Itália vai a votos no próximo domingo e o sucessor de Draghi pode ser uma mulher: segundo as sondagens, Giorgia Meloni, que lidera um partido de extrema-direita, está à frente nas intenções de voto
Quando faltava cerca de um mês para as eleições legislativas em Itália, marcadas para o próximo domingo, 25 de setembro, a coligação de centro-direita recolhia 47% das intenções de voto, com o partido de extrema-direita de Giorgia Meloni a liderar.
As sondagens mais recentes não contam histórias muito diferentes: segundo o Instituto Ipsos, que divulgou números a 9 de setembro, publicados pelo Corriere della Sera e outros meios de comunicação italianos cerca de 15 dias antes das eleições, o partido de extrema-direita Irmãos de Itália (Fratelli di Italia ou FdI na sigla original) de Giorgia Melioni consolidava o primeiro lugar com 25,1% das preferências dos eleitores, com um crescimento de 1,1% em relação ao final de agosto. O Partido Democrático (PD) de Enrico Letta conseguia 20,5% dos votos, perdendo 2,5% em relação ao final do mês anterior. Em terceiro lugar, o Movimento 5 Estrelas (M5S) que recentemente se separou de uma aliança com o PD, conseguia 14,5% das intenções de voto, com a Liga de Salvini em quatro lugar, reunindo 12,5%. A Força Itália, partido fundado por Berlusconi, chegava aos 8%.
De acordo com as sondagens, Giorgia Meloni, em coligação com a Liga, de Matteo Salvini, e a Força Itália, de Berlusconi, pode conseguir uma vitória sem precedentes para a direita nas legislativas do próximo dia 25 de setembro, chegando a cerca de 45% dos votos. Já a aliança de centro-esquerda, que agora inclui apenas o PD e pequenos partidos de esquerda, nomeadamente ecologistas e pró-europeus, prepara-se para enfrentar uma vitória esmagadora da direita, a julgar pelos números - Carlo Calenda, líder da força centrista Azione, decidiu retirar-se da coligação de centro-esquerda uma semana depois da sua formação, em agosto, correndo agora como Terzo Polo - juntamente com o Italia Viva de Matteo Renzi. E este bloco reúne apenas 6,7% nas intenções de voto.
Já uma eventual aliança do PD com o Movimento 5 Estrelas ficou descartada quando o partido, juntamente com a Liga de Salvini e o Força Itália de Berlusconi, que integravam a coligação governamental liderada por Mario Draghi, tiraram apoio ao primeiro-ministro, precipitando a demissão de Draghi e a marcação das eleições antecipadas de domingo.
A confirmar-se esta votação, a aliança dos partidos conservadores poderá mesmo conseguir modificar a Constituição italiana sem realizar um referendo. E esse é, precisamente, um dos objetivos de Meloni, que já disse que quer mudar o atual sistema parlamentar italiano para um sistema presidencialista, algo a que se opõe o centro-esquerda italiano.
Em julho passado, Meloni assinou um acordo com Salvini e Berlusconi que prevê que seja ela a assumir o cargo de primeira-ministra se a direita vencer as eleições. A coligação alcançou ainda um acordo para concorrer em conjunto nos 221 círculos eleitorais com um candidato comum, selecionado entre os mais competitivos de cada força política.
Uniti si vince, per l’Italia. pic.twitter.com/RrW0ZyBJJc
— Matteo Salvini (@matteosalvinimi) July 27, 2022
O programa de Meloni, "mulher, mãe, italiana e cristã"
Os mais recentes barómetros deixam, no entanto, um alerta: as intenções de voto podem mudar muito nos próximos dias, já que há muitos indecisos e espera-se uma participação no ato eleitoral de 65% dos eleitores italianos, o que significaria um mínimo histórico em Itália. As razões para a abstenção estarão relacionadas com a queda do governo tecnocrata de Mario Draghi e o cansaço pelas reviravoltas partidárias.
A grande protagonista torna-se, assim, Giorgia Meloni, que em 2019 se definiu como "mulher, mãe, italiana e cristã" e tem sido o verdadeiro fenómeno de popularidade destas legislativas - nas legislativas de 2013, por exemplo, o FdI, partido de que foi fundadora em 2012, não chegou a obter sequer 2% dos votos. Nascida em Roma em 1977, milita desde os 15 anos em associações associadas à extrema-direita e tem como lema "Deus, Pátria e Família" - chegou a ser ministra da Juventude num governo de Silvio Berlusconi.
