Teresa transformou o seu centro hípico num abrigo para cães, gatos e galinhas resgatados do incêndio: "Podem ficar aqui até terem uma família"

Teresa transformou o seu centro hípico num abrigo para cães, gatos e galinhas resgatados do incêndio: "Podem ficar aqui até terem uma família"

Quando começou a ver as notícias sobre os incêndios na região de Aveiro, Teresa Limas lembrou-se logo dos animais. "Comecei a entrar em pânico, a pensar, oh meu deus, o que é que esta malta vai fazer aos animais?", recorda a jovem de 20 anos. De imediato teve a ideia de abrigar os animais que fossem afetados no seu centro hípico, um espaço verdejante no Lugar de Badoucos, Santa Maria da Feira. Fez uma publicação muito simples nas redes sociais, anunciando: "Para quem necessitar, temos espaço suficiente para deixarem os vossos animais de porte pequeno ou grande connosco". "Pensei que podia chegar no máximo a 200 pessoas, mas não fazia mal, se ajudasse uma ou duas já seria bom."

Essa publicação acabou por superar em muito as suas expectativas. "As pessoas foram ajudando a partilhar e neste momento estamos com dez mil partilhas", revela. "Estou mesmo muito grata a essas pessoas porque consegui chegar mais longe e ajudar os animais que precisavam." Pouco depois, começou a receber telefonemas de associações e logo começaram a chegar os bichos, sobretudo vindos de Ossela, Oliveira de Azeméis, uma das regiões mais fustigadas pelos incêndios.

A publicação de Teresa na página de Facebook do Centro Hípico da Feira já ultrapassou as 10 mil partilhas

Teresa estava preparada para receber cabras, cavalos, ovelhas. Chegou até a preparar uns cercados para poder acomodar os animais. Mas, afinal, chegaram 15 cães, sete gatos, dois galos e quatro galinhas - que se vieram juntar aos cavalos e aos cães que já moravam ali. Os cães e as galinhas ficaram instalados nas boxes que se destinavam aos cavalos mas estavam vazias, os gatos estão num espaço que já foi uma cozinha mas agora não está em funcionamento. 

Houve instituições, como o Canil Intermunicipal da Associação de Municípios das Terras de Santa Maria, que teve de retirar todos os animais quando o fogo se aproximou, outros animais foram recolhidos nas habitações. "Foi uma situação muito, muito intensa", explica Tomás Pires um dos ativistas do IRA - Intervenção Resgate Animal, que passou a semana na zona de Aveiro. "O que sentimos é uma grande desilusão e uma grande frustração por vermos que estes incêndios continuam a repetir-se, ano após ano, pondo em ricos não só as populações mas também os animais." O objetivo na organização é sempre salvar o maior números de bichos. A zona de Albergaria foi a mais complicada, foi aí que foram encontrados mais animais carbonizados.

O Canil Intermunicipal da Associação de Municípios das Terras de Santa Maria foi evacuado quando as chamas se aproximaram
Membros do IRA passaram a semana em Aveiro, onde testemunharam a morte de dezenas de animais

Várias associações da zona, como a Aanifeira - Associação de Animais da Feira e a ComRaça - Equipa de Resgate Animal disponibilizaram-se para receber os animais que ficaram sem casa. O Centro Hípico da Feira - Cavalos & Companhia, de Teresa Limas, juntou-se a elas: "Um dos cãezinhos foi mesmo retirado do meio do fogo e uma gatinha foi retirada de uma casa em chamas, mas conseguiram retirá-los a tempo, estão todos bem", garante.

