O estado da educação em Portugal: alunos sem professores e sem psicólogos, docentes sem progressão na carreira e cursos com poucos candidatos

Agência Lusa , AM
26 jan 2023, 07:36
Crianças na escola

Relatório publicado esta quinta-feira analisou os dados da Direção-Geral da Administração Escolar sobre fatores variados como os recursos humanos das escolas

Mais de 26 mil alunos estiveram sem aulas no ano letivo passado por falta de professores, revela o relatório “Estado da Educação”, que alerta que os salários impedem os docentes de aceitarem vagas onde as rendas são elevadas.

O Conselho Nacional de Educação (CNE) analisou os dados da Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE) e concluiu que, dos cerca de um milhão de alunos no ensino público, “foram afetados 26.742 alunos ao longo do ano letivo de 2021/2022” por falta de docentes em escolas de norte a sul do país.

“O número de horas sem professor variou ao longo do ano, sendo que foi no mês de maio que as escolas reportaram o maior número de horas a concurso e de alunos afetados”, refere o relatório “Estado da Educação 2021”, divulgado esta quinta-feira.

As situações mais complicadas registaram-se com alunos das escolas da Área Metropolitana de Lisboa, seguida da região do Algarve e da Área Metropolitana do Porto.

Segundo o CNE, a falta de professores a Português deixou 2.453 alunos em aulas, assim como houve 2.166 estudantes sem Informática, 1.901 sem Geografia e outros 1.867 sem Inglês.

Mas também foram afetadas mais de mil crianças (1.321) do 1.º ciclo, assim como outras 1.010 com necessidades educativas especiais que, no ano passado, ficaram sem aulas de “Educação Especial”.

A lista das disciplinas e alunos afetados é extensa e inclui aulas de Música ou de Língua Gestual que ficaram por dar.

Professores doentes, turmas extensas e aposentações: os motivos da falta de docentes

Os motivos apontados pelas escolas para a falta de professores incluíram docentes doentes, aumento do número de turmas, aposentação ou licença de paternidade. Sendo que a substituição por doença abrange mais de 80% dos casos, refere o relatório.

A dificuldade em arranjar um substituto está, invariavelmente, associada ao custo de vida das regiões onde se situam as escolas e o custo de fazer as viagens quando a casa fica a muitas centenas de quilómetros de distância.

Com horários de trabalho que por vezes são de apenas algumas horas por semana, os professores não conseguem fazer face às despesas: “O custo de vida, sobretudo ao nível da habitação, tem dificultado a deslocação e fixação de professores nestas regiões”, sublinha o relatório.

Há vários anos que os sindicatos têm reivindicado junto do Ministério da Educação medidas como a criação de uma espécie de subsídio de habitação e de transporte para que os professores possam aceitar vagas em escolas que ficam longe de casa.

Vários estudos têm alertado para a necessidade de contratar mais professores para as escolas, uma vez que esta é uma classe envelhecida e a cada ano que passa são mais os que se reformam.

Um retrato feito à classe mostra que 22% dos docentes das escolas públicas do continente têm pelo menos 60 anos, o que “significa que nos próximos seis ou sete anos estes docentes poderão sair do sistema educativo, por motivo de aposentação”, refere o estudo.

Há dois anos, no ano letivo de 2020/2021, mais de metade dos professores (55%) tinha pelo menos 50 anos de idade. A única exceção era no 1.º ciclo, onde os maiores de 50 representavam 42,1% do total dos professores primários.

Faltam professores e jovens interessados na profissão

Outro problema identificado no relatório é o de haver poucos jovens interessados na profissão.

“A procura dos cursos que conferem habilitação profissional para a docência tem vindo a diminuir nos últimos anos e o número de diplomados nesses cursos poderá não ser suficiente para suprir as necessidades futuras de professores”, alerta o relatório.

A maioria dos professores que atualmente dá aulas tem mais de 50 anos e o número de reformados é superior aos de novos diplomados, refere o relatório.

“A carência de professores, que já se faz sentir e que se perspetiva (…) aliada ao baixo número de estudantes a frequentar cursos de formação de educação, nomeadamente o curso Ensino de Física e Química no 3º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário, parece constituir um problema acrescido no futuro”, lê-se no estudo, que indica haver apenas 23 alunos no curso de Físico-Quimica.

No ano letivo de 2020/2021, apenas três alunos terminaram a formação necessária para poder dar aulas de Física e Química a alunos do 3º ciclo e secundário, segundo dados disponíveis no relatório.

Mas esta não é a única disciplina problemática: naquele ano, apenas três alunos terminaram a formação para dar aulas de Economia e de Contabilidade e outros oito ficaram aptos para ensinar Filosofia a alunos de secundário.

“Salienta-se que é igualmente baixo o número de diplomados em cursos que conferem habilitação para a docência de Português e Línguas estrangeiras no 3º ciclo do ensino básico e no ensino secundário”, com apenas 49 diplomados, acrescentam os investigadores.

Dos cursos que permitem dar aulas de Matemática ao 3º ciclo e secundário saíram 21 diplomados, para ensinar Informática estavam prontos mais 18 jovens e para ensinar Biologia e Geologia a alunos do 3º ciclo e secundário havia mais 26 novos diplomados.

