“Até breve, obrigado a todos.” Na noite da sua queda, Pedro Nuno amparou-se no silêncio das palmas

19 mai, 08:08
Pedro Nuno Santos (LUSA)

REPORTAGEM | O quartel-general do PS esteve praticamente vazio durante toda a noite. Silêncio pesado, premonitório. Só depois de os resultados estarem quase fechados é que a sala se começou a compor. Os socialistas quiseram mostrar que estavam com Pedro Nuno Santos nos bons e, sobretudo, nos maus momentos. Este foi um mau momento, ninguém duvida. Acabaram todos por estar com o líder na hora da despedida. No choque de ficar atrás do Chega, houve quem procurasse culpados em Marcelo ou na comunicação social

“Como disse Mário Soares, ‘só é vencido quem desiste de lutar’. E eu não desistirei de lutar. Até breve, obrigado a todos.” Pedro Nuno Santos, primeiros minutos de 19 de maio.

Quando o secretário-geral do PS informa que se demite, no quartel-general montado no Altis, em Lisboa, há quem reaja com um sonoro “não”. Nada há a fazer. A decisão está tomada.

As palmas tomam a sala, contrastando com o silêncio em que esteve mergulhada durante toda a noite. A expressão fechada que Pedro Nuno traz denuncia-o. As escolhas verbais no passado fazem antever o desfecho.

Expressão pesada na hora de comunicar a saída da liderança do PS foto José Sena Goulão/Lusa

“Não me cabe ser suporte deste governo e penso que este papel também não deve caber ao PS.” Separação de águas. Ele já não é a voz do PS.

“Acho que honrei a história do partido. Foi o que tentei fazer ao longo deste ano e cinco meses.” Delimitação de um ciclo.

“Tenho muito orgulho no partido que liderei.” Pretérito perfeito. Liderança concluída.

E o desfecho que, desde o início da noite, se murmurava: “eleições internas, às quais não serei candidato”.

Mulher de Pedro Nuno Santos também esteve presente foto José Sena Goulão/Lusa

Uma “tranquilidade” que escondia algo mais

“Não estou nervoso, estou só expectante. À espera. Como sabem, já no ano passado nós também tivemos resultados nas sondagens à boca das urnas que foram muito diferentes dos resultados finais, o que significa que nós devemos aguardar com tranquilidade.” Pedro Nuno Santos, 18:58 de 18 de maio à chegada ao Altis.

A noite é passada com alguns dos membros do secretariado nacional no tradicional 13º piso do hotel no centro de Lisboa.

Mesmo atrás, com minutos de diferença, o presidente do PS, Carlos César, fala num partido preparado para todos os cenários – inclusive este, de terceira força política (que deve ser confirmada pelos resultados da imigração) e de demissão do líder.

“Os portugueses decidirão no seu melhor juízo e nós, na nossa melhor consciência democrática, aceitaremos a decisão”, diz.

Pedro Nuno Santos à chegada do Altis (José Sena Goulão/Lusa)

Um silêncio ensurdecedor

“Tranquilidade”. É uma das palavras mais repetidas ao longo da noite socialista. Sinal de pouco compromisso com uma vitória que há muito parecia difícil. E tranquilidade – ou melhor, contenção – nos gestos quando os primeiros números são conhecidos nos ecrãs de televisão.

19:55. Sem contar com os repórteres, há menos de 50 pessoas na sala. 20:00. Não se sente que há menos de 50 pessoas na sala. Ouvem-se as páginas dos blocos de notas dos jornalistas a virar. O silêncio total. O choque total. O PS empatado com o Chega.

Bernardo Catarino, membro da Juventude Socialista, é um deles. Passou o dia numa “bolha”, a estudar. “Se calhar mais valia ter continuado a estudar”. Os amigos, ao lado, lembram que ainda é cedo para conclusões. Não se fecha, de todo, uma porta à sucessão, num partido que “sempre se mostrou aberto ao diálogo democrático”. “Se há outros candidatos, eles hão de se apresentar”.

Visão da sala antes de serem conhecidos os resultados foto DR

Mário Soares: duas vezes citado na hora de uma “reflexão profunda”

Vítor Silva e Maria Clara são dos primeiros a chegar a esta morte política. Há um ano, quando o resultado foi um bocadinho melhor, também vieram cedo. “Apesar dos números, a minha reação é de ânimo. O que é preciso é perceber como resolver, fazer o diagnóstico.”

