Saúde em Portugal: diagnóstico do presente e prevenção para o futuro
Falar de saúde, em Portugal, significa falar do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Criado no dia 15 de setembro de 1979 – data em que foi publicada, em Diário da República, a Lei nº 56/79 –, o SNS, segundo o portal oficial, “concretiza o direito à proteção da saúde, a prestação de cuidados globais de saúde e o acesso a todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica e social, nos termos da constituição”. De acordo com a mesma fonte, desde a criação deste organismo que “o SNS gerou ganhos em saúde que colocaram Portugal num lugar cimeiro no que se refere à qualidade de vida de milhões de cidadãos e reduziu muitas das desigualdades na sociedade portuguesa”. Acrescenta-se ainda que “ao longo destas quatro décadas, Portugal manteve-se entre os países da OCDE com menores taxas de internamento por problemas de saúde sensíveis aos cuidados de saúde primários e à diminuição da incapacidade permanente”.
De facto, tal como se pode ler no portal do SNS, assistimos hoje em dia ao “aumento da esperança de vida saudável à nascença para homens e mulheres” e “à diminuição da percentagem de pessoas que consideram não ter as suas necessidades de satisfeitas”. Com efeito, em pouco mais de 40 anos de História, o SNS tem procurado crescer, modernizar-se e garantir cuidados de saúde a todos os portugueses, em cada momento da sua vida. Hoje debate-se, porém, com uma falta alarmante de profissionais, nas mais diversas áreas, pelo que é preciso compreender porque é que isso acontece e procurar soluções.
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Recursos do SNS: orçamento e profissionais

Olhando para os números, sabemos que o orçamento do SNS tem vindo a crescer, nos últimos anos. Para 2025, estão previstos 17 mil milhões de euros. O sistema conta com 150 mil funcionários, sendo a maioria composta por enfermeiros, seguidos pelos médicos. No que se refere aos médicos, temos 5,8 por mil habitantes, o que não parece um número mau e compara bem com a média da União Europeia. O problema é que estamos a contabilizar todos os médicos registados, o que significa que este número inclui também os reformados. Na maior parte da União Europeia, são registados apenas os médicos em exercício. Assim, podemos perceber que há, efetivamente, falta de médicos – até porque há cerca de 1,7 milhões de portugueses sem médico de família.
Assim, a falta de um médico de família, para estes portugueses, significa que a única porta aberta é a das urgências – o que resulta num número de 40% de casos não urgentes, que surgem nos hospitais portugueses. Simultaneamente, o crescente envelhecimento do país e o aumento da esperança média de vida pressionam cada vez mais o SNS, pelo que é necessário encontrar soluções para estas problemáticas. Para Pedro Pita Barros, especialista em economia da saúde e autor do Ensaio “Pela sua Saúde” da Fundação Francisco Manuel dos Santos, “o principal desafio está sobretudo na capacidade de organização. O sistema de saúde em Portugal, e em particular o SNS, precisa de se organizar para dar resposta ao que as pessoas vão precisar”.
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Financiamento e gestão no SNS
Quanto ao financiamento do SNS, Pedro Pita Barros esclarece que é frequentemente apontado como insuficiente, com a ideia de um “subfinanciamento crónico” a persistir ao longo das últimas décadas. Apesar disso, anualmente, os orçamentos têm aumentado e, no final de cada ano, surgem reforços financeiros para cobrir despesas das unidades de saúde. Essa prática acaba por incentivar uma lógica de gestão que prioriza ajustes de última hora, em vez de um planeamento estratégico, muitas vezes resultando em pagamentos em atraso, sobretudo à indústria farmacêutica e outros grandes fornecedores.
Para o especialista, a solução para esses problemas passa por melhorar a gestão e a distribuição de recursos. Uma possível abordagem seria a criação de equipas de emergência de gestão, que analisariam se os problemas de financiamento decorrem de uma verba inicial insuficiente ou de falhas de gestão. Dependendo do diagnóstico, poderiam reforçar o orçamento ou substituir a equipa de gestão para otimizar o uso dos recursos.
No entanto, segundo o especialista em economia da saúde, a questão central parece ser mais de organização do que propriamente de falta de dinheiro ou profissionais. Embora o SNS enfrente dificuldades para contratar em algumas áreas, o desafio maior está em estruturar melhor os recursos disponíveis, garantindo eficiência e maior eficácia no atendimento às necessidades da população.
