Confinamentos e máscaras atrasaram desenvolvimento das crianças. Há mais a precisar de terapia da fala e são cada vez mais velhas

22 fev 2022, 21:53

Os sucessivos confinamentos durante a pandemia e o uso continuado das máscaras deixaram marcas no desenvolvimento das crianças. Educadores de infância e professores têm dificuldade em entender os alunos e os terapeutas da fala confirmam que a procura pela terapia aumentou. Em alguns casos, o aumento chegou a 200%

Fernanda Santos é educadora de infância há mais de 20 anos, mas nunca tinha referenciado tantas crianças para a terapia da fala como agora. “Há meninos com cinco anos que vão agora para a escola e que não conseguem dizer uma frase corretamente”, alerta Fernanda.

Não tem dúvidas que esta é uma consequência dos vários confinamentos durante a pandemia: “O estar sozinho em casa, agarrados aos tablets, aos telemóveis, a ver muita televisão, a falta de convívio com os pares prejudicou imenso o desenvolvimento dos meninos”. E dá alguns exemplos: “Uma fala mais abebezada, aqueles costumes de “xixinha”, o “pópó”… Esses diminutivos que as crianças falam com os pais e quando vêm para a escola vão perdendo isso muito cedo porque estão num contexto diferente, com crianças mais velhas e vão aprendendo a falar corretamente”.

Telma Pereira é diretora clínica e terapeuta da fala num centro de desenvolvimento em Lisboa que registou um aumento de 170% na procura de terapia de 2020 para 2021. “Sobretudo em crianças mais pequeninas, com idades compreendidas entre os dois e os três anos da idade que apresentam um vocabulário mais reduzido, uma estrutura frásica também mais curtinha e às vezes desorganizada”, explica Telma.

O efeito das máscaras

De acordo com Telma, as máscaras também têm limitado a aprendizagem das crianças. “O uso de máscara veio dificultar a perceção que as crianças têm da forma como nós produzimos os sons. E perdem toda a leitura labial”.

É o caso da Benedita, que já era acompanhada no centro antes da pandemia. “Tem dificuldades em percecionar qual é o som e depois associar a uma letra”, explica a terapeuta.

Apesar de não haver estudos nem números oficiais, a perceção destes profissionais é a de que a necessidade e a procura pela terapia da fala aumentou em todo o país.  No Porto, a diretora clínica e terapeuta da fala Alexandrina Martins fala num aumento de mais de 200% entre janeiro de 2020 e janeiro de 2022.  

Sentimento de culpa

“Temos aqui famílias em que as mães e os pais carregam muita culpa no sentido de nos dizerem: «Quando estava a brincar achava que devia estar a trabalhar e quando estava a trabalhar achava que devia estar a brincar»”, realça Alexandrina. 

O uso de máscaras e a falta de contato com outras pessoas atrasou o desenvolvimento da comunicação nas crianças. Foto: Patrícia de Melo Moreira/AFP via Getty Images

Ana Isabel Pereira trouxe Pedro, o filho mais novo, para uma sessão. "Eu e o pai do Pedro estávamos em teletrabalho e temos mais dois filhos, mais velhos do que o Pedro, que também estavam a ter aulas online em casa e, portanto, o Pedro estava em segurança, mas sem grande estímulo na comunicação da nossa parte”.

Pós-pandemia

Os profissionais acreditam que as crianças podem recuperar desde que haja um acompanhamento próximo e adaptado. Mas Telma Pereira alerta que os problemas de comunicação têm sido detetados em crianças cada vez mais velhas.

“Têm nos chegado muito para avaliação durante este mês crianças que estão em final de ciclo, no quarto ano de escolaridade, ou início do segundo ciclo, quinto ano de escolaridade, e nós continuamos a avaliar crianças pós-pandemia da mesma forma que avaliávamos crianças pré-pandemia. O que não faz muito sentido, não podemos fechar os olhos e fingir que estes dois anos não aconteceram na nossa vida e sobretudo na vida das crianças.”

No ano passado, a Sociedade Portuguesa de Terapia da Fala já tinha alertado para o impacto que a exposição excessiva aos dispositivos eletrónicos poderia ter no desenvolvimento das crianças e a interferência das máscaras no processo comunicativo e social dos bebés e crianças.

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