Diagnóstico ou “profunda reflexão”, como lhe chamam outros socialistas. Não há a tradicional sucessão de notáveis pelo Altis. A ausência fazia antever o pior. Na sala de espera do -1, durante toda a noite, Isabel Soares é a figura mais conhecida. Demonstra “estupefação e angústia”: “a subida da extrema-direita assusta-me muito. O PS tem de refletir”.

E cita o pai, Mário Soares, tal como Pedro Nuno acaba a noite a fazer: “Só é vencido quem desiste de lutar”.

À entrada, as palavras de Alexandra Leitão parecem contrariar o desfecho da noite: a demissão. “Está há um ano e meio como secretário-geral, é um secretário-geral com ampla legitimidade, com duas eleições difíceis, com uma vitória nas europeias pelo meio.”

Depois das 23:00, com as contas praticamente fechadas, Ana Catarina Mendes entra a falar num “mau resultado” e a admitir que chegou o “momento de o PS fazer uma reflexão profunda”.

Muito antes deste momento, nas televisões, Sérgio Sousa Pinto avisa que, perante a “calamidade”, a “tragédia”, o “desastre” registado, a atual direção corria o risco de acabar com o PS. E Duarte Cordeiro, amigo próximo de Pedro Nuno, pede uma “reflexão profunda” da continuidade do secretário-geral se o Chega ficasse à frente do PS.

Sala acabou por se encher, embora com poucos notáveis do partido foto DR

Os culpados: dentro e fora do PS

Quando se percebe que não é possível evitar o inevitável, no quartel-general do PS procura-se encontrar culpados fora do PS. Marcelo Rebelo de Sousa e a comunicação social não escapam.

“O primeiro responsável é o Presidente da República, tinha um objetivo e conseguiu: pôr o PSD no Governo”, atira José Vilaça. Outra apoiante, Alexandra Mota Torres, dispara para a imprensa, que passou a campanha a acompanhar em direto “o supositório, a temperatura” do presidente do Chega.

“Não se pode culpar a comunicação social pelo que as pessoas votam, mas a comunicação social forma as pessoas”, acrescenta.

Acabam por concluir que o resultado desta noite é uma conjugação de fatores, inclusive por haver eleitorado que quis “penalizar o PS por ter chumbado a moção de confiança”.

Depois do discurso de Pedro Nuno, seguem juntamente com o auditório vagaroso que sobe as escadas. A noite é difícil, de luto. Há quem procure “novas batalhas” para daqui em diante. E há quem, como Edite Estrela, também dispare contra os mesmos alvos dos socialistas menos conhecidos: Marcelo e a imprensa.

Pedro Nuno deseja sair o mais rapidamente possível para não interferir com decisões que o PS tem de tomar foto José Sena Goulão/Lusa

Nos bons e nos maus momentos

Há uma fase desta noite em que se contam mais hóspedes no lóbi do hotel do que apoiantes no piso de baixo, onde se instalou o quartel-general socialista. Contudo, a sala, que outrora estava vazia, acaba por se encher.

Os socialistas querem mostrar que não estão apenas nas horas boas, de vitória. Estão na derrota e, mesmo sem que muitos o previssem, na despedida de um líder. É a história a desenrolar-se à frente dos olhos de todos.

O carro de Pedro Nuno Santos aproximou-se da entrada do Altis ainda antes das 21:00. Houve quem interpretasse o veículo como um sinal de que a noite ia ser breve, de que o desfecho estava mais do que traçado.

Ainda assim, foi mesmo até à última, para confirmar a posição do PS. Pedro Nuno entra no carro pouco antes da uma da manhã, discursava então Montenegro num outro hotel de Lisboa – a quem o socialista continua a avisar que “não tem a idoneidade necessária para ser primeiro-ministro e [que] estas eleições não alteram isso”.

Visivelmente emocionado na comunicação ao país foto José Sena Goulão / Lusa

À saída, abraços e aplausos. Intensos como aqueles que soam na sala durante o discurso. As expressões pesadas, o ambiente duro. Pedro Nuno quer passar o testemunho o mais depressa possível, “no momento “em que puder”, para não ser “um estorvo” em relação às decisões que o PS tem de tomar - inclusive sobre a realização de uma comissão parlamentar de inquérito ao caso Spinumviva. “Quem vai decidir já não vou ser eu”.

Fica um lamento: “Os partidos que provocaram a instabilidade foram premiados”. E Pedro Nuno, que sempre quis ser o rosto de uma nova estabilidade, segura as lágrimas, embalado nas palmas dos que acham que há motivos para lhe agradecer.

Na despedida do Altis foto José Sena Goulão/Lusa

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