Juros da dívida até 2027 davam para pagar mais de duas “bazucas” europeias

ECO - Parceiro CNN Portugal , Luís Leitão
29 mai 2023, 18:00
António Costa e Fernando Medina no Parlamento (Lusa/ José Sena Goulão)

Os próximos cinco anos vão contar com um crescimento de 5,1% por ano dos juros da dívida e por um avolumar da bola de neve da dívida pública para um montante recorde de quase 282 mil milhões de euros

O preço da dívida pública vai disparar mais de 50% nos próximos dois anos. Segundo as últimas previsões do Governo explanadas no Programa de Estabilidade 2023-2027 (PE 23-27), a fatura dos juros da dívida pública vai passar de 4,7 mil milhões de euros em 2022, cerca de 1,96% do PIB, para 7,4 mil milhões de euros já em 2025 (o equivalente a 2,8% do PIB). E não ficará por aqui.

As estimativas do Governo de António Costa apontam para que, após 2025, o fardo dos juros continue a crescer a um ritmo médio de 5,1% por ano para um valor recorde de 8,5 mil milhões de euros em 2027. Isto significa que, depois de em 2022 ter-se alcançado a despesa com juros mais baixa desde 2005, nos próximos cinco anos, os contribuintes pagarão quase 38 mil milhões de euros de juros sobre a dívida pública nacional.

Trata-se de um montante equivalente a mais de dois Planos de Recuperação e Resiliência (PRR) ou o suficiente para construir cinco aeroportos de raiz em Alcochete. A confirmarem-se estes números, “perspetiva-se uma inversão da trajetória de redução dos encargos com juros no PIB iniciada em 2015, estando previsto um aumento de 0,8 pontos percentuais do PIB entre 2022 e 2027″, refere o Conselho das Finanças Públicas, no relatório de análise do PE 23-27.

Pressão dos juros da dívida pública

Os próximos cinco anos vão ser marcados por uma subida avassaladora dos juros da dívida, que se traduzirá numa fatura anual acima dos 7 mil milhões de euros já a partir de 2024, com os juros a pesarem quase 3% do PIB.

O impacto da subida dos juros na gestão da dívida será de tal ordem, que o aumento da fatura estimada com os encargos com juros para o período 2022-2027 anulará por completo a redução conseguida entre o final de 2014 e 2022.

“A manter-se a estratégia das ‘contas certas’ para o futuro, se aumentar o peso dos juros, o Governo vai cortar/cativar noutra despesa qualquer. E, por isso, o défice deve manter-se próximo da linha de água”, refere José Cardoso Moreira, professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto.

A subida da fatura dos juros nos próximos anos será causada por duas dinâmicas:

  • Subida da taxa de juro: o Governo estima que a taxa de juro da dívida passe de 2% em 2022 para 2,3% este ano, suba para 2,7% em 2024 e mantenha-se nos 2,8% até 2027.
  • Aumento da dívida: o stock da dívida pública passará de 276,5 mil milhões de euros no final do ano passado para um valor recorde de quase 282 mil milhões de euros em 2027.

“Com o aumento das taxas de juro que tivemos este ano e que, provavelmente, vão persistir, pelo menos até ao final de 2024, é natural que a dívida que vamos emitir a uma taxa mais alta para substituir a dívida que expira com taxas baixas do passado leve a um aumento do pagamento dos juros”, refere Ricardo Reis, professor na London School of Economics.

Por essa razão, Ricardo Reis destaca a “importante prioridade de o BCE controlar a inflação até ao final de 2024, para que as taxas de juro possam baixar.” Se isso acontecer, o professor da London School of Economics acredita que, depois do aumento esperado dos juros em 2024, irá registar-se uma redução nos anos seguintes e a situação será gerível. “Mas, se o BCE falhar, então a fatura dos juros será uma enorme preocupação”, vaticina.

A procrastinação da decisão em cortar na dívida pública pesará severamente nas costas das próximas gerações, que terão de lidar com uma bola de neve de dívida muito mais pesada e mais “viciada” do que a do presente.

Bola de neve da dívida continuará a deslizar e a crescer

A economia nacional continua a apresentar um nível de endividamento muito elevado. Os dados do Banco de Portugal divulgados na quarta-feira revelam que o endividamento do setor não financeiro (administrações públicas, empresas e particulares) sobe há três meses consecutivos. Em março, o endividamento da economia aumentou quase 100 milhões de euros para o valor recorde de 802,1 mil milhões de euros, o equivalente a 335% do PIB. Há um ano, esse rácio era de 329% e, em dezembro, não ultrapassava os 332% do PIB.

O fardo da dívida pública também não tem dado descanso: nos últimos 30 anos, apenas por uma ocasião o stock da dívida pública caiu (2021) e apenas marginalmente (cerca de 0,46%). Nem mesmo quando o PIB nominal cresceu a um ritmo anual superior à dívida pública, como sucedeu nos últimos seis anos (com exceção de 2019, quando o PIB nominal afundou 6,5% e a dívida pública aumentou 8,2%), o Governo tomou como prioridade reduzir a fatura da dívida. A mesma dinâmica deverá persistir nos próximos cinco anos, segundo as previsões do Executivo refletidas no PE 23-27.

Um fardo que não para de engordar

Ao longo dos últimos 30 anos, a redução do stock da dívida pública nunca foi uma prioridade, nem mesmo quando a economia apresentava taxas de crescimento acima da média. E continuará a não ser uma prioridade, pelo menos nos próximos cinco anos.

