A direita fragmentou-se ascendentemente, a esquerda despenhou-se - e o Chega ganhou com isso e ficou com os jovens

19 mai, 17:00
Pedro Nuno Santos André Ventura

ANÁLISE | Portugal virou ainda mais à direita mas é um Portugal em que a direita nem sequer é unida - e o Chega é quem explora melhor essa desunião, diz quem estuda a política. E o Chega é também o partido que começa a explorar mais cedo o potencial dessa desunião - os alunos do secundário são um alvo preferencial, são um eleitorado que inicialmente nem sequer vota mas os miúdos um dia crescem, não é verdade? Mas o Chega vai além: tornou-se também o partido mais competente a seduzir quem já cresceu há muito mas que tinha desistido de votar - os abstencionistas. Que são cada vez menos sendo cada vez mais eleitores do Chega

As contas são simples de fazer mas complexas de entender. Numas eleições marcadas pela queda acentuada da esquerda - que perdeu mais de 600 mil votos -, o crescimento da direita não foi tão proporcionalmente acentuado - teve cerca de 280 mil votos a mais face às eleições do ano passado. Mas é o suficiente para mostrar que Portugal quer - e está - a virar à direita, com votos que não são já só de protesto mas sim de “validação” de uma alternativa política que, segundo a própria, já faz “tremer” o sistema. E faz.

Bruno Ferreira Costa, politólogo e professor na Universidade da Beira Interior, fala dos “novos eleitores” que entraram no jogo nas eleições do ano passado e que este ano quiseram manter-se na linha de ataque. E estes novos jogadores são os “abstencionistas crónicos” que passados anos de toalhas deitadas ao chão continuam descrentes, mas agora têm em quem votar - leia-se Chega - e um eleitorado “moderado e ao centro” que quer mais do que o bloco central é capaz de oferecer, olhando para o Livre como a aposta segura. O resultado: “Numa primeira análise preliminar parece ter havido uma transferência de votos” para o Chega e para o Livre, diz-nos Bruno Ferreira Costa. E quem mais perdeu esses eleitores foi o Partido Socialista, que sozinho deixou fugir quase meio milhão de votos em pouco mais de um ano. “E isso aconteceu depois de oito anos de poder”, afirma Paula Espírito Santo, especialista em Sociologia Política, que olha para esses anos de domínio socialista como uma ferida aberta no partido e nos portugueses.

“Ainda há apenas  três anos tivemos uma maioria absoluta do PS. Esta perda de votos justifica-se por uma liderança que não tem o carisma da anterior e pelas circunstâncias da própria dissolução antecipada da Assembleia da República”, explica a também professora e investigadora no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), que fala ainda de uma “fadiga eleitoral que pode prejudicar o Partido Socialista” - não só pelos quase dez anos no poder mas também por ser visto, por muitos, como o responsável pelo fim da precipitado da legislatura que teve Luís Montenegro como primeiro-ministro (que vai assumir novamente o cargo).

Mas esta fadiga eleitoral acaba por beneficiar quem se diz contra o sistema, quem pede uma oportunidade para fazer diferente do que foi feito nas últimas décadas. O Chega seduz desde 2019 os descontentes, os descrentes, os inconformados, os incompreendidos. E tem conseguido beneficiar ainda da descida da abstenção - o Chega é apontado pelos especialistas como o responsável pelas baixas taxas de abstenção das últimas duas eleições.

Por outro lado: o Chega conquista votos dos eleitores “com baixos rendimentos”, os quais, até agora, “eram um target eleitoral muito do PS e que passa a ser muito forte do Chega”. Mais: o Chega agarrou ainda aqueles que anseiam por algo diferente: “Os dados preliminares podem indicar essa transferência de votos [do PS para o Chega] e a percepção junto do eleitorado de que a oposição a Luís Montenegro e ao status quo era feita pelo Chega e não pelo PS”.

Bruno Ferreira Costa crê que “a maioria” dos até agora “abstencionistas crónicos” saem à rua “claramente para votar no Chega” e “há aqui uma validação do percurso desta proposta política e deste líder”, que, no entender do politólogo, pode ter conseguido a “criação de emoção e empatia” com os episódios clínicos de final de campanha, que o atiraram duas vezes para as urgências hospitalares. Ainda assim, o politólogo diz que os votos do Chega não são mais apenas votos de protesto e que é preciso compreendê-los para entender o fenómeno em que se tornou este partido com pouco mais de seis anos de vida. 

“Não podemos dizer que temos um  milhão e 300 mil fascistas em Portugal, porque assim não conseguiremos compreender os reais motivos destes votos antissistema, antipartidos do arco da governabilidade. Trata-se de uma população que se sente abandonada e descrente”, diz o politólogo, alertando que o “populismo” do partido parece estar a ser mais forte do que as críticas e que essas mesmas críticas podem ter o efeito contrário ao desejado e validar ainda mais André Ventura junto daqueles que já não acreditam nos líderes socialistas ou sociais-democratas.

Os jovens são do Chega

O crescimento do Chega, o aumento (mesmo que muito ténue) de votos na Iniciativa Liberal e a consolidação da AD - Coligação PSD/CDS como predileta para governar mostram que Portugal virou ainda mais à direita. Paula Espírito Santo olha para o resultado destas eleições e vê há “uma fragmentação e uma consolidação” da direita em Portugal, explicando que "os indicadores mostram que o país está a virar a direita e de uma forma  muito afirmativa”, mas que essa viragem não é num só sentido - que é como quem diz, num só partido. “Está a fragmentar, mas é uma fragmentação ascendente", diz, explicando que os eleitores querem alternativas dentro da direita e não apenas as de sempre, como PSD e CDS.

