Desejos para 2025? "Que o meu filho tenha todos os professores". Pais desesperam e recorrem a explicações para as crianças não ficarem para trás

1 jan, 08:00
Escola

Os filhos de Rita, Joana e Ana Sofia vivem agora na pele as consequências da falta de professores nos últimos anos letivos ou no início deste. Alguns sem aulas a disciplinas cruciais como Português ou Matemática. Se alguns alunos têm sido capazes de recuperar sozinhos, outros não o conseguem fazer sem apoio extra e outros ainda não conseguem recuperar de todo. As medidas apresentadas pelo MECI para fazer face à falta de docentes não convencem os sindicatos e deixam os pais a incluir professores para os filhos nos desejos para 2025

A filha de Rita Lobato está prestes a completar 18 anos, frequenta o 11º ano, já está a tirar a carta de condução, mas tem um percurso escolar atribulado, marcado pela falta de professores. Os efeitos destas ausências ainda hoje se fazem sentir.

“Nos 7º, 8º e 9º anos, praticamente não teve Matemática. Foram mais as aulas que não teve do que as que teve”, contabiliza a mãe, em conversa telefónica com a CNN Portugal.

A filha frequentava nessa altura a Escola Secundária Camilo Castelo Branco, em Carnaxide, que compõe o Agrupamento de Escolas de Carnaxide. O agrupamento faz parte da chamada “lista de escolas carenciadas”, criada pelo Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI), “aquelas em que no próprio ano letivo e nos dois anos letivos anteriores se verificou a existência de alunos sem aulas durante, pelo menos, 60 dias consecutivos”, conforme se pode ler no decreto-lei de 28 de agosto deste ano.

“A falta de professor de Matemática por períodos tão prolongados refletiu-se no percurso académico dela. Posso dizer-lhe que, no 9º ano, teve de recorrer a explicações. Conseguiu passar no 9º ano ‘rés-vés’, porque teve uma explicadora, caso contrário, teria chumbado”, admite Rita Lobato, psicóloga de profissão.

O ensino secundário foi iniciado num curso profissional de ação escolar, com o qual a jovem não se identificou. No ano seguinte, mudou para um curso de design de interiores e, em dezembro de 2023, nova mudança, desta feita para um curso científico-humanístico de Ciências. “Nesse ano, chumbou a Matemática, no 10º ano. Agora, está completamente a zeros a Matemática. Tira notas como dois ou três em 20”, lamenta.

Rita Lobato acredita que parte da explicação para a falta de aproveitamento da filha na disciplina se prende com a ausência de bases da filha nos anos cruciais do terceiro ciclo: “Temos a clara perceção que a falta de professores nos 7º, 8º e 9º anos foi absolutamente determinante para falta de competências dela a Matemática nesta altura do percurso académico”.

Sem Francês “um único dia”

Joana Gonçalves, diretora de operações numa empresa, tem dois filhos. A mais velha, Madalena, frequenta agora o 9º ano na Escola Secundário Arco-Íris, na Portela de Sacavém, que pertence ao Agrupamento de Escolas Portela e Moscavide, outro que pertence à lista dos ‘carenciados’. No 8º ano, não teve “um único dia” de Francês. A escola não conseguiu candidatos para nenhum dos concursos de colocação de professores, nem para as ofertas de escola entretanto abertas.

A turma iniciou o ano sem professor a “uma ou duas disciplinas”, que, entretanto, foram “repostos”, mas “Francês nunca chegou a ter”.

“Nós pais propusemos à escola ter Espanhol em vez de ter Francês. A escola não deu essa opção, alegando que o professor que tinham na escola já tinha horário completo e também não conseguiam pôr outro professor de Espanhol”, relata Joana Gonçalves.

“Por acaso, não me preocupa tanto porque não vai influenciar a vida académica dela. Se fosse outra disciplina, uma das cruciais, como Português ou Matemática, tê-la-ia colocado em explicações. Ela é muito boa aluna a Inglês. Vai continuar a ser certamente boa aluna a Inglês”, admite Joana Gonçalves.

200 euros por mês em explicações

A nutricionista Ana Sofia Rodrigues gasta, por mês, cerca de 200 euros num centro de estudos para que o filho tenha apoio a Português. O pré-adolescente frequenta o 7º ano numa escola de Setúbal e só a poucos dias de terminar o primeiro período começou a ter aulas de Português. E não foi a única ausência de docentes que a turma teve.

“Na primeira reunião, a diretora de turma comunicou logo que não havia professor de Português, porque a professora se tinha reformado. No primeiro dia de aulas, as professoras de Geografia e de Inglês meteram baixa e tinham de esperar 12 dias até pedir professor para as substituir. Entretanto, voltaram ambas. Mas o de Português foi mais difícil de repor”, relata, em conversa telefónica com a CNN Portugal.  

“Os representantes de pais pediram uma reunião com a diretora de escola. Em nosso nome, levantaram várias hipóteses à direção, como distribuir os horários por outros professores do quadro. Mas só ao final de dois meses é que conseguiram fazer a divisão de horários e para a turma do meu filho, veio uma professora, que está a completar horário”, conta.

