"Temos de continuar a vida. Com sacrifício, mas vai. Há de ir". Seis histórias depois do fogo, entre a desesperação e a esperança

"Temos de continuar a vida. Com sacrifício, mas vai. Há de ir". Seis histórias depois do fogo, entre a desesperação e a esperança

Reportagem "E depois do fogo…"

Seis histórias de perda e desolação depois da devastação das labaredas, seis histórias de lágrimas, seis histórias de quem vive agora entre o desespero e esperança, de quem se entreajuda ou pede ajuda. Seis histórias depois do fogo.

Jornalista:
Miguel Domingos

Repórter de imagem:
David Luz

Editor de imagem:
João Ferreira

Grafismo:
Matilde Candeias

Coordenação:
Raquel Matos Cruz

 

- Não temos nada.

- O que é que se perdeu?

- Uma vida.

 

Elisabete Caetano nunca estivera rodeada de lume como desta vez. Ela e o marido, Carlos, 63 anos, tiveram medo. "Ao mesmo tempo, há uma força dentro de nós que nos faz... para a frente".

Em cima do trator verde, têm os olhos tristes e as frases curtas. Lutaram contra as chamas como puderam - puderam pouco. "Sentimo-mos impotentes, nós não somos capazes de fazer nada. Nada..." Safou-se o barracão, os animais e a casa, todo o trabalho no campo desapareceu. "E agora… continuar a trabalhar."

A sua história é uma das seis que contamos na reportagem "E Depois do Fogo...", filmada no final da semana passada e transmitida na TVI este domingo, 21 de setembro, e que pode ver na íntegra no vídeo no topo desta página. Todas as histórias são diferentes, todas as pessoas são únicas, todas as vidas são irreplicáveis. Unem-nas a perda e a desesperação que só a sua voz consegue contar e as suas lágrimas mostrar. Unem-nas o lugar em que agora estão entre a desistência e a esperança.

Rosa Santos, dona da mercearia da Aldeia, ali na Serra da Arada, perto de São Pedro do Sul, já reabriu aos fregueses. Aqui na aldeia perdeu-se só uma casa de primeira habitação, uma família ficou sem nada,"ficaram só com as paredes e com a roupa que tinham vestida”.

Noutras aldeias foi bem pior. Em Ribeira de Fráguas, Marinho Martins ainda não sabe por onde entrou o fogo que lhe destruiu parte da carpintaria, onde tem o seu negócio desde 1977, sempre aqui. Aos 74 anos, sente "uma frustração muito grande.
 

- É uma vida de trabalho, está a perceber? 
 

De madeira vive João Salgueiro, de Mouquim, a dez minutos de Albergaria-a-Velha. Vive... ou vivia. O barracão estava cheio de madeira para aquecimento, tinha mais de 500 toneladas. Ainda segurou o fogo uma hora e tal. Depois, entrou no barracão, ardeu tudo, nem cinza ficou. 
 

- Eu, desde fevereiro, foi cortar e rachar. [Aponta para os braços] Este bronze não é praia, foi ali ao sol. E agora vem isto assim…
 

Está desesperado, "a idade já é a mesma que era", vai ser muito difícil recomeçar., "utilizar o bocadinho que tenho para começar… não há hipótese", diz. "Se houver alguma ajuda, pode ser que sim. Se não houver não".
 

- É um vazio, é terrível.
 

Alain Pères, francês, 77 anos, agarra-se à cara a chorar quando vê a casa, ainda não voltara lá, à casa que comprou há sete anos por causa dos azulejos. Ardeu, como outras arderam na aldeia de Jafafe. “Sinto que é preciso voltar a começar do zero", diz, e fala da mulher: tinha acabado as sessões de quimioterapia dias antes do fogo, vai agora iniciar a imunoterapia. Tem um tumor. Ficam sem teto.
 

- Acho que… vamos tentar.
 

Em Cavada Nova, António Azevedo caminha por entre os escombros da casa, tudo ardido, eram seis e pouco da manhã quando o filho ligou a alertar para as labaredas que se aproximavam desde Macinhata, pouco depois o vento já as trouxera. A mulher mandou-o ir salvar o carro, ele foi, quando voltou "ela ficou presa e chorava a pedir socorro". Ficou revoltado por tê-la deixado.
 

- Se ela morresse, eu morria também, não valia a pena cá estar.
 

António Azevedo agarra-se à vida. "Enquanto a gente tiver o sangue a correr pelas veias, um português, é como nos tempos antigos, cortam-nos uma mão a gente segura a bandeira com a outra, cortam-nas a outra mão a gente segura com os dentes, temos que ir para a frente, não podemos deixar ir para baixo".

"Cá dentro estou a sangrar mas o lá de cima vai-me empurrar, e as pessoas que aqui estão, que vivem aqui, que veem a minha tristeza, vão-me ajudar também, isso tenho a certeza, vão-me ajudar."

Falam-nos de esperança, de fé, de Deus. Do cimo do trator verde, ao lado de Elisabete, Carlos começa a frase e depois vira-se para nós, olha para a câmara, tem uma mensagem, algo para nos dizer:
 

- Temos de continuar a vida, pronto. Com um bocado de sacrifício, mas vai. Há de ir. Enquanto há fé há esperança, enquanto há esperança há fé.  

 

 

 

 

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