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"Quem está habituado aos cavalos está habituado aos animais de porte mais pequeno"

Teresa convenceu os pais a comprarem o centro hípico, quando este estava prestes a fechar. (Imagem: Sofia Marvão)

"Eu sou aquela pessoa que quer sempre pegar em todos os animais." Teresa Limas sempre gostou de animais, de todos os animais, desde pequenina, e começou cedo a aprender a andar a cavalo. De tal forma, que decidiu fazer disso a sua profissão. "Os meus pais apoiaram-me muito", conta. "A minha mãe tem uma loja de decoração em Aveiro e o meu pai é distribuidor de farinhas, tem uma empresa dele. Não têm nada a ver com este negócio. Fui eu que os convenci a comprar este centro hípico, os donos queriam fechá-lo e eu achei que seria uma boa oportunidade." O pai acompanhou-a nos primeiros meses, ensinou-a a lidar com os clientes, explicou-lhe como funcionavam os impostos. "Eu não sabia nada", admite Teresa. "Depois, quando ele viu que eu já conseguia estar sozinha, deixou-me. E acho que até tenho conseguido gerir isto bem", diz, orgulhosa.

Daniel Vaz, funcionário do centro hípico, tem também 20 anos. Durante as manhãs, Teresa e Daniel tratam dos cavalos e de toda a limpeza. À tarde, Teresa dá aulas de equitação. Quinta-feira é o dia de folga dos cavalos, que precisam de descansar. Ao sábado há aulas durante todo o dia e ao domingo o espaço pode ser alugado para para outras atividades, como sessões de hipoterapia, festas de aniversários, workshops. Às vezes também recebem as crianças de um ATL, que vão ali brincar e contactar com os cavalos. E no verão organizam passeios pelas região, conta Teresa com grande entusiasmo. 

Teresa conta com a ajuda de Daniel Vaz no tratamento dos animais e na manutenção do espaço. (Imagem: Sofia Marvão)

Nos últimos dias, as rotinas alteraram-se ligeiramente. Os animais resgatados têm de estar fechados, o que não é o ideal, mas para já é a solução possível, não só para não fugirem mas também porque são muitos e seria impossível controlá-los naquela propriedade enorme. "Daqui a bocado eu o Daniel vamos soltar os cães, para eles passearem, mas com trelas." Claro que têm mais trabalho, mas nenhum deles se queixa. "Até agora tem sido tranquilo, nós temos uma boa gestão. É só mais um bocadinho de trabalho. Quem está habituado aos cavalos está habituado aos animais de porte mais pequeno, são mais fáceis de lidar."

E os desafios são também uma aprendizagem: por exemplo, Teresa não fazia ideia de como tratar as galinhas, teve de ligar a um amigo a perguntar. "Só é preciso água, milho, ração e poleiro. Poleiro não temos, mas acho que elas se desenrascam assim por agora", ri-se. "Sei que não temos todas as condições para eles, não temos caminhas para todos nem outras comodidades, mas têm proteção e alimentação, e isso é o principal."

Apesar das condições, o centro garante "proteção" e "alimentação". (Imagem: Sofia Marvão)

Esta semana, devido aos incêndios, a zona tem tido "muito fumo e foi difícil respirar". Nesses dias não houve aulas de equitação e os cavalos foram colocados dentro das boxes para estarem mais abrigados. "Caso acontecesse alguma coisa, os cavalos estavam prontos, e nós também estávamos prontos, para retirar, tínhamos transportes e local alternativo para colocar os animais. Tínhamos mesmo tudo pronto se fosse necessário. Graças a Deus não aconteceu, está tudo calmo para estas zonas."

Ração é muitas vezes oferecida por associações e outras pessoas. (Imagem: Sofia Marvão)

A maior preocupação agora é com a comida, mas tem recebido muitas ajudas, quer de associações quer de outras pessoas que têm aparecido com sacos de ração, latas, até brinquedos para os bichos. Também disponibilizou um número de MBWay: "Temos o dinheiro todo de lado para estes animais. Para já, temos bastante alimentação para eles, à vontade para três meses. Eu não me importo de ficar com eles até arranjarem uma casa, podem ficar aqui até terem uma família, mas, se a alimentação começar a ficar escassa, não tenho como suportar, isso é complicado, porque o cavalo já custa muito dinheiro e nós estamos limitados, a nossa escola ainda é pequenina."

De qualquer forma, a vontade de Teresa é cuidar destes bichos "até que as associações lhes arranjem uma casa". E até está a ponderar ficar com um dos cães recolhidos para si: "Quem é que consegue resistir a estes olhinhos?"

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