Fernanda é o oráculo de Costa em Viseu: em 2015 adivinhou a derrota, agora não dá maioria absoluta

22 jan 2022, 20:30
António Costa em comício em Viseu (Lusa/Miguel A. Lopes)

Em 2015, Fernanda Correia fez António Costa perceber que ia perder as eleições. Nunca imaginou que pudesse ter esse impacto. Na altura, o socialista também pedia maioria absoluta, mesmo que as sondagens não ajudassem nessas contas. O contexto parece familiar? Talvez a história seja cíclica. Mas há opiniões que o tempo acaba por mudar. Assim como a estratégia da própria campanha socialista.

A drogaria, ao sábado, fecha à uma da tarde. Porque Fernanda Correia é “agricultora de fim de semana”. Mas talvez seja melhor dar um pequeno passo atrás, até 2015, para enquadrar a protagonista desta história.

António Costa fazia a primeira corrida para ser primeiro-ministro. E foi ao cruzar-se com Fernanda Correia que tomou consciência de que ia perder as eleições. Na Rua Direita de Viseu, onde tem loja aberta há 41 anos, a mulher avisou-o que o país corria o risco de dar um passo atrás se o socialista cumprisse com o que prometia. E a derrota aconteceu – embora uma geringonça a viesse contrariar.

Na altura, Costa pedia maioria absoluta, mas as sondagens mostravam que estava longe de o conseguir. Na passagem por Viseu, percebeu a derrota. A história, diz-se, é cíclica – ou pelo menos matreira. É que hoje o secretário-geral volta a Viseu, já não pede à descarada a maioria absoluta como nos primeiros dias e, pela primeira vez, é ultrapassado por Rio nas sondagens.

Fernanda Correia arruma o armazém antes de rumar a casa. Nunca pensou que pudesse ter mexido tanto com António Costa. “Quando disse aquelas palavras ‘mudar para quê, se fica tudo igual?’, era por sentir que as pessoas estavam desanimadas. Não havia uma luz ao fundo do túnel. Foi assim uma coisa, um sentimento de alma”, recorda.

Quatro anos depois, em 2019, voltou a encontrar-se com o secretário-geral do PS. Mas aí, com provas de trabalho feito, já tinha uma opinião diferente. Chegou a gravar um vídeo de apoio, mesmo não sendo militante. Neste sábado, ao contrário das corridas anteriores, António Costa não passa pelas ruas de Viseu. Na cidade de Viriato, faz apenas um comício.

Mas Fernanda Correia, mesmo sem o encontro cara a cara, já lhe vaticinou o futuro no dia 30. “Vai ganhar sem maioria. Vai ter de gramar com a Catarina [Martins]. Ela está dura. Muito dura. A bater nas mesmas teclas, com razão”, antecipa. 

É que esta mulher, com 63 anos bem escondidos pela lisura do rosto, ouve muitas queixas na “loja mais pequena da Rua Direita”. Costa, diz, conquistou muitos com a resposta à pandemia mas há outros que continuam “descontentes com as reformas e salários baixos”. À custa disso, os filhos só lhe dão um neto cada um. Também ela começa a pensar no futuro, em como terá de se governar com cerca de 500 euros de pensão.

Para Fernanda Correia, que partilha o primeiro nome com a esposa de Costa, o socialista é um “homem sério”. Gostava de o ver a ter com os portugueses a mesma relação de “confiança” que tem com os seus clientes. “Como penso que ele vai chegar ao Governo, tem de arranjar pessoas competentes. Mas muito competentes. Que não lhe saia um Cabrita”.

O voto desta viseense, pelo menos, “está garantido”. Mesmo que não veja Costa desde a última vez que lhe disse, olhos nos olhos, que podia contar com ela.

Fernanda Correia levou Costa a perceber que ia perder em 2015. Agora, mesmo sem ser militante, dá-lhe apoio

Sócrates. Há quem o queira de volta e quem o queira bem longe

Porta sim, porta sim, lojas fechadas na Rua Direita de Viseu. E depois a loja de Maria de Fátima Santos. É uma das que resiste a trabalhar ao sábado depois de almoço. O apelido combina com o que tem para vender.