No entanto, é o Chega quem mais vai cativando este eleitorado à direita - e não só. “O que o Chega tem que os outros partidos não têm, sobretudo o PS, é uma liderança forte e uma boa máquina de propaganda, que vai ao encontro das expectativas da comunidade no ponto de vista argumentativo”, incluindo-se aqui os jovens, que têm sido um impulsionador do partido de André Ventura. "Sabemos que o mundo das redes sociais é bastante complexo, há mau uso da informação, mas os dados apontam para uma intensificação do Chega nas redes sociais" - apesar das recente divulgação dos perfis falsos que denigrem o PS e o PSD e fazem a apologia do Chega.

Os jovens têm sido, na verdade, a grande ‘cartada’ do Chega - que, ao contrário dos outros partidos, tem consigo “maximizar” as redes sociais junto deste eleitorado, como diz Bruno Ferreira Costa. Outra exceção é, numa escala mais pequena, o Livre, um dos partidos que o politólogo diz que “emergem fora do centrão político” - e o Livre, por ter uma aposta “mais moderna, ecológica e europeísta”, consegue captar a atenção dos mais jovens, também muito graças a “uma capacidade muito grande do seu líder, Rui Tavares, conseguir explicar as pontes de diálogo para negociação à esquerda”.

Rita Matias com a Juventude do Chega
Rita Matias com a Juventude do Chega

Mas voltando ao Chega: trata-se do partido que consegue o eleitorado mais jovem da direita. “O fenómeno das redes sociais está a ser determinante para essa maximização do partido. É um apoio que chega ao Chega logo no secundário, há um trabalho muito grande nas redes sociais”, vinca o politólogo.

Este PS não é para jovens

Até breve, obrigado a todos.” Pedro Nuno Santos fez um discurso de derrota e de despedida naquela que é uma das noites mais negras do Partido Socialista, que teve o terceiro pior resultado da história do PS em termos de percentagem, tendo a marca só sido pior apenas em 1985, com Almeida Santos, e em 1987, com Vítor Constâncio.

Apesar de Pedro Nuno Santos ter sido taxativo logo a 10 de março de 2024 ao dizer que não iria aprovar qualquer moção de confiança do governo da AD - “Não aprovaremos moções de rejeição, mas agradecemos que não sejam apresentadas moções de confiança, que não aprovaremos” -, o líder do PS é tido como o responsável pela crise política que desencadeou a ida a eleições antecipadas, resultando num dos piores resultados de sempre do PS. Para Paula Espírito Santo, “o desencadear das eleições por via do chumbo da moção de confiança pode ser interpretado como um ato que não revelou maturidade por parte de Pedro Nuno Santos”. “E a história diz que quem desencadeia a crise política é penalizado”, afirma a socióloga política. 

No CNN Top Story desta segunda-feira, o politólogo André Azevedo Alves argumentou que o PS pode estar perante “o pior resultado da sua história”, não tanto pelos milhares de votos perdidos mas sim pela “equivalência” que agora existe com o Chega. “Parece-me que o PS precisa necessariamente de um recentramento, mas a estratégia seguida precisa de ser reequacionada”, disse o politólogo, defendendo que “claramente que este ciclo de PNS chegou ao fim, não só pela própria saída mas pelo rumo que estava a dar ao partido”. Ainda assim, entende que não se pode deixar António Costa de fora na lista de ‘culpados’ pelo mau resultado do PS, porque a “forma como deixou o partido geraria sempre uma situação muito difícil que Pedro Nuno Santos agravou e não soube remediar”.

Também Paula Espírito Santo aponta a “a própria liderança em si” como um factor penalizador para Pedro Nuno Santos. “Além de ser um líder jovem”, diz, “um ano não foi suficiente para uma liderança”, sobretudo para um secretário-geral com “um passado político controverso”. A socióloga política defende, por isso, que Pedro Nuno Santos “precisava de mais tempo para afirmar, mas nunca seria o melhor líder para levar o PS a um novo fôlego político”.

Bruno Ferreira Costa aponta ainda o dedo ao "foco na Spinumviva e não tanto em temas como a habitação e os impostos". Para o politólogo e docente na Universidade da Beira Interior, o PS pecou com a "dramatização de Pedro Nuno Santos no voto útil", o que “não colheu efeito”, ou, pelo menos, o desejado. "Pode ter tido algum efeito no eleitorado do Bloco de Esquerda, mas não no eleitorado mais moderado", diz, até porque viu um Pedro Nuno Santos “muito diferente de 2024, seja na forma como esteve nos debates ou no contexto de campanha que apresentou - não ficou claro qual o verdadeiro Pedro Nuno Santos e qual o verdadeiro PS”. 

Bruno Ferreira Costa considera ainda que as eleições deste domingo deixaram também clara “uma agravante” no Partido Socialista que não é de agora, mas que se tornou muito notória agora: “A elevada e significativa dificuldade de o PS em entrar num eleitorado mais jovem, dos 18 aos 35 anos”.

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