REPORTAGEM | O quartel-general do PS esteve praticamente vazio durante toda a noite. Silêncio pesado, premonitório. Só depois de os resultados estarem quase fechados é que a sala se começou a compor. Os socialistas quiseram mostrar que estavam com Pedro Nuno Santos nos bons e, sobretudo, nos maus momentos. Este foi um mau momento, ninguém duvida. Acabaram todos por estar com o líder na hora da despedida. No choque de ficar atrás do Chega, houve quem procurasse culpados em Marcelo ou na comunicação social
“Como disse Mário Soares, ‘só é vencido quem desiste de lutar’. E eu não desistirei de lutar. Até breve, obrigado a todos.” Pedro Nuno Santos, primeiros minutos de 19 de maio.
Quando o secretário-geral do PS informa que se demite, no quartel-general montado no Altis, em Lisboa, há quem reaja com um sonoro “não”. Nada há a fazer. A decisão está tomada.
As palmas tomam a sala, contrastando com o silêncio em que esteve mergulhada durante toda a noite. A expressão fechada que Pedro Nuno traz denuncia-o. As escolhas verbais no passado fazem antever o desfecho.
“Não me cabe ser suporte deste governo e penso que este papel também não deve caber ao PS.” Separação de águas. Ele já não é a voz do PS.
“Acho que honrei a história do partido. Foi o que tentei fazer ao longo deste ano e cinco meses.” Delimitação de um ciclo.
“Tenho muito orgulho no partido que liderei.” Pretérito perfeito. Liderança concluída.
E o desfecho que, desde o início da noite, se murmurava: “eleições internas, às quais não serei candidato”.
Uma “tranquilidade” que escondia algo mais
“Não estou nervoso, estou só expectante. À espera. Como sabem, já no ano passado nós também tivemos resultados nas sondagens à boca das urnas que foram muito diferentes dos resultados finais, o que significa que nós devemos aguardar com tranquilidade.” Pedro Nuno Santos, 18:58 de 18 de maio à chegada ao Altis.
A noite é passada com alguns dos membros do secretariado nacional no tradicional 13º piso do hotel no centro de Lisboa.
Mesmo atrás, com minutos de diferença, o presidente do PS, Carlos César, fala num partido preparado para todos os cenários – inclusive este, de terceira força política (que deve ser confirmada pelos resultados da imigração) e de demissão do líder.
“Os portugueses decidirão no seu melhor juízo e nós, na nossa melhor consciência democrática, aceitaremos a decisão”, diz.

Um silêncio ensurdecedor
“Tranquilidade”. É uma das palavras mais repetidas ao longo da noite socialista. Sinal de pouco compromisso com uma vitória que há muito parecia difícil. E tranquilidade – ou melhor, contenção – nos gestos quando os primeiros números são conhecidos nos ecrãs de televisão.
19:55. Sem contar com os repórteres, há menos de 50 pessoas na sala. 20:00. Não se sente que há menos de 50 pessoas na sala. Ouvem-se as páginas dos blocos de notas dos jornalistas a virar. O silêncio total. O choque total. O PS empatado com o Chega.
Bernardo Catarino, membro da Juventude Socialista, é um deles. Passou o dia numa “bolha”, a estudar. “Se calhar mais valia ter continuado a estudar”. Os amigos, ao lado, lembram que ainda é cedo para conclusões. Não se fecha, de todo, uma porta à sucessão, num partido que “sempre se mostrou aberto ao diálogo democrático”. “Se há outros candidatos, eles hão de se apresentar”.
Mário Soares: duas vezes citado na hora de uma “reflexão profunda”
Vítor Silva e Maria Clara são dos primeiros a chegar a esta morte política. Há um ano, quando o resultado foi um bocadinho melhor, também vieram cedo. “Apesar dos números, a minha reação é de ânimo. O que é preciso é perceber como resolver, fazer o diagnóstico.”
Diagnóstico ou “profunda reflexão”, como lhe chamam outros socialistas. Não há a tradicional sucessão de notáveis pelo Altis. A ausência fazia antever o pior. Na sala de espera do -1, durante toda a noite, Isabel Soares é a figura mais conhecida. Demonstra “estupefação e angústia”: “a subida da extrema-direita assusta-me muito. O PS tem de refletir”.