Pelo meio, escreveram à DGEstE (Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares), mas nunca obtiveram sequer resposta. “A falta de um professor de Português é gritante! Já é a disciplina em que esta geração sente mais dificuldade e já era uma disciplina que vinha identificada como sendo das que a turma tinha mais dificuldades. Com as férias de verão e o tempo que estiveram sem aulas, as lacunas são muito grandes. E, além disso, é uma disciplina crucial para o aproveitamento a outras disciplinas: sem Português, nunca conseguirão interpretar um problema matemático, por exemplo”, lamenta Ana Sofia.

O filho da nutricionista frequenta um cento de estudos e tem apoio a Português “como se estivesse na sala de aula”. “Felizmente, posso pagar. Gasto cerca de 200 euros por mês em explicações. Posso dizer-lhe que 80 ou 90% dos colegas dele têm explicações. Mas e os que os pais não conseguem pagar?”, questiona, lamentando que a falta de professores venha exponenciar as desigualdades no acesso à Educação.

Mesmo agora, já com professor, Ana Sofia mantém o filho no centro de estudos: “A turma está com dois meses de atraso a Português em relação às outras turmas do 7º ano. Mantenho-o nas explicações, porque acho que vai ter sempre este atraso até final do ano letivo e a nossa preocupação é eles irem para o 8º ano sem bases”.

Quanto a Inglês e a Geografia, as outras disciplinas a que a turma iniciou o ano sem professor, o atraso na matéria é menor, mas “nota-se que se carregou um pouco no acelerador”.

“O que vale é que é uma miúda inteligente”

Leonor, a filha mais velha de Joana Ribeiro, tem 14 anos e frequenta o 9º ano. Os 7º e 8º anos ficaram marcados pela falta de professores. “No 7º ano, teve falta de professor a História durante grande parte do ano letivo, assim como de Educação Visual. No 8º ano, o professor de Francês só veio em janeiro. Mas, a meio do segundo semestre, desapareceu e ela ficou sem professor outra vez”, conta.

Não precisou de contratar explicações para a filha, mas reconhece que “o que vale é que é uma miúda muito inteligente e consegue, por ela, agarrar a disciplina com o pouco que lhe dão”. “Comprei-lhe alguns manuais de apoio, tem acesso à escola virtual e foi estudando sozinha ao longo do ano. Este ano, os professores que ficaram com alguma matéria em falta, tentaram fazer um apanhado para tentar ver se minimizavam os estragos que a falta de professor provocou”, diz Joana Ribeiro.

Ao contrário de Joana, os pais de muitos dos colegas de Leonor tiveram de investir dinheiro extra em explicações. “Conheço muitos miúdos que não foram capazes sozinhos e tiveram que recorrer a explicações e a centros de estudos”, relata.

2 mil alunos ainda não tiveram aulas a pelo menos uma disciplina

O movimento cívico de professores Missão Escola Pública apresenta uma contabilidade preocupante. De acordo com números recentemente divulgados pelo grupo, na antena da CNN Portugal, há “cerca de dois mil alunos que não tiveram qualquer aula a pelo menos uma disciplina, desde o início do ano letivo”.

“Neste momento, temos cerca de 30 mil alunos sem aulas a pelo menos uma disciplina. (…) Mas quero frisar que, além dos 30 mil que estão sem aulas, temos muitos mais sem professor. Temos muitos horários entregues a recursos humanos que não são profissionalizados em ensino. De acordo com um número recente, 174 foram os recursos humanos que obtiveram colocação e vinculação sem profissionalização e sem qualquer experiência em ensino, sem um único dia de tempo de serviço. Além da falta de professores, temos outra agravante que pode estar a comprometer os conhecimentos dos nossos alunos”, sublinha Cristina Mota, porta-voz do movimento.

Por isso, reclamam “medidas estruturais” que venham fazer face à falta de docentes. E lembram que há cada vez mais professores a reformarem-se, sem perspetivas de que possam vir a ser substituídos num curto prazo. “A última vez que tivemos um número de reformas nesta ordem foi em 2013, ainda sob tutela do ministro Nuno Crato, que promoveu o que nós chamamos o maior número de despedimentos e reformas antecipadas que teve lugar e que muito contribuiu para esta situação”, diz Cristina Mota.

“Lembramos que as medidas que estão a ser aplicadas são completamente inconsequentes. Já tínhamos alertado que as medidas propostas pelo ministro Fernando Alexandre não teriam impacto e está, de facto a confirmar-se. Somos governados na Educação por pareceres… parece que está tudo bem. Parece que os professores aposentados a regressar vêm resolver o problema, o que não é verdade. Parece que os números apontados pelo ministro estão certos, o que não é verdade”, acrescenta.

Também a FENPROF (Federação Nacional dos Professores) mostra preocupação e aponta “falta de eficácia” dos planos do MECI. A 18 de dezembro, o secretário-geral desta estrutura sindical, Mário Nogueira, considerava que o ministério demonstra “falta de ambição para resolver o problema”. “Os alunos sem professor este ano não andam longe dos (números) do ano passado”, disse Mário Nogueira, revelando que “ao longo do primeiro período de aulas, sem considerar ausências de curta duração, mais de 300 mil alunos estiveram, no mínimo, três semanas a um mês sem um professor”.