No total, em 2021 diplomaram-se 1.531 estudantes, com destaque pela positiva para o Ensino de Educação Física (390 diplomados) e o de Educação Pré-escolar e ensino do 1º ciclo (298 diplomados).

Os sindicatos de professores têm culpado os sucessivos Governos por não darem aos professores condições de trabalho e salariais que tornem a profissão atrativa para os mais jovens.

“Em 2020/2021, inscreveram-se no 1.º ano dos vários cursos de mestrado que habilitam para a docência 2.324 estudantes”, sendo que os cursos com mais estudantes inscritos foram os de educação Pré-escolar e Ensino do 1º ciclo, seguindo-se o curso de Ensino de Educação Física.

“A procura dos cursos que conferem habilitação profissional para a docência tem vindo a diminuir nos últimos anos e o número de diplomados nesses cursos poderá não ser suficiente para suprir as necessidades futuras de professores”, alerta o estudo.

Faltam psicólogos nas escolas

As escolas têm falta de psicólogos para apoiar os alunos, revela o relatório “Estado da Educação 2021”, que salienta o facto de alguns destes profissionais trabalharem simultaneamente em várias escolas e com diferentes níveis de ensino.

No ano letivo passado, havia um rácio de um psicólogo para 744 alunos, segundo o relatório, que sublinha que tem havido uma “redução progressiva do número médio de alunos por horário de psicólogo equivalente a tempo integral, nos últimos quatro anos, no continente”.

No entanto, este número continua acima do valor máximo definido por várias “organizações internacionais de referência, que sugerem que o rácio não deverá ultrapassar os 500 a 700 alunos por psicólogo”.

O CNE sublinha que o rácio de alunos por psicólogo pode ser determinante para a qualidade dos serviços prestados, com a agravante de “frequentemente a ação destes profissionais se dividir por várias escolas e por diferentes níveis de educação e ensino”.

A situação é bastante melhor nas ilhas: no ano passado, nas escolas açorianas, cada psicólogo tinha, em média, 419 alunos. No entanto, nesse ano, houve um aumento médio de 31 alunos por técnico especializado, interrompendo a tendência decrescente dos últimos anos.

Os psicólogos representavam mais de metade dos “Técnicos Especializados” que estão nas escolas, segundo o relatório do CNE, que indica que a maior parte dos 1.509 horários é ocupada por psicólogos (636), seguindo-se os terapeutas da fala (366) e os terapeutas ocupacionais (137).

Professores têm de trabalhar em média até aos 62 para alcançarem topo da carreira

Os professores precisam de trabalhar, em média, 39 anos e ter 62 anos de idade para chegar ao último escalão da carreira.

Há vários anos que os sindicatos denunciam a precariedade dos docentes, conhecidos por “andar com a casa às costas” ao sabor de vagas que abrem nas escolas e de novos contratos de trabalho, assim como a existência de mecanismos que impedem a progressão quando finalmente conseguem ingressar na carreira.

Em média, um professor passa os primeiros 16 anos de trabalho a dar aulas com contratos que se vão sucedendo. Durante esse período, o salário é sempre o mesmo.

Quando finalmente se conseguem vincular aos quadros do Ministério da Educação têm, em média, 47 anos de idade e quase 16 anos de serviço.

Quando chegam ao 4.º escalão deparam-se com quotas e vagas de acesso ao 5.º, o que dificulta a progressão.

No passado ano letivo, um em cada quatro docentes dos quadros (25,4%) estava no 4º escalão, e apenas 6,3% estava no escalão seguinte.

Muitos professores nunca atingem o topo da carreira ou, quando chegam, estão à beira da reforma, segundo os dados do relatório, que mostram que os professores das escolas públicas do continente precisam, em média, de “39 anos de serviço e 62 anos de idade para ascender ao último escalão remuneratório”.

Apesar de serem uma classe envelhecida - a maioria tem mais de 50 anos - apenas 16% estão no 10.º escalão: Os professores portugueses são dos europeus que precisavam de mais anos de serviço para atingir o topo da carreira, segundo o relatório da OCDE “Education at a Glance 2022”.

No início do ano, o ministro da Educação sublinhou, no parlamento, que nove em cada dez docentes tinham progredido dois escalões na carreira desde 2018, apesar de reconhecer que tal não significa que “é tudo uma maravilha e que não há motivo de descontentamento”.

Os salários são um dos motivos que levam os professores a sair à rua e o relatório do CNE diz que “Portugal é também um dos países onde o salário de início de carreira, dos professores do 3º Ciclo do Ensino Básico e ensino secundário, é inferior à média da OCDE”, mas “o salário de topo é superior à média”.

Apesar da precariedade e dos baixos salários, a maioria dos docentes tem uma licenciatura ou um grau equiparado e, na última década, houve um aumento progressivo do número de doutorados ou mestres, refere o CNE.

O envelhecimento da classe docente – quase 22% tem pelo menos 60 anos - e a pouca atratividade da profissão faz com que haja falta de professores, um problema que também se sente entre os docentes do ensino superior.

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