E cita o pai, Mário Soares, tal como Pedro Nuno acaba a noite a fazer: “Só é vencido quem desiste de lutar”.
À entrada, as palavras de Alexandra Leitão parecem contrariar o desfecho da noite: a demissão. “Está há um ano e meio como secretário-geral, é um secretário-geral com ampla legitimidade, com duas eleições difíceis, com uma vitória nas europeias pelo meio.”
Depois das 23:00, com as contas praticamente fechadas, Ana Catarina Mendes entra a falar num “mau resultado” e a admitir que chegou o “momento de o PS fazer uma reflexão profunda”.
Muito antes deste momento, nas televisões, Sérgio Sousa Pinto avisa que, perante a “calamidade”, a “tragédia”, o “desastre” registado, a atual direção corria o risco de acabar com o PS. E Duarte Cordeiro, amigo próximo de Pedro Nuno, pede uma “reflexão profunda” da continuidade do secretário-geral se o Chega ficasse à frente do PS.
Os culpados: dentro e fora do PS
Quando se percebe que não é possível evitar o inevitável, no quartel-general do PS procura-se encontrar culpados fora do PS. Marcelo Rebelo de Sousa e a comunicação social não escapam.
“O primeiro responsável é o Presidente da República, tinha um objetivo e conseguiu: pôr o PSD no Governo”, atira José Vilaça. Outra apoiante, Alexandra Mota Torres, dispara para a imprensa, que passou a campanha a acompanhar em direto “o supositório, a temperatura” do presidente do Chega.
“Não se pode culpar a comunicação social pelo que as pessoas votam, mas a comunicação social forma as pessoas”, acrescenta.
Acabam por concluir que o resultado desta noite é uma conjugação de fatores, inclusive por haver eleitorado que quis “penalizar o PS por ter chumbado a moção de confiança”.
Depois do discurso de Pedro Nuno, seguem juntamente com o auditório vagaroso que sobe as escadas. A noite é difícil, de luto. Há quem procure “novas batalhas” para daqui em diante. E há quem, como Edite Estrela, também dispare contra os mesmos alvos dos socialistas menos conhecidos: Marcelo e a imprensa.
Nos bons e nos maus momentos
Há uma fase desta noite em que se contam mais hóspedes no lóbi do hotel do que apoiantes no piso de baixo, onde se instalou o quartel-general socialista. Contudo, a sala, que outrora estava vazia, acaba por se encher.
Os socialistas querem mostrar que não estão apenas nas horas boas, de vitória. Estão na derrota e, mesmo sem que muitos o previssem, na despedida de um líder. É a história a desenrolar-se à frente dos olhos de todos.
O carro de Pedro Nuno Santos aproximou-se da entrada do Altis ainda antes das 21:00. Houve quem interpretasse o veículo como um sinal de que a noite ia ser breve, de que o desfecho estava mais do que traçado.
Ainda assim, foi mesmo até à última, para confirmar a posição do PS. Pedro Nuno entra no carro pouco antes da uma da manhã, discursava então Montenegro num outro hotel de Lisboa – a quem o socialista continua a avisar que “não tem a idoneidade necessária para ser primeiro-ministro e [que] estas eleições não alteram isso”.
À saída, abraços e aplausos. Intensos como aqueles que soam na sala durante o discurso. As expressões pesadas, o ambiente duro. Pedro Nuno quer passar o testemunho o mais depressa possível, “no momento “em que puder”, para não ser “um estorvo” em relação às decisões que o PS tem de tomar - inclusive sobre a realização de uma comissão parlamentar de inquérito ao caso Spinumviva. “Quem vai decidir já não vou ser eu”.
Fica um lamento: “Os partidos que provocaram a instabilidade foram premiados”. E Pedro Nuno, que sempre quis ser o rosto de uma nova estabilidade, segura as lágrimas, embalado nas palmas dos que acham que há motivos para lhe agradecer.