“Professores exaustos”

A FENPROF alerta ainda para outro problema que uma das medidas avançadas pelo MECI estará a criar. De acordo com a estrutura sindical, os professores realizaram no primeiro período de aulas mais de 60 mil horas extraordinárias. "Em média, um em cada dois docentes teve uma hora extraordinária adicionada ao seu horário de trabalho", revelou Mário Nogueira, baseando-se no levantamento feito em 203 agrupamentos de escolas de todo o país, que representam 25,1% da totalidade de estabelecimentos de ensino.

Por detrás desta média, estão realidades como a do Agrupamento de Escolas de Ericeira que atribuiu 371 horas extraordinárias ou o Agrupamento de Escolas de Aveiro que deu 294 horas extraordinárias, segundo o levantamento da Fenprof.

“Os professores foram sobrecarregados com mais de 60 mil horas extraordinárias só no primeiro trimestre de aulas”, disse Mário Nogueira, alertando que “isto está a levar muitos colegas a entrar num processo de exaustão sendo possível que alguns destes colegas entrem em situação de baixa a meio do ano letivo”.

Os números de que o ministro se arrepende

Há pouco mais de um mês o Governo anunciava a redução de alunos sem aulas durante o primeiro período em 89%. Sindicatos de professores e oposição duvidaram dos números apresentados pelo ministro da Educação. Uma semana depois, Fernando Alexandre veio admitir que os números de alunos sem aulas não eram fiáveis e lamentar ter apresentado os dados que tinha apresentado.

“Confrontado com dados contraditórios, o MECI [Ministério da Educação, Ciência e Inovação] considerou não existir fiabilidade na informação prestada pelos serviços sobre o ano letivo de 2023/24, colocando em causa o rigor de todos os dados que têm vindo a público, incluindo o valor de referência escolhido pelo Governo para a avaliação do efeito das suas medidas, assim como os dados divulgados pelo ex-ministro João Costa”, escreveu o ministério em respostas enviadas ao Expresso.

“Lamento ter apresentado aquele dado. Obviamente que, se tivesse o conhecimento que tenho hoje das fragilidades dos sistemas de informação, não teria quantificado o objetivo [redução de 90%] por referência aos elementos do ano passado. Mas não me parece que tenhamos de pedir desculpas, porque estamos completamente focados em reduzir o problema dos alunos sem professor e tomámos 17 medidas que estão a ter efeito e os diretores reconhecem. Estamos a trabalhar pela escola pública como há muito tempo não se trabalhava”, assegurou o ministro, a 28 de novembro, adiantando que decidiu pedir uma auditoria externa aos dados sobre alunos sem aulas no passado ano letivo.

“Se eu tivesse dinheiro, mantinha-os no privado”

Por razões financeiras, Joana Gonçalves tirou os filhos do ensino privado e colocou-os na escola pública. Sublinha que, “no ensino publico, há professores com muito mérito e muito amor à profissão”, como a professora de Vicente (o filho mais novo, que está no 4º ano) e que a mãe não se cansa de elogiar. Porém, garante que “acredita muito no ensino público”, mas, se pudesse, não teria tirado os filhos do ensino privado. “A Madalena vai para o 10º ano e o Vicente vai para o 5º. Preocupa-me muito a falta de professores, mas também a qualidade do ensino, a facilidade com que os professores colocam baixas, privando os alunos de aulas e as greves. Tira toda a credibilidade de uma greve, as greves serem feitas à 6ª feira e com a cadência que têm sido feitas”, aponta.

“Se tivesse capacidade financeira para os manter no privado, tê-los-ia mantido no privado. Os pais no público têm de fazer outro tipo de trabalho que não precisam de fazer no privado. No privado, os pais e os alunos são mais ouvidos”, lamenta.

Rita Lobato regressa aos tempos de aluna e recorda, brincando, que, nessa altura, “até desejava, de alguma forma, que não houvesse professores. “Agora, como mãe, arrependo-me desses desejos. É mesmo importante que não haja falta de professores. Eles têm de cumprir os currículos na mesma. Quando, finalmente, se consegue repor um professor, dão a matéria a correr e os alunos têm de andar a 300% para acompanhar. Os bons alunos, que têm centros de estudos e apoios, até se vão safando. Os outros ficam pelo caminho”, lamenta.

Ana Sofia Rodrigues vive com a sensação de que os anos letivos não são planeados com antecipação. “No caso do meu filho, já sabiam que uma professora se ia reformar e as outras estavam doentes, como é que vão atribuir estes professores às turmas?”, questiona, deixando um desejo para 2025: “O meu desejo é que, no primeiro dia de aulas, eu chegue à reunião e me digam que o meu filho tem todos os professores. Já nem digo para este ano letivo, mas que para o próximo que ele não tenha falta de professores”.

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