Com a melhoria da gestão do SNS, Pedro Pita Barros acredita que o sistema terá uma longa vida. “Os portugueses não querem mudar para um sistema igual ao holandês, alemão ou suíço. As pessoas gostam da ideia do SNS consistir numa solidariedade pública. Por isso, o SNS, enquanto garantia de acesso à saúde, vai continuar. Apenas precisa de se adaptar às novas realidades do envelhecimento da população, dos desenvolvimentos tecnológicos e da localização geográfica das pessoas. Que envelheça bem e nós envelheçamos bem com ele”.
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Como Resolver
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O desafio do envelhecimento da população
Como explica o especialista, “temos pessoas mais idosas, que vão ter maiores dificuldades de mobilidade, mais condições crónicas, mas vão querer estar na sua residência habitual, e não propriamente institucionalizados. O que temos que pensar é como é que conseguimos dar às pessoas a capacidade, mesmo em idades avançadas, de cumprir o que têm de objetivos de vida, de uma forma que as satisfaçam. Isso significa que o sistema de saúde tem que pensar menos nas instituições e mais em como pode ajudar em casa de cada um”.
Pedro Pita Barros adianta que o sistema já começou a trabalhar nesse objetivo: “a hospitalização domiciliária já tem essa filosofia. É o que temos de fazer agora, pensar num sistema de saúde que possa ter formas diferentes de funcionar e ligar-se a todos agentes, como por exemplo, serviços sociais das Câmaras Municipais, serviços de apoio, de base comunitária. Tudo isso terá que fazer parte deste novo sistema de saúde. Portanto, uma rede de proximidade que leve mais o hospital ao doente do que o doente ao hospital”.
Por outro lado, o especialista acredita que, dado o envelhecimento do país, é imperativo conseguir médicos de família para todos os portugueses, para que possam seguir atentamente os seus pacientes nas várias fases da sua vida. Infelizmente, “isso não está resolvido e parece não estar no caminho de se resolver. Não só tem que haver um recrutamento maior de médicos, mas também pensar em formas diferentes de trabalhar. É preciso dar mais flexibilidade aos médicos e enfermeiros para organizarem o seu trabalho e satisfazerem a procura que têm dos seus serviços por parte da população”.
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A importância da flexibilidade no SNS
Pedro Pita Barros considera que é importante “aceitar que há diferentes organizações de diferentes sítios, permitir essa flexibilidade de uma forma ampla e encorajar a partilha de experiências – isso pode ser uma forma de conseguir resolver alguns dos problemas decorrentes da falta de médicos de família”. Por outro lado, sobre a falta de médicos, que se acentua na região sul do país, o especialista comenta que “julga-se que se resolve com um concurso e a seguir existe a surpresa de que o concurso não ficou preenchido. É preciso atrair médicos para trabalhar no SNS, não basta abrir o concurso. Temos de os convencer que é um projeto interessante, com continuidade. As novas gerações querem ter um estilo de vida diferente, em termos de vida profissional e pessoal, querem experimentar mais coisas que as gerações passadas. Então, se calhar temos de ter também uma lógica de maior flexibilidade na relação com a atual”.
Recordando o tema das urgências em Portugal, no qual Pedro Pita Barros acredita que existe um “acesso desproporcionado”, o especialista explica que “isso acontece porque as pessoas sentem que é a forma mais rápida de resolverem uma situação. De alguma forma, temos de convencer as pessoas que existem alternativas que são igualmente válidas e que podem resolver o problema”. Para isso, sugere “cuidados primários mais abrangentes. Por exemplo, as linhas telefónicas para um primeiro contacto, que têm vindo a aumentar nos últimos anos. Também temos de aumentar a capacidade de resolução de pequenos problemas dentro de alguns centros de atendimento de cuidados primários”.
No que se refere às áreas de ginecologia e obstetrícia, nas quais se admite uma preocupante falta de médicos e que resulta no fecho de várias urgências pelo país, Pedro Pita Barros afirma que “não se percebe muito bem como é que ao fim de dois anos, ainda não há uma solução técnica para este problema. Já se encarregaram, várias vezes, enfermeiros especialistas para seguir os pacientes e evitar a excessiva concentração de pessoas. Isto são tudo soluções do ponto de vista da gestão, que também fazem sentido”. O especialista menciona, por exemplo, o caso da área metropolitana de Lisboa. “Devia ser pensado tudo em conjunto. Vemos vários hospitais com urgências a fechar e a pergunta que fica é se fecham por falta de equipas completas; mas e se juntássemos as equipas de dois hospitais? Se calhar, pelo menos um deles podia abrir. Porque é que isso não acontece? É por serem entidades diferentes. Se for isso, é apenas uma questão administrativa. Então, tem que se encontrar uma solução para isso. Era preciso uma entidade que absorva todos os profissionais da área metropolitana de Lisboa e depois são alocados quando há necessidades”.