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Diretor executivo CNN Portugal

O cinismo da demissão de Cabrita, o ministro que foi sempre “passageiro”

3 dez 2021, 18:52

Eduardo Cabrita demitiu-se simultaneamente tarde de mais e cedo de mais. É um timing cínico, depois de manter-se alapado apesar de tudo o fez, e antes de ser onerado por isso em eleições. Vitimizou-se como sempre. Escusou-se como sempre. No banco de trás como sempre. No lugar do vivo. “Eu sou passageiro”, dissera sobre o acidente na A6 horas antes de se demitir – ou de fazer de conta que não foi demitido. A palavra aplica-se duplamente: fez-se de “passageiro” e não de condutor em todas as polémicas; e acabou como sendo passageiro num tempo político longo mas vazio.

Nem vale a pena aprofundar os “casos” – o acidente na A6 de um automóvel a 163km/h que matou um trabalhador; a morte de Ihor Homeniuk nas instalações do SEF; os migrantes em Odemira; os festejos no campeonato do Sporting em pandemia; as golas inflamáveis -, basta recordar o contraste entre a sua responsabilidade e a sua responsabilização. Foi sempre “vítima de aproveitamento político”, foi sempre inimputável, foi sempre ninguém na assunção das consequências políticas – e foi sempre o amigo do primeiro-ministro até que o primeiro-ministro pôs as eleições à frente do seu amigo. Não sabemos que conversas houve entre os dois amigos, mas a própria reação de Ana Paula Vitorino – sua mulher, a quem por isso mesmo não se pode exigir o distanciamento que ninguém no seu lugar teria – fala da “gentalha” do PS. Gentalha.

Defenestraram Eduardo Cabrita porque ele ia ser um problema para o PS nas eleições. O mesmo PS que o suportou durante meses insustentáveis, na arrogância do poder que agora arriscam perder. Há eleições dia 30 de janeiro e isso explica tudo o que antes ninguém conseguia explicar: que Eduardo Cabrita se mantivesse ministro.

O ministro que só caiu depois do Parlamento cair despediu-se com uma conferência de imprensa de anúncio de demissão inenarrável no autoelogio e na vitimização. Eduardo Cabrita, já vai tarde mas vai cedo, na repetição da desresponsabilização em tempos políticos diferentes. É por isso que o cinismo maior neste desfecho é do PS.

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