Não é uma droga nova mas está na berra. A "cocaína rosa" varreu a Europa e é um risco para os jovens

26 set, 08:00
Cocaína rosa (Joaquin Sarmiento/AFP via Getty Images)

De um laboratório bioquímico para as ruas, da Colômbia para a América e, décadas após o “sucesso” do lado de lá do Atlântico, é um fenómeno na Europa. Um fenómeno que preocupa as autoridades, mas ainda não as portuguesas - apesar de já estar aqui bem perto, em Espanha. O preço a pagar é alto (90 euros por grama) e os efeitos imprevisíveis (devido à impureza da composição) podem levar mesmo à morte

Pode conter MDMA, vulgo ecstasy, e cetamina, um anestésico; pode ainda apresentar substâncias sintéticas como 2C-B e 4-CMC - ambas psicadélicas -, além de cafeína e corantes de sabor a morango, que lhe conferem uma coloração rosa. Um cocktail a que se chamaria “cocaína rosa” ou “cocaína rosada” - embora não contenha qualquer quantidade de cocaína. 

“Chamaria” porque esta droga foi primeiro sintetizada em 1974 pelo bioquímico americano Alexander Shulgin. Em 2010 surge nas ruas uma variante moderna que apareceu na Colômbia - e espalhou-se da América Latina a Nova Iorque num ápice. Agora, em 2024, a “cocaína rosa” parece ter ganhado popularidade na Europa, sobretudo entre os jovens (um grama custa em torno de 90 euros, quase o dobro da cocaína), em países como Reino Unido e Espanha.

E é, pelo menos aqui, um problema que preocupa autoridades e governos, até porque não estará (como em quase nenhuma droga) garantida a pureza dos compostos - uma recomendação habitual feita aos jovens consumidores é testarem, através de kits de verificação de drogas, a composição desta nova “cocaína”.

O consumo em Espanha não parece ser por enquanto uma preocupação real em Portugal. É pelo menos o que afirma João Goulão, presidente do Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD). “Já ouvi vagamente falar da ‘cocaína rosa’, mas não tenho, por agora, nenhuma informação sobre o uso em Portugal”, assegura. E prossegue o homem que lidera o ICAD e autoridade europeia no tema da toxicodependência e consumos: “O mercado de consumo em Portugal e Espanha é diferente. Por exemplo, a heroína que esteve bem presente nas décadas de 1980 e 1990 em ambos os países, no início do século quase desapareceu em Espanha mas continuou em Portugal. Em Espanha, no início do século, a cocaína ‘explodiu' e o crescimento do consumo em Portugal tem vindo a ser paulatino”.

Em Portugal não há registo também de qualquer apreensão de “cocaína rosa”, ao contrário do que tem sido notícia no país vizinho - sobretudo em locais como Ibiza, um epicentro da diversão nocturna - , mas por toda a Europa (Reino Unido à cabeça) têm-se registado mortes associadas à “cocaína rosa”, sobretudo por overdose ou complicações associadas à impureza das substâncias presentes no cocktail. Um estado de inconsciência e a incapacidade respiratória são duas das consequências mais apontadas. 

A atração das camadas mais jovens pela “cocaína rosa” - a que também muitos chamam “tuci”, “Venus” ou “Eros” - justifica-se por esta garantir efeitos simultaneamente alucinogénios e estimulantes mais prolongados, além, claro, da sua imagem. O “marketing” é importante, explica João Goulão: “Sim, há uma estratégia, há múltiplas estratégias, das entidades que se dedicam à introdução de drogas - e que não têm escrúpulos - para alcançar a faixa etária mais jovem”. E alerta: “O presidente da agência europeia das drogas já disse que nunca como agora houve tantas drogas disponíveis nem tanta gente - incluído jovens - a utilizar. A realidade é essa e, claro, resulta também das estratégias dos traficantes, que tornam as drogas mais ‘apelativas’ e disponíveis em quantidade e variedade”. 

Podendo ser consumida em pó ou em comprimido, a “cocaína rosa” é procurada sobretudo em ambiente nocturno, numa esfera um tanto mais elitista — não é uma droga “de rua” e os 90 euros/grama afastam muitos interessados —, e por consumidores sem passado ligado às drogas. Uma realidade, apesar de tudo, já vista noutras épocas. 

“A verdade é que o policonsumo, ou seja, uma mistura de substâncias, lícitas e ilícitas, cocktails totalmente disparatados, é uma realidade das sociedades, não só a portuguesa e não só agora. E é evidente que o consumo de múltiplas substância potencia os riscos, seja pela adição, seja por haver os chamados efeitos antagónicos, choques no nosso metabolismo. O caso mais famoso é o ‘speedball’, a mistura de cocaína e heroína, com efeitos realmente graves”, conclui João Goulão. 

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