“Isto aqui é quase tudo PSD. Eu não sou. Temos de assumir o que somos”, conta. Numa terra onde o PSD é rei e senhor, a comerciante não poupa o político que acabaria por dar a Viseu o cognome de Cavaquistão: “E o Cavaco [Silva], o que é que fez? Era uma múmia que estava ali”.

Por aqui, reconhece, os socialistas como ela não são muito bem tratados. “Quando falam no PS, falam logo no Sócrates”. José Sócrates, o mesmo que, na noite anterior, tinha vindo avisar o partido – de que se desfiliou – que não pode “desmerecer” a única maioria absoluta que teve – a dele.

Maria de Fátima Santos, tal como António Costa, não viu a entrevista à CNN Portugal. Mas não poupa elogios ao antigo primeiro-ministro. Sócrates, acredita, sabia falar e explicar as coisas “de uma forma simples”. Votaria nele se estivesse na corrida? “Votava, porque não? Vou votar no Costa, mas se o Sócrates lá estivesse votava nele”.

Um nome que o atual secretário-geral do PS sacode da campanha. De manhã, perguntam-lhe se Sócrates é um “ativo tóxico” para o PS. E Costa, cortando o mal pela raiz, parte para outro lado. “O que é tóxico é não votarmos”.

Costa já não pede "maioria absoluta". O foco agora é Rio

Elsa Almeida ainda não sabe que Rui Rio passa, pela primeira vez, António Costa nas sondagens. Mas horas antes já antevê o cenário. “Se as sondagens forem verdadeiras, não sei se não ganha o Rio. Aqui em Viseu, pelo menos, é difícil o Costa ganhar”. Em 2019, mesmo com a vitória do PS, o distrito pintou-se de uma cor diferente da maioria e voltou a dar a vitória aos sociais-democratas.

Ao balcão da Casa Pereira, a proprietária Laura Pereira vai concordando com a cabeça. Entre flores e santos, a colega de profissão faz um pedido: “que entrem com o pé direito, que bem precisamos de Orçamento”. Pé direito significa um orçamento à direita? “Não, gostava que o Costa continuasse”.

Na Casa Pereira, já se via Rio à frente de Costa ainda antes da sondagem desta noite

Mas esse cenário, para o líder do PS, é cada vez mais uma incógnita. Mesmo trazendo um aliado de peso para a campanha, Pedro Nuno Santos, o potencial sucessor, o burburinho sobre os números (desfavoráveis) das sondagens ganha força na caravana.

Há vários dias que Costa já não pede uma “maioria absoluta”. Maioria e estabilidade, sim, mas já não “absoluta” – uma palavra que sempre lhe foi muito cara. “A questão não é saber se há ou não maioria, mas que política nós queremos para o país, o que desejamos para a nossa vida a seguir às eleições”, diz em Leiria, no arranque do dia. À noite, em Viseu, já só pede "uma grande vitória do Partido Socialista".

O foco agora está - com os mesmos argumentos repetidos a cada dia - em mostrar as diferenças para com o PSD, a morder onde dói mais: o programa eleitoral. E, ainda antes da comitiva chegar a Viseu, não faltam exemplos disso mesmo. Entre um “aquilo que verdadeiramente seria um papão era um país governado pelo doutor Rui Rio” e um “eu sou daqueles que gosta de integrar e não de excluir. Mas há outros que têm outro género, gostam mais de excluir do que incluir”.

Até Pedro Nuno Santos alimenta a nova estratégia socialista. Porque, afinal, há um papão à direita e um papão à esquerda. “Se o doutor Rui Rio acha que eu sou um papão, então só tem uma solução: votar em António Costa”, atira em Espinho. E o líder socialista, ao lado, solta uma gargalhada, perante o protagonista (in)voluntário da sua campanha: Rui Rio.

Pedro Nuno Santos juntou-se à caravana em Espinho, com ataque a Rio (Lusa/Miguel A. Lopes)

 

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