Listas divulgadas mostram uma realidade que se repete há anos: os colégios privados aparecem no topo e as escolas de meios desfavorecidos do ponto de vista socioeconómico voltam a marcar presença nos últimos lugares das tabelas. Os rankings são feitos com base nas notas dos exames nacionais e a pergunta impõe-se: afinal o que tem uma escola que leva os alunos a tirarem boas notas?
Pelo segundo ano consecutivo, é uma escola no interior do país que lidera a tabela das escolas públicas com melhor média nos exames nacionais. Foi na Escola Secundária de Vouzela, no distrito de Viseu, que os alunos tiraram, em média, melhores notas nos exames. Uma tabela encabeçada por colégios de ensino privado, particular ou cooperativo e onde é preciso descer quase 40 lugares na lista, três pontos percentuais na média e fazer uma hora de carro para chegar a Vouzela. A pergunta impõe-se: afinal o que faz com que os alunos de uma escola tenham mais sucesso académico do que os de outra? Paulo Guinote, professor de História e mentor do blogue sobre Educação “O Meu Quintal” é perentório na resposta: “O ambiente socioeconómico envolvente e expectativas das famílias”.
“O envolvimento familiar e expectativas da família com meios sociais, culturais e económicos para apoiar o aluno e exigir, de certa forma, do aluno o retorno do investimento que faz nele é determinante para o seu sucesso académico. As escolas onde estão os alunos com melhores classificações estão em zonas que têm elites sociais e económicas com expectativas para os seus filhos e que pressionam as direções não para os filhos passarem a qualquer custo, mas para os filhos estarem bem preparados para os exames nacionais”, diz, sublinhando, contudo, que uma escola não deve ser olhada apenas sob o prisma do sucesso académico.
Cristina Mota, professora de Matemática na Escola Secundária do Pinhal Novo e porta-voz do movimento cívico Missão Escola Pública, assina por baixo: “A relação da família com a escola é bastante importante. Os alunos que têm os seus encarregados de educação empenhados no seu percurso escolar têm, regra geral, melhores resultados do que os alunos que o não têm. O envolvimento das famílias é indispensável e deveria ocorrer de forma a não ser só para monitorizar os resultados académicos”.
A motivação dos alunos… e dos professores
Para Cristina Mota, a chave para o sucesso académico dos alunos está na motivação. “É necessário que as escolas tenham uma oferta que vá ao encontro das expectativas dos alunos”, diz.
A professora dá como exemplo um aluno que é obrigado a frequentar determinado curso ou área educativa, porque a escola que frequenta não lhe oferece aquilo para que está vocacionado. É, constata, um aluno que vai tirar notas mais baixas do que aquelas que poderia tirar se estivesse mais motivado.
“Nos Estados Unidos, existem as magnets schools, que foram criadas para atrair um determinado perfil de alunos. Não só alunos de um nível socioeconómico determinado ou origem étnica e cultural, mas alunos vocacionados para determinadas áreas curriculares. São escolas especializadas. Os alunos que estão nessas escolas estão a estudar aquelas que são as suas áreas vocacionais. Quando estamos a fazer algo que gostamos e em que temos um maior interesse, temos mais sucesso. Em Portugal, não existe essa cultura de especialização das escolas. Tirando as escolas artísticas, que naturalmente aparecem muito bem classificadas nos rankings, não há escolas especializadas em Portugal”, acrescenta Paulo Guinote.
“Não temos escolas viradas para o desporto, viradas para a saúde, viradas para a música. A música desaparece do currículo no 7.º ano. Não faz sentido um país que tem 800 e tal agrupamentos só ter 12 escolas artísticas”, diz ainda.
Cristina Mota considera que também a motivação dos professores tem um peso importante na nota dos alunos: “É necessário estarem todos dispostos a aprender a ensinar para haver bons resultados”.
“A motivação com que o professor se dirige à escola todos os dias influencia o seu trabalho. Ainda que acredite que qualquer professor faça o melhor quando entra na sala de aula com os seus alunos, ele também encontra motivação nas condições das escolas, na valorização da carreira e num modelo de gestão onde a sua opinião é valorizada”, exemplifica.
O facto das escolas com melhores classificações internas e nos exames nacionais serem aquelas onde a estabilidade do corpo docente é maior e estarem situadas em regiões do país onde há menos escassez de professores mostra também a importância dos professores no sucesso académico dos alunos. “A estabilidade do corpo docente é muito importante. As escolas cujo corpo docente é mais estável e com menos falta de professores têm tido melhores resultados. Permite um trabalho contínuo e a continuidade pedagógica é muito importante”, considera Cristina Mota.
As condições físicas das escolas também são apontadas pelos dois professores como fatores importantes para o sucesso académico dos alunos. “Os alunos de uma escola que está à espera do senhor jeitoso da câmara vir arranjar o estore olham para a escola de forma diferente daqueles que tem sempre tudo arranjadinho”, exemplifica Guinote.
Nem só de notas se faz uma boa escola
Tal como Paulo Guinote e Cristina Mota, também David Rodrigues, especialista em Educação, professor e ex-presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial, sublinha que “uma boa escola” é muito mais do que as boas notas dos alunos. “O conceito de boa escola tem mudado ao longo dos tempos. O que é uma boa escola hoje não era há 50 anos, nem vai ser daqui a 50. Hoje, quando pensamos numa boa escola não pensamos numa escola que tem a função de passar informação e conhecimento. Hoje, a escola tem a função mais de analisar a informação, mediar a informação, ser um travão às fake news, de cultivar o espírito crítico e ajudar os alunos a terem uma posição em relação à informação que recebem por outras vias. A escola hoje tem a função de ajudar a desenvolver uma identidade do aluno, de uma maneira interativa e relacional”, considera o professor.
