Eleições em Itália: os candidatos, as sondagens e como a extrema-direita pode voltar ao governo pela primeira vez desde Mussolini

21 set 2022, 22:00
Giorgia Meloni, líder do partido italiano Irmãos de Itália (Foto: Luca Zennaro/EPA)

Itália vai a votos no próximo domingo e o sucessor de Draghi pode ser uma mulher: segundo as sondagens, Giorgia Meloni, que lidera um partido de extrema-direita, está à frente nas intenções de voto

Quando faltava cerca de um mês para as eleições legislativas em Itália, marcadas para o próximo domingo, 25 de setembro, a coligação de centro-direita recolhia 47% das intenções de voto, com o partido de extrema-direita de Giorgia Meloni a liderar. 

As sondagens mais recentes não contam histórias muito diferentes: segundo o Instituto Ipsos, que divulgou números a 9 de setembro, publicados pelo Corriere della Sera e outros meios de comunicação italianos cerca de 15 dias antes das eleições, o partido de extrema-direita Irmãos de Itália (Fratelli di Italia ou FdI na sigla original) de Giorgia Melioni consolidava o primeiro lugar com 25,1% das preferências dos eleitores, com um crescimento de 1,1% em relação ao final de agosto. O Partido Democrático (PD) de Enrico Letta conseguia 20,5% dos votos, perdendo 2,5% em relação ao final do mês anterior. Em terceiro lugar, o Movimento 5 Estrelas (M5S) que recentemente se separou de uma aliança com o PD, conseguia 14,5% das intenções de voto, com a Liga de Salvini em quatro lugar, reunindo 12,5%. A Força Itália, partido fundado por Berlusconi, chegava aos 8%.

De acordo com  as sondagens, Giorgia Meloni, em coligação com a Liga, de Matteo Salvini, e a Força Itália, de Berlusconi, pode conseguir uma vitória sem precedentes para a direita nas legislativas do próximo dia 25 de setembro, chegando a cerca de 45% dos votos. Já a aliança de centro-esquerda, que agora inclui apenas o PD e pequenos partidos de esquerda, nomeadamente ecologistas e pró-europeus, prepara-se para enfrentar uma vitória esmagadora da direita, a julgar pelos números - Carlo Calenda, líder da força centrista Azione, decidiu retirar-se da coligação de centro-esquerda uma semana depois da sua formação, em agosto, correndo agora como Terzo Polo - juntamente com o Italia Viva de Matteo Renzi. E este bloco reúne apenas 6,7% nas intenções de voto.

Já uma eventual aliança do PD com o Movimento 5 Estrelas ficou descartada quando o partido, juntamente com a Liga de Salvini e o Força Itália de Berlusconi, que integravam a coligação governamental liderada por Mario Draghi, tiraram apoio ao primeiro-ministro, precipitando a demissão de Draghi e a marcação das eleições antecipadas de domingo.

A confirmar-se esta votação, a aliança dos partidos conservadores poderá mesmo conseguir modificar a Constituição italiana sem realizar um referendo. E esse é, precisamente, um dos objetivos de Meloni, que já disse que quer mudar o atual sistema parlamentar italiano para um sistema presidencialista, algo a que se opõe o centro-esquerda italiano.

Em julho passado, Meloni assinou um acordo com Salvini e Berlusconi que prevê que seja ela a assumir o cargo de primeira-ministra se a direita vencer as eleições. A coligação alcançou ainda um acordo para concorrer em conjunto nos 221 círculos eleitorais com um candidato comum, selecionado entre os mais competitivos de cada força política.

 

O programa de Meloni, "mulher, mãe, italiana e cristã"

Os mais recentes barómetros deixam, no entanto, um alerta: as intenções de voto podem mudar muito nos próximos dias, já que há muitos indecisos e espera-se uma participação no ato eleitoral de 65% dos eleitores italianos, o que significaria um mínimo histórico em Itália. As razões para a abstenção estarão relacionadas com a queda do governo tecnocrata de Mario Draghi e o cansaço pelas reviravoltas partidárias.

A grande protagonista torna-se, assim, Giorgia Meloni, que em 2019 se definiu como "mulher, mãe, italiana e cristã" e tem sido o verdadeiro fenómeno de popularidade destas legislativas -  nas legislativas de 2013, por exemplo, o FdI, partido de que foi fundadora em 2012, não chegou a obter sequer 2% dos votos. Nascida em Roma em 1977, milita desde os 15 anos em associações associadas à extrema-direita e tem como lema "Deus, Pátria e Família" - chegou a ser ministra da Juventude num governo de Silvio Berlusconi.

