Foi fotografada, pintada e grafitada. Foi cunhada em moedas, moldada em ferro, serigrafada em T-shirts e disparada em placas. Há até uma boneca Barbie à sua semelhança.
Aos 96 anos de idade, a monarca mais antiga da história britânica celebra sete décadas no trono.
O reinado da Rainha Isabel II assistiu à proliferação da fotografia a cores, à comercialização da televisão e à omnipresença da Internet em ecrãs grandes e pequenos.
Ao longo deste tempo, a sua imagem tem sido amplamente difundida em todo o mundo, fazendo da Rainha um dos rostos mais reconhecíveis da História.
Enquanto o Reino Unido celebra um fim-de-semana de férias de quatro dias para o Jubileu de Platina da Rainha, a CNN explora algumas das imagens oficiais e não oficiais, clássicas e controversas, que transformaram Isabel II no ícone cultural que é hoje.
Na palma da sua mão
Qualquer pessoa que tenha pago com moedas por qualquer coisa no Reino Unido viu um dos cinco retratos definitivos da Rainha
Até aos anos 70, havia uma série de monarcas na cunhagem britânica, mas a decimalização da moeda britânica alinhou o Reino Unido com a modernidade. Saíram os guinéus e os xelins, ficaram as libras e os pennies (cêntimos). A partir de 1971, cada moeda produzida teve a face da Rainha.
A Casa Real da Moeda, que produz toda a cunhagem britânica, estima que existam 27 mil milhões de moedas actualmente em circulação. São cerca de 400 moedas por cidadão britânico, ou pelo menos três moedas para cada pessoa a nível mundial.
"Ela terá aparecido em mais moedas do que qualquer outro monarca na história", disse Chris Barker, historiador da Casa Real da Moeda.
E isso não é tudo.
O Banco de Inglaterra estima que tenham sido produzidas durante o seu reinado mais de 30 mil milhões de notas com a imagem da Rainha.
Em toda a Commonwealth, a Rainha é chefe de estado de 15 países. A sua imagem aparece por exemplo em selos na Austrália, Belize e Canadá.
Actualizar o retrato da monarca na cunhagem britânica é um processo que, segundo Barker, demora cerca de um ano, normalmente para "reflectir o envelhecimento e a mudança da monarca".
A Rainha Isabel II tem tido uma actualização do perfil aproximadamente a cada 16 anos, ao longo do seu reinado de 70 anos. Os primeiros retratos celebram a sua juventude, mas ao longo do seu mandato os artistas tiveram de captar a evolução da imagem da Rainha sendo sensíveis em relação à sua idade.
Jody Clark desenhou o retrato mais recente em 2015, quando a Rainha tinha 89 anos.
O retrato de Clark foi escolhido entre oito outros trabalhos de artistas convidados a participar num concurso fechado, numa decisão da Comissão Consultiva da Casa Real da Moeda. O desenho de 2015 mostra a Rainha com os lábios ligeiramente virados para cima - um sorriso subtil -, o que o torna único entre o conjunto de cinco retratos. O artista também teve a liberdade de escolher as joias e a coroa - ou mesmo nenhuma, se ele quisesse.
"É-lhes muitas vezes dada rédea solta... com orientação sensata. É muito feito na base do 'Faça um retrato da rainha'. A forma como o fazem é inteiramente da sua responsabilidade", disse Barker.
Mary Gillick, que desenhou o retrato de 1953, colocou uma simples coroa de louros à volta da cabeça da monarca. Ao ouvir esta decisão quanto à “chapelaria”, a Rainha, segundo Barker, alegadamente pediu à artista para não a tornar demasiado parecida com Júlio César.
Clark optou por uma coroa de diamantes familiar e emparelhou-a com brincos de gota de pérolas. Clark disse ter escolhido o enfeite porque reparou que a Rainha usava regularmente o mesmo conjunto para as sessões de Estado de abertura do Parlamento.
"A cunhagem é muito poderosa, diz algo sobre uma sociedade e o país de onde provém", disse Barker.
