido pela autarquia.

Uma vez que já é a terceira vez que isto acontece, depois das eleições presidenciais de há um ano e das autárquicas de setembro, "as equipas já sabem como tudo funciona, tiveram a devida formação e é mais um serviço que a Câmara presta", explica o vereador Paulo Silva.

"Havendo essa possibilidade preferi assim, apesar de saber que poderia votar presencialmente. Depois poderia ser muito confuso. Eu pensei: vou inscrever-me, se funcionar então muito bem, se não funcionar lá terei de ir", diz Carmen. "Votar é muito importante. Não votar só se não pudesse mesmo." Carmen nunca tinha utilizado este método mas achou tudo muito simples. "Às vezes as pessoas não o fazem porque acham que é muita burocracia mas funciona muito bem", conclui. Dever cívico cumprido.

Utentes dos lares também votam: "É uma forma de se sentirem integrados"

Equipada com fato, máscara, touca e luvas, Arlete Cruz está praticamente irreconhecível. "Já estou pronta", declara. "Só me falta a proteção nos pés." A vereadora do Barreiro não é mulher de ficar parada a ver. Esta terça-feira saiu do gabinete, vestiu-se a preceito e integrou uma das equipas que foram recolher os votos nos lares do concelho. 

A Santa Casa da Misericórdia do Barreiro - que gere dois lares e uma unidade de cuidados continuados - tem mais de 270 utentes, mas só 40 se inscreveram para votar antecipadamente. "Para nós é muito importante que os utentes que queiram possam votar, é uma forma de se sentirem integrados e de participarem na sociedade", diz a provedora Sara Oliveira. "Nós sempre levámos os utentes, que manifestaram essa vontade, a votar. Mesmo aqueles que têm mobilidade reduzida, pois temos carrinhas adaptadas e funcionárias que os ajudam. Mas, desde o ano passado, houve esta possibilidade de eles votarem aqui nas instalações e efetivamente é muito mais fácil."

Um grupo de utentes vota no jardim interior e outro no auditório. "Já estão todos preparados", diz a responsável, que até duas cabines de votos arranjou para que os eleitores tivessem privacidade para colocar a sua cruz. As funcionárias trazem os idosos dois a dois, uma das assistentes sociais tem o cartão de cidadão a postos e o resto do processo decorre normalmente, como em qualquer mesa de voto. Não fossem as máscaras e os equipamentos de proteção e quase dizíamos não havia nada para ver aqui.

Para a vereadora responsável pela Divisão Jurídica e de Administração Central da Câmara do Barreiro, estas são as primeiras eleições "do lado de cá", ou seja, do lado de quem organiza toda a logística: "Não fazia ideia de todo o trabalho que isto implicava, nunca imaginei. É um mês inteiro de preparação para garantir que corre tudo bem". É preciso pensar em todos os pormenores, desde garantir que há urnas suficientes ou canetas nos gabinetes de votos, contar e verificar todos os maços de boletins de voto ou até mesmo guardar o lixo dos dias das eleições: "Já lá temos um saco com o lixo que veio da escola do dia do voto antecipado. No final, a conta de todos os boletins usados e por usar tem de dar certa, senão o tribunal vai investigar e, entre outras coisas, pede para ver o lixo".

Um dos grandes quebra-cabeças destas eleições tem sido assegurar que há elementos em todas as mesas. "Assim que o Governo anunciou que as pessoas isoladas podiam ir votar no dia 30, começámos a receber desistências. As pessoas ficaram com medo de apanhar covid", conta Arlete Cruz. "Já tínhamos as mesas completas e, de repente, tivemos de arranjar substitutos. E até lá não sabemos ainda o que vai acontecer porque todos os dias há pessoas a terem de ficar isoladas." 

De qualquer forma, para já, depois de realizado o voto antecipado em mobilidade e estando quase terminado o voto antecipado em confinamento, o balanço das operações é bastante positivo: "Face a situação de epidemia, para nós é muito importante permitir que todas as pessoas possam exercer o seu dever de cidadania e que o façam em segurança absoluta", afirma a vereadora. "Essa é a nossa missão neste processo."

Menos eleitores do que o esperado pediram para votar em casa

O número total de cidadãos eleitores que se inscreveram para o voto antecipado em confinamento e em lares é 13.118. De acordo com os dados finais da Administração Eleitoral (AE) da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, entre os dias 20 e 23 de janeiro inscreveram-se 397 cidadãos na modalidade de voto antecipado em confinamento decretado pelas autoridades de saúde e 12.721 cidadãos internados em estruturas residenciais. Em Lisboa, a maior cidade do país, só houve 651 inscritos, dos quais 30 em confinamento e 621 em lares.

Nas eleições presidenciais de 2021 inscreveram-se 12.906 cidadãos em confinamento - 4.952 dos quais estavam internados em lares. Nas Autárquicas 2021 houve 7.507 inscrições no voto antecipado: 7.070 em lares e 437 em confinamento.

Face ao número total de pessoas em isolamento - um milhão de pessoas, das quais 900 mil são adultos -, as autarquias estavam preparadas para recolher mais votos nestes dois dias. Mas a redução do período de isolamento para sete dias e o anúncio de que as pessoas que estejam em confinamento no dia 30 poderão sair de casa para ir votar no domingo terão certamente contribuído para que os inscritos no voto antecipado não fossem tantos quando o esperado, dizem os responsáveis.

E o que acontece aos votos recolhidos antecipadamente?

Essa é uma das perguntas que todos os eleitores fazem, pois querem ter a certeza de que os seus votos não ficam perdidos pelo caminho. Os responsáveis das autarquias garantem que tudo é feito de acordo com as regras. Os representantes dos partidos políticos são convidados a acompanhar a recolha (embora raramente façam). E as forças de segurança estão a par de todos os pormenores.

Os votos guardados nos envelopes, devidamente selados, ficam na Câmara nestes dois dias em que decorre a recolha, até que, na quinta-feira de manhã, são transportados pelas forças de segurança para o tribunal, onde ficam em quarentena durante 48 horas.

No sábado são novamente as forças da segurança que levam estes votos para as juntas de freguesia a que pertencem. No domingo, dia 30, de manhã, estes votos, assim como os votos antecipados do passado domingo, serão os primeiros a ser colocados nas urnas e descarregados nos cadernos eleitorais.

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