Tal como Paulo Guinote e Cristina Mota, também David Rodrigues sublinha que não se podem medir as escolas pelas notas dos alunos: “Seria como se fosse comprar um carro e olhasse só para a velocidade que é capaz de atingir. Quando quero comprar um carro também não olho só para a velocidade e preocupo-me com outros fatores como conforto, fiabilidade…”.
“Era importante que os rankings das escolas se baseassem também noutros fatores que ditam o que é uma boa escola, como a classificação interna e o abandono escolar”, acrescenta Cristina Mota.
Equidade, inclusão e diversidade
Os especialistas ouvidos pela CNN Portugal apontam ainda a indisciplina como um fator que contribui para o insucesso académico. “Uma escola com muitos processos disciplinares e com toda a burocracia que lhes está associada faz com que alunos e professores estejam menos disponíveis. Escolas onde a indisciplina aumenta sem que se encontre resposta são escolas com piores notas”, diz Cristina Mota.
Um dos aspetos que considera importantes é a forma como as escolas recebem os alunos estrangeiros. Cristina Mota diz que “nem sempre as escolas conseguem dar resposta a estes alunos” e que “talvez um ano zero para estes alunos pudesse evitar algum do insucesso que temos”.
“É uma realidade que tem de ser discutida e encontrar-se respostas suficientes. Há alunos que não percebem uma palavra daquilo que o professor está a dizer. Têm Português Língua Não Materna, mas em paralelo têm todas as outras disciplinas, sem preparação para o efeito. Além disso, a forma como as escolas recebem os alunos estrangeiros difere de escola para escola. Devia haver diretrizes do Ministério da Educação e não há”, acusa Cristina Mota.
David Rodrigues diz que se tivesse de aconselhar um pai ou uma mãe na escolha da escola para o filho lhe diria sem hesitar: “Não escolha a escola através do ranking. O ranking é sobre alunos e não sobre as escolas. As escolas fazem o melhor que podem com os alunos que têm. Vá à escola, converse com a escola, pergunte que projetos têm, que projetos estão a desenvolver com a comunidade, o apoio que dão aos alunos.”
“Olhe para a forma como a escola trabalha a diversidade dos seus alunos, a inclusão, o apoio aos alunos carenciados. Há escolas que têm 80% de alunos com Apoio Social Escolar. São alunos que não conseguem sequer pagar as refeições que fazem nas escolas. Há escolas que trabalham sobretudo com comunidades imigrantes, com comunidades ciganas. Alunos que precisam de maior apoio”, prossegue, para lançar um desafio à tutela: “Vamos fazer um ranking com escolas que melhor acolhem os alunos imigrantes, que melhor trabalho fazem com os alunos pobres”.
David Rodrigue sublinha ainda que “uma boa escola é aquela que consegue proporcionar aos seus alunos oportunidades iguais para terem sucesso” e destaca que “a questão da inclusão tem uma dimensão muito maior nas escolas públicas do que no colégio privado”. “Se uma escola pública pudesse peneirar os alunos, como podem fazer as escolas privadas o sucesso académico seria muito semelhante”, diz estar convencido.
David Rodrigues recorda os “exemplos maravilhosos” de escolas que encontra pelo país com projetos de interação com a comunidade. “Existem muitas escolas por esse país que trabalham com a banda filarmónica da terra, com o grupo desportivo, com os bombeiros… E isso sim, são escolas que desenvolvem projetos para proporcionar aos alunos experiências de desenvolvimento pessoal importantes”, diz.
“O Abel Salazar é que dizia que um médico que só saiba de medicina, nem de medicina sabe”, cita, para rematar.
A descida das escolas públicas no ranking anual
Na conversa com a CNN Portugal, Paulo Guinote questiona as razões porque é que todos os anos as escolas públicas caem mais uns lugares no ranking. A Escola Secundária de Vouzela, que voltou a ser a melhor escola pública este ano, de acordo com a tabela elaborada pela Lusa, numa parceria com a CNN Portugal e com a TVI, aparece em 39.º lugar. As primeiras 38 escolas da tabela são privadas. No ano passado a escola de Vouzela estava um lugar acima no ranking.
“Há 20 anos, no top 30 dos rankings tínhamos metade das escolas públicas. Agora, temos duas ou três, ou até nenhuma, dependendo dos critérios adotados para elaborar o ranking. As escolas públicas, à medida que lhes foram introduzidos mecanismos que disseram que eram para melhorar, afundaram-se em relação aos colégios privados”, analisa o mentor do blogue “O Meu Quintal”.
“Até que ponto as políticas desenvolvidas desde 2008/2012 não foram negativas para o desempenho dos alunos? Porque é que, nos últimos 15 anos, as escolas públicas desaparecem dos topos dos rankings? Tem de haver uma explicação para isso”, acrescenta Paulo Guinote.
O professor diz ainda que “dentro das escolas públicas temos uma rede escolar a três velocidades”: “Temos escolas públicas com muito boas condições, que nem sequer estão no topo dos rankings, temos escolas que fazem o que podem com as poucas condições que têm e temos escolas públicas com péssimas condições.”