Meloni lidera um partido que é herdeiro do Movimento Social Italiano, formação neofacista fundada após a Segunda Guerra Mundial, mas garante que a direita italiana há muito que deixou o fascismo para trás, definindo-se como "pós-fascista". Já elogiou Benito Mussolini e pode mesmo ser a primeira mulher a conseguir assumir o cargo de primeira-ministra em Itália, a primeira líder de extrema-direita desde o próprio Mussolini, que Meloni admitiu ter cometido alguns erros - nomeadamente ter entrado na Segunda Guerra Mundial ao lado da Alemanha.
"Não há lugar para os nostálgicos do fascismo, do racismo e do antissemitismo", garantiu Meloni num comício. Mas até a chama, que é símbolo do FdI que lidera, faz alguns recordar a chama que nunca deveria extinguir-se sobre o túmulo de Mussolini e que estava no logotipo do Movimento Social Italiano - e alguns membros do partido foram filmados, no ano passado, a fazer saudações nazis.
Quanto ao programa político, a líder da extrema-direita é clara: conservadorismo e oposição feroz à chegada de migrantes, bem como às famílias de casais do mesmo sexo. Meloni também defende as "flat taxes", ou seja, impostos iguais para todos os cidadãos, independentemente dos seus rendimentos, o fecho de fronteiras para proteger a Itália da "islamização" e até renegociação dos tratados europeus para conseguir maior poder de decisão - quer "menos Europa, mas melhor Europa".
Democratas querem "igualdade" e portas abertas à Europa
Ao slogan de Meloni "Deus, Família e Pátria", Enrico Letta, do Partido Democrático - o segundo nas intenções de voto - contrapõe com um "trabalho, trabalho, trabalho e, sobretudo, igualdade". Em visita a escavações arqueológicas em Pompeia, esta terça-feira, Letta fez questão de chamar a atenção para a necessidade de igualdade de oportunidades entre cada cidadão ou cidadã italiana, enviando um recado à direita: "A igualdade é um valor universal que, infelizmente, não existe e a direita continua a não querer, como demonstra a proposta deles de reforma fiscal. As 'flat tax' para todos são o exato oposto do princípio de igualdade", defendeu Letta.
O líder do PD já recusou governar com a direita mas, desta vez, não conseguiu entender-se com todos os partidos à esquerda. Aos 54 anos, casado e pai de três filhos, Letta é desde março de 2021 o secretário-geral do Partido Democrático. Antes, era presidente do think tank "Jacques Delors Institut - Notre Europe", fundado pelo ex-presidente da Comissão Europeia Jacques Delors, e tinha dado aulas no Instituto de Estudos Políticos de Paris (conhecido como Sciences Po).
Em 2013 e 2014 liderou um governo de coligação que juntou partidos de centro-esquerda com centro-direita, mas foi afastado do cargo pelo adversário dentro do próprio PD, Matteo Renzi. Moderado e pró-europeu, Enrico Letta garantiu, quando chegou à liderança do partido, que a sua agenda política iria focar-se no desemprego, nas mulheres e nos jovens. E propunha mesmo a concessão de nacionalidade aos filhos de imigrantes estrangeiros nascidos em Itália.
Recentemente, o Corriere della Sera reuniu os dois principais rivais nas eleições legislativas no único frente-a-frente da campanha eleitoral: Letta e Meloni falaram sobre as relações com a Europa e os preços da energia. E se Letta criticou Meloni pela sua admiração pelos governos da Hungria e da Polónia, e defendeu uma Europa solidária, a líder da extrema-direita afirmou: "Há uma Alemanha que não concorda com o preço do gás porque tem contratos com a Rússia sob os quais as empresas alemãs pagam um terço do que as empresas italianas pagam pelo gás, o que também cria um problema de competitividade. Queremos uma Europa em que a Itália possa também defender os seus interesses e procurar soluções juntamente com outros", disse Meloni.
No início da semana, Letta foi a Berlim recolher o apoio do chanceler alemão Olaf Scholz. No Twitter, escreveu que os dois falaram sobre a crise energética.
A Berlino, al lavoro insieme a @OlafScholz per arrivare a soluzioni comuni europee contro il #carobollette e la crisi energetica 🇮🇹🇩🇪🇪🇺 pic.twitter.com/cKk3wBvddh
— Enrico Letta (@EnricoLetta) September 19, 2022
O encontro, mais do que evidenciar o programa político de Letta, deixou à mostra a preocupação alemã com a possibilidade de uma vitória da extrema-direita no domingo. "Resistam", terá dito Scholz ao italiano, revelou o diário italiano La Reppublica. "Desejo a Letta muito sucesso. Juntos continuaremos a trabalhar por soluções europeias, para ajudar as pessoas nestes tempos difíceis", escreveu apenas Scholz no Twitter, a propósito do encontro.