Arqueólogos encontraram a fórmula para garantir "a vida eterna" das múmias

CNN Portugal , MJC
2 fev 2023, 12:42
Achados arqueológicos na necrópole de Saqqara, Egito (AP)

Mais de cem vasos, encontrados na necrópole de Saqqara, têm inscrições com informações sobre o que continham e instruções sobre como usar essas substâncias

A análise a mais de cem vasos encontrados pelos arqueólogos na "cidade dos mortos" de Saqqara, no Egito, permitiu identificar as substâncias usadas pelos antigos para embalsamar os seus mortos. Além disso, segundo conta o El Pais, muitos desses vasos têm inscrições com informações sobre o que continham e instruções sobre como usar as substâncias para preparar as múmias para a vida eterna.

Apesar de vários papiros de embalsamamento e análises recentes de vários restos mumificados, o complexo processo de mumificação da civilização egípcia permanece em grande parte um mistério.

Sabe-se que usavam cera de abelha, betume obtido no Mar Morto, óleos de cedro do atual Líbano ou óleos de pistacho dos territórios persas e, em particular, natrão (carbonato de sódio), um sal usado tanto para salgar a carne como para conservar os cadáveres. Mas faltava saber como, quando e onde se usava cada material. Faltava as proporções e faltava identificar as substâncias específicas referidas por alguns termos egípcios que aparecem com muita frequência nos escritos, como "antiu" e "sefet". Muitas dessas instruções estão na cerâmica agora achada.

Nas necrópoles do antigo Egito existiam oficinas que, como as funerárias de hoje, preparavam os que iam para o além. A necrópole de Saqqara, a 24 quilómetros do Cairo, foi a principal cidade dos mortos em Menfis (capital do Antigo Império) durante mais de três mil anos. Em 2016, os arqueólogos descobriram uma oficina de embalsamamento a poucos metros da pirâmide do rei Unas. A oficina tinha várias salas, mas destaca-se a "wabet", a sala de evisceração (extração das vísceras). Lá, encontraram mais de cem vasos, muitos deles já quebrados, com 2.700 a 2.550 anos.

Ilustração de embalsamamento na necrópole de Saqqara, Egito (AP)

Utilizando técnicas sofisticadas de análise de materiais, os arqueólogos detetaram muitas das substâncias utilizadas pelos embalsamadores, mas também algumas desconhecidas e, sobretudo, muitas misturas. Melhor: dezenas de vasos têm instruções: inscrições hieroglíficas que contam o que estava lá dentro ou como usá-lo.

Num dos vasos, por exemplo, consta que o seu conteúdo é para ser usado na cabeça. Após a retirada do cérebro, devia aplicar-se uma mistura de resina de pistacho, cedro e óleo de cipreste ou zimbro, juntamente com a essência de elemi. Este último vem de uma resina exsudada por árvores do Sudeste Asiático. Para as ligaduras de linho com as quais o corpo era envolvido, outro dos vasos continha uma mistura de elemi, novamente com óleo de cipreste, gordura animal e um óleo, que a análise química sugere ser de azeitona. Para a pele e para aplicar no terceiro dia, outro recipiente continha cera de abelha aquecida e gordura animal, láctea ou adiposa. Todo o processo de embalsamamento durava 70 dias, com orações e diferentes tratamentos aplicados sequencialmente.

O egiptólogo da Universidade Ludwig Maximilian de Munique (Alemanha), Philipp Stockhammer, coautor do estudo, disse “estar fascinado pelo conhecimento químico dos antigos egípcios”. Em conferência de imprensa, explicou: “No processo de embalsamamento, depois de o corpo ser removido do sal de natrão, a pele corre imediatamente o risco de ser colonizada por micróbios, que a devorariam. Eles sabiam quais as substâncias que tinham de colocar na pele, compostos antibacterianos e antifúngicos para mantê-la bem preservada.” Tinham conhecimento de microbiologia, sem saber nada sobre bactérias.

Achados arqueológicos na necrópole de Saqqara, Egito (AP)

Um dos vasos agora encontrados contém um composto à base de óleo de rícino, usado como antisséptico e fungicida. Em seis cacos de vasos há informações sobre as substâncias para lavar o corpo, reduzir o odor corporal e até devolver maciez à pele. Outros continham compostos à base de goma de dâmar, ainda hoje usados ​​como verniz, para serem aplicados na pele. Em vários existem adesivos naturais para envolver o cadáver com linho. 

A investigação, publicada na Nature, ajuda a relacionar alguns termos dos papiros de embalsamamento com a substância a que efetivamente se referiam. Num comunicado à imprensa, a investigadora da Universidade de Tübingen (Alemanha) e responsável pela escavação, Susanne Beck, afirma que "os nomes de muitos dos ingredientes para embalsamamento são conhecidos desde que os antigos escritos egípcios foram decifrados, mas, até agora, só podíamos adivinhar quais as substâncias que estavam por trás de cada nome.”

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