(Imagem à esquerda: A Rainha Isabel II chega de carruagem à sessão de abertura do Parlamento em 2004. É uma das ocasiões em que usa o diadema de diamantes e brincos de pérolas que aparecem no retrato de Clark. Ian Waldie/Getty Images)
Visualizando uma monarca do século XX
A Rainha, como qualquer grande marca, desenvolve grandes esforços para criar a sua imagem pública. Em cada um dos seus mais de 200 retratos oficiais, o artista foi escolhido a dedo e o seu estilo aprovado pelo Palácio de Buckingham.
O cenário, quaisquer objectos circundantes, o seu traje e até a sua postura contribuem para a perceção do público sobre a pessoa que se encontra sob a coroa.
Estou... encantada por ela me ter ordenado que eu fizesse os retratos oficiais na ocasião da sua ascensão ao trono". Dorothy Wilding
Os primeiros retratos da Rainha, tirados apenas 20 dias depois do início do seu reinado, foram da fotógrafa britânica de sociedade Dorothy Wilding.
Ela foi uma escolha natural, tendo sido a fotógrafa real oficial (a primeira mulher a desempenhar esse papel) para a coroação do pai da Rainha em 1937, bem como para outros eventos reais.
Wilding era conhecida pelos seus retratos modernos e simples sobre um fundo branco limpo.
As imagens impressionantes da Rainha, que tinha apenas 25 anos de idade, foram as primeiras a ficar enraizadas na nossa cultura visual - tanto que resistiram como base para a sua imagem em selos postais até 1971.
Um ano mais tarde, em 1953, o famoso fotógrafo britânico de moda Cecil Beaton foi convidado a tirar a fotografia oficial da coroação da Rainha. O resultado foi um retrato embebido num esplendor régio épico.
Beaton tinha sido o fotógrafo oficial da corte desde 1937, pelo que durante três décadas tinha registado acontecimentos da vida da família real, incluindo o nascimento dos dois primeiros filhos de Isabel, o Príncipe Carlos e a Princesa Ana.
A fotografia da coroação foi tirada no Palácio de Buckingham, num cenário elaborado que levou dois dias a preparar.
A Rainha foi sentada diante de um cenário pintado da Abadia de Westminster, ornamentada com cortinas grossas.
Fora na Abadia, não muito longe do Palácio, que a Rainha havia sido coroada horas antes, sendo o fotógrafo oficial Cecil Beaton um dos 8.251 convidados, além de milhões a assistir pela televisão.
"Por um lado, pedem-nos que tenhamos admiração por este enorme poder, dignidade e imponência, e ao mesmo tempo sabemos que ela está sentada num palco com um cenário falso", disse Rosie Broadley, curadora sénior de retratos do século XX na National Portrait Gallery de Londres, que ostenta 967 retratos da Rainha.
Beaton referenciou o retrato real histórico para invocar o continuum da dinastia. Este aceno à estabilidade foi significativo numa Grã-Bretanha despedaçada do pós-guerra.
"Esta bela princesa a tornar-se Rainha foi como uma nova era", disse Broadley.
"Eu tinha-me decidido mostrá-la em solidão, muito pensativa e austera, profundamente humana e, ao mesmo tempo, rainha, sem recorrer a coroas ou outros símbolos de realeza". Pietro Annigoni
Em 1969, Pietro Annigoni, cujo estilo renascentista italiano emulava velhos mestres como Leonardo da Vinci, foi encarregado de pintar a Rainha pela segunda vez.
Enquanto o primeiro retrato, 15 anos antes, retratava a Rainha de pé forte e olhando para o futuro, o segundo mostrava-a com uma expressão vaga e isolada.
"Tem este tipo de poder monumental, e o facto de não ter qualquer fundo ou cenário óbvio torna-o bastante intemporal", disse Broadley.
(À esquerda: retrato da Rainha, sozinha sobre um fundo de cor abstrata e em gradiente, com uma capa vermelha, comprida até ao chão, com uma estrela bordada ao peito, a olhar com severidade para