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Raízes e horizontes: a emigração e o desafio da retenção em Portugal

Raízes e horizontes: a emigração e o desafio da retenção em Portugal

A ambição portuguesa é amplamente reconhecida, mas a vontade de partir nem sempre reflete um espírito de aventura. Muitas vezes, é uma resposta forçada a crises económicas ou à escassez de oportunidades. Num contexto de elevada emigração jovem, conversámos com Pedro Freitas, especialista em economia da educação e autor do Ensaio “Economia da Educação: Um Olhar sobre o Sistema de Ensino Português”, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, para explorar a evolução da emigração em Portugal e possíveis soluções para reter talentos no país.
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Tempos houve em que os portugueses partiam para conquistar “mares nunca dantes navegados”, como escreveu Luís Vaz de Camões. Desde essa altura até hoje, várias foram as razões que levaram a que muitos portugueses deixassem o país e se espalhassem pelo mundo, alargando horizontes, somando descobertas e conquistas. Mas nunca a emigração portuguesa foi tão predominantemente composta por jovens como nos dias de hoje.

De facto, nos últimos anos, o perfil da emigração portuguesa transformou-se de forma significativa. Hoje, um terço dos portugueses entre os 15 e os 39 anos vive fora de Portugal, totalizando mais de 850 mil pessoas. Esta saída massiva de jovens não afeta apenas a economia, mas também agrava a já preocupante situação demográfica, uma vez que grande parte destes emigrantes pertence à geração em idade reprodutiva. Entre 2013 e 2023, 71% dos que deixaram o país tinham entre 20 e 44 anos, representando uma perda crucial para o futuro demográfico e económico de Portugal.
 


          

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A perda de talento e o declínio demográfico

Além da dimensão etária, o nível de escolaridade dos emigrantes também subiu de forma acentuada. Enquanto em 2014 apenas 29% dos emigrantes tinham o ensino superior, este número saltou para 48% em 2021. Esta tendência revela que cada vez mais portugueses altamente qualificados procuram oportunidades no estrangeiro, incapazes de encontrar no seu país condições adequadas para aplicar o seu potencial.

Entre 2013 e 2023, cerca de 370 mil licenciados entraram no mercado de trabalho português. Contudo, o aumento potencial desta população devia ter sido superior a 530 mil. Ou seja, Portugal perdeu cerca de 160 mil licenciados numa década, desperdiçando não apenas talento, mas também o investimento público feito na sua formação. Este êxodo representa uma perda significativa de retorno para o país, que educa profissionais para ver os seus conhecimentos aplicados além-fronteiras.

Com efeito, esta é geração mais qualificada de sempre, que procura salários adequados ao esforço e aos recursos investidos na sua educação. No entanto, em Portugal, os salários não têm acompanhado o ritmo do aumento da escolaridade, tornando-se um dos principais motivos que leva os jovens licenciados a abandonar o país.

Para Pedro Freitas, especialista em economia da educação e autor do Ensaio “Economia da Educação: Um Olhar sobre o Sistema de Ensino Português”, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, “o perfil da emigração portuguesa mudou porque o país também mudou”, ou seja, se antigamente quem emigrava tinha uma escolaridade mais baixa, isso também acontecia porque, no geral, a escolaridade do país era inferior. Pedro Freitas lembra que, ainda hoje, “somos o país da União Europeia (UE) com a maior percentagem de população sem o ensino secundário completo e isso resulta de uma razão histórica de muito baixa escolaridade”.
 

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Como Resolver

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Crescimento académico e frustração salarial: o dilema dos jovens qualificados

Hoje, quem emigra apresenta uma escolaridade mais alta – pois o país tem vindo a mudar e o nível de escolaridade também está em crescendo. Como explica Pedro Freitas, “nós estudamos mais, na esperança de vivermos melhor e de ganharmos mais”. Porém, a evolução salarial não tem sido proporcional ao progresso da escolaridade, e isso está na base da frustração dos emigrantes.

Porém, Pedro Freitas ressalva que, apesar desta disparidade, estudar é sempre um bom investimento. “Estudar mais continua sempre a compensar, porque corresponde sempre a salários médios maiores no mercado de trabalho. Portanto, não podemos negar a ideia de que estudar mais, não terá retornos mais tarde”.

Acontece que, como esclarece o especialista, desde o início dos anos 2000 que se tem vindo a acentuar a divergência entre o aumento da escolaridade e os salários praticados no país. “Se fizermos uma linha do aumento dos salários e outra linha sobreposta do aumento da escolaridade, vemos que a escolaridade tem vindo sempre a aumentar, ou seja, a tendência é sempre positiva, mas a verdade é que os salários começaram a estagnar. Ou seja, houve aqui um desencontro das duas variáveis, o que significa que a população mais escolarizada não está a conseguir aumentos salariais”. E a situação é ainda mais preocupante, quando comparada com o resto da Europa. Segundo Pedro Freitas, “o salário médio líquido em Portugal situa-se nos 18 mil euros por ano, cerca de menos 11 mil euros do que no resto da Europa”.