Meloni lidera um partido que é herdeiro do Movimento Social Italiano, formação neofacista fundada após a Segunda Guerra Mundial, mas garante que a direita italiana há muito que deixou o fascismo para trás, definindo-se como "pós-fascista". Já elogiou Benito Mussolini e pode mesmo ser a primeira mulher a conseguir assumir o cargo de primeira-ministra em Itália, a primeira líder de extrema-direita desde o próprio Mussolini, que Meloni admitiu ter cometido alguns erros - nomeadamente ter entrado na Segunda Guerra Mundial ao lado da Alemanha. 

 "Não há lugar para os nostálgicos do fascismo, do racismo e do antissemitismo", garantiu Meloni num comício. Mas até a chama, que é símbolo do FdI que lidera, faz alguns recordar a chama que nunca deveria extinguir-se sobre o túmulo de Mussolini e que estava no logotipo do Movimento Social Italiano - e alguns membros do partido foram filmados, no ano passado, a fazer saudações nazis. 

Quanto ao programa político, a líder da extrema-direita é clara: conservadorismo e oposição feroz à chegada de migrantes, bem como às famílias de casais do mesmo sexo. Meloni também defende as "flat taxes", ou seja, impostos iguais para todos os cidadãos, independentemente dos seus rendimentos, o fecho de fronteiras para proteger a Itália da "islamização" e até renegociação dos tratados europeus para conseguir maior poder de decisão - quer "menos Europa, mas melhor Europa".

Democratas querem "igualdade" e portas abertas à Europa

Ao slogan de Meloni "Deus, Família e Pátria", Enrico Letta, do Partido Democrático - o segundo nas intenções de voto - contrapõe com um "trabalho, trabalho, trabalho e, sobretudo, igualdade". Em visita a escavações arqueológicas em Pompeia, esta terça-feira, Letta fez questão de chamar a atenção para a necessidade de igualdade de oportunidades entre cada cidadão ou cidadã italiana, enviando um recado à direita: "A igualdade é um valor universal que, infelizmente, não existe e a direita continua a não querer, como demonstra a proposta deles de reforma fiscal. As 'flat tax' para todos são o exato oposto do princípio de igualdade", defendeu Letta. 

O líder do PD já recusou governar com a direita mas, desta vez, não conseguiu entender-se com todos os partidos à esquerda. Aos 54 anos, casado e pai de três filhos, Letta é desde março de 2021 o secretário-geral do Partido Democrático. Antes, era presidente do think tank "Jacques Delors Institut - Notre Europe", fundado pelo ex-presidente da Comissão Europeia Jacques Delors, e tinha dado aulas no Instituto de Estudos Políticos de Paris (conhecido como Sciences Po).

Em 2013 e 2014 liderou um governo de coligação que juntou partidos de centro-esquerda com centro-direita, mas foi afastado do cargo pelo adversário dentro do próprio PD, Matteo Renzi. Moderado e pró-europeu, Enrico Letta garantiu, quando chegou à liderança do partido, que a sua agenda política iria focar-se no desemprego, nas mulheres e nos jovens. E propunha mesmo a concessão de nacionalidade aos filhos de imigrantes estrangeiros nascidos em Itália.

Recentemente, o Corriere della Sera reuniu os dois principais rivais nas eleições legislativas no único frente-a-frente da campanha eleitoral: Letta e Meloni falaram sobre as relações com a Europa e os preços da energia. E se Letta criticou Meloni pela sua admiração pelos governos da Hungria e da Polónia, e defendeu uma Europa solidária, a líder da extrema-direita afirmou: "Há uma Alemanha que não concorda com o preço do gás porque tem contratos com a Rússia sob os quais as empresas alemãs pagam um terço do que as empresas italianas pagam pelo gás, o que também cria um problema de competitividade. Queremos uma Europa em que a Itália possa também defender os seus interesses e procurar soluções juntamente com outros", disse Meloni. 

No início da semana, Letta foi a Berlim recolher o apoio do chanceler alemão Olaf Scholz. No Twitter, escreveu que os dois falaram sobre a crise energética.

 

O encontro, mais do que evidenciar o programa político de Letta, deixou à mostra a preocupação alemã com a possibilidade de uma vitória da extrema-direita no domingo. "Resistam", terá dito Scholz ao italiano, revelou o diário italiano La Reppublica. "Desejo a Letta muito sucesso. Juntos continuaremos a trabalhar por soluções europeias, para ajudar as pessoas nestes tempos difíceis", escreveu apenas Scholz no Twitter, a propósito do encontro.
 

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