“Num momento de grandes desafios para as economias globais, entre os quais se destaca a necessidade de combater as alterações climáticas através de investimento na transição energética, é importante assegurar que os Estados mantêm a capacidade para apoiar as economias nessa transição, assegurando níveis de investimento adequados e dando suporte às transformações que o mercado de trabalho enfrenta”, justifica fonte oficial do Ministério das Finanças ao ECO.

Como argumento para não baixar o stock da dívida pública, a mesma fonte do ministério liderado por Fernando Medina nota ainda que “é também importante manter a capacidade de reforço progressivo dos rendimentos, tanto de salários como de pensões, conforme plasmado no Programa de Estabilidade.”

Nas contas públicas, a procrastinação da decisão em cortar na dívida pesará severamente nas costas das próximas gerações, que terão de lidar com uma bola de neve de dívida muito mais pesada e mais “viciada” do que a do presente. “A prioridade deveria ser cortar no stock de dívida, porque enquanto não nos livramos de uma parte substancial da mesma, o país não será livre de afetar os seus recursos como pretender”, refere José Cardoso Moreira.

No entanto, o professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto sublinha que “este é o tipo de decisão que é política” e, atualmente, “a sensação que se tem é que o Governo tem receio de reduzir o stock de dívida… porque vão haver gritos de que a austeridade está de volta.”

Fernando Medina, ministro das Finanças, na apresentação do Programa de Estabilidade 2023-2027, a 17 de abril de 2023. (Hugo Amaral/ECO)

A sustentabilidade do rácio da dívida face ao PIB

A dificuldade em cortar na dívida pública não é nova. Vem de longe e tem sido algo recorrente por vários Governos e diferentes governantes. “Para pequenos países como Portugal e Espanha, pagar a dívida é uma ideia de criança”, referiu José Sócrates, ex-primeiro-ministro, numa palestra do polo Universitário de Poitiers, em Paris, em dezembro de 2011. “As dívidas dos Estados são por definição eternas. As dívidas gerem-se. Foi assim que eu estudei”, afirmou Sócrates.

O drama desta afirmação é quando as taxas de juro sobem e a economia não responde da mesma forma. Nessa altura, o país vê-se confrontado com uma dificuldade extrema de pagar os juros da dívida e também em obter financiamento nos mercados. O resultado é, em muitos casos, um resgate ao estilo que Portugal vivenciou a 6 de abril de 2011, justamente durante o governo de José Sócrates.

Nas últimas projeções do Governo, a dívida pública deverá ter um crescimento mais modesto nos próximos cinco anos face ao passado. Segundo o PE 23-27, o stock da dívida pública deverá engordar a um ritmo médio de 0,66% por ano até 2027: desde 1996 que não houve um período de cinco anos em que a dívida pública registasse um ritmo de crescimento tão reduzido como o que o Governo estima para o próximo quinquénio.

“O Governo está comprometido com o objetivo de reduzir o peso do endividamento nas contas públicas”, refere fonte oficial do Ministério das Finanças ao ECO, reforçando que estão “delineadas políticas públicas que contribuem para o duplo objetivo de promover o crescimento da economia e manter um saldo orçamental em torno do equilíbrio.” Sinal desse objetivo é a queda de 21,9 pontos percentuais do rácio da dívida pública face ao PIB nos próximos cinco anos, passando de 113,9% do PIB em 2022 para 92% do PIB em 2027.

“O contributo favorável do efeito PIB nominal é preponderante na dinâmica da dívida prevista no PE 23-27, contribuindo para uma redução de 25,3 pontos percentuais do PIB em termos acumulados, ficando este contributo a dever-se na sua maior parte ao crescimento dos preços (15,6 pontos percentuais)”, refere o Conselho das Finanças Públicas, liderado por Nazaré da Costa Cabral, no documento que faz a análise ao PE 23-27.

Sustentabilidade da dívida

O Governo espera colocar o rácio da dívida pública face ao PIB abaixo da fasquia dos 100% já em 2025. Para isso acontecer, o Governo espera que o stock da dívida pública aumente ao ritmo mais baixo dos últimos 30 anos e que o PIB nominal cresça, em média, 5,1% por ano, cerca de 1,4 vezes mais que o crescimento registado na última década.

A expectativa para a queda do rácio da dívida face ao PIB até 2027 é tão expressiva que, em praticamente todas as intervenções públicas, o ministro das Finanças tem elencado esse feito. Ainda esta semana, por ocasião da conferência anual da CMVM, Fernando Medina voltou a destacar que Portugal fechará 2023 com uma dívida abaixo dos 110% do PIB, passando da terceira para a sexta posição do ranking das economias mais endividada da Zona Euro.

Apesar do feito, Ricardo Reis chama a atenção para que um nível da dívida que ronde os 100% do PIB “ainda nos deixa expostos a uma possível crise, no seguimento de um choque que aumente a defesa ou traga recessão, ou alternativamente de um pânico nos mercados da dívida pública”. No entanto, o professor da London School of Economics destaca que a probabilidade de isso acontecer é menor do que a dívida voltar a rondar os 120%, como Portugal vivenciou na última década.

Por essa razão, considera que “embora controlar a dívida pública e gradualmente reduzir o seu fardo deva ser, sem dúvida, uma prioridade, não vejo razões fortes para ser crítico das previsões do Governo. Seria defensável fazer mais, talvez também um pouco menos.

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