A considerável diferença entre o salário médio na Europa e em Portugal justifica que muitos jovens decidam deixar o país. De facto, no último inquérito realizado aos emigrantes portugueses, que terá cerca de 10 anos, a uma amostra de cerca de seis mil pessoas, Pedro Freitas recorda que a resposta maioritária para a questão sobre porque é que os inquiridos saíram do país, era não existir progressão de carreira em Portugal. 
 

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Desigualdade salarial: como as áreas de estudo influenciam os rendimentos

Por outro lado, Pedro Freitas explica que certas áreas de estudo são mais afetadas que outras, no que se refere à retribuição salarial. Por isso, acredita que é preciso “estudar quais são as áreas de estudo, cursos e instituições de Ensino Superior que têm sido mais afetadas pela queda dos salários, para sabermos como podemos integrar melhor estes estudantes no mercado de trabalho”.

Para Pedro Freitas, “seria bom que o mercado de trabalho fosse menos segmentado. Independentemente das áreas que as pessoas decidem estudar, seja Economia, História, Ciência Política ou Biologia, isso não devia ser um condicionamento tão forte, em termos de trabalhos a que os alunos vão ter acesso”. Ou seja, o especialista considera que é necessário estudar quais as formações que os estudantes precisam, para que possam ter mais flexibilidade no momento de escolher um emprego.

De acordo com Pedro Freitas, o caso dos estudantes de cursos profissionais também precisa de mais atenção. Tal como diz o especialista, são essenciais ao país e ao mercado de trabalho, mas muitas vezes acabam por assistir ao desaparecimento das suas áreas de trabalho e à redução das suas oportunidades de emprego. Assim, seria importante que, “ao longo da vida, fosse possível atualizar regularmente as suas competências, para que se possam manter como uma parte ativa do mercado de trabalho português”. Esta é uma solução que, segundo Pedro Freitas, pode ajudar a reter este tipo de profissionais no nosso país.
 

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Soluções para o desafio da retenção em Portugal

Pedro Freitas pensa, também, que permitir uma maior flexibilidade no emprego pode ajudar no desafio da retenção de portugueses em idade ativa e reprodutiva no país. Cada vez mais trabalhadores procuram sistemas de trabalho híbridos, de modo a conseguir um maior equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. Segundo Pedro Freitas “temos um país com uma baixíssima taxa de fertilidade, que aliás é uma das duas mais baixas do mundo, e por outro lado temos uma taxa de participação feminina no mercado de trabalho relativamente elevada, até quando comparada no quadro europeu”. A forte participação feminina no mercado português é uma boa notícia, mas significa que o desafio é maior para as mulheres. Por isso, é cada vez mais imperativo permitir sistemas de trabalho flexíveis, que possam servir de apoio à família e reverter-se num aumento da taxa de fertilidade.

Mas são precisas também políticas de apoio à infância, diz Pedro Freitas. “De facto, fizemos um enorme caminho no Pré-Escolar, e ainda bem, mas onde é que nos falta fazer caminho? Na oferta de Creche. Portugal tem uma oferta de Creche que corresponde a 50% das crianças entre os zero e os três anos, portanto, há 50% das crianças nesta faixa etária que se quisesse ir à Creche não havia lugar para elas, e acho que temos uma perceção clara que há uma pressão de procura por parte do Estado”. 

O investimento na infância no nosso país também ainda não é suficiente, de acordo com o especialista: “olhando para os dados per capita, em medidas de apoio nos primeiros anos de infância, temos um investimento que é menos de 300 euros por ano”. Já na Europa, adianta o especialista, “é perto de 700 euros”.

Contudo, estas medidas não serão suficientes sem que exista, também, um aumento salarial geral. Como isso não acontecerá tão rapidamente como desejamos, como explica Pedro Freitas, “o que se tem tentado fazer é tentar arranjar mecanismos fiscais para compensar as gerações mais jovens. Acho que medidas como, por exemplo, o IRS Jovem, têm de ser bastante bem pensadas, face à evidência que temos. Na verdade, já tivemos uma experiência de IRS Jovem, há cerca de dois ou três anos, e acho que era bom perceber como é que essa medida funcionou antes de avançar para novas medidas, este ano”.

Para terminar, o especialista salienta que “há um conjunto de investimentos, de medidas de apoio às famílias e à primeira infância, e de capacidade de crescimento, que precisam de financiamento. Este é um caminho necessário, de forma a dar um apoio às famílias que seja universal, em vez de termos medidas que acabam por criar grupos, neste caso, entre contribuintes, e sobretudo sobre as quais não temos evidência clara se têm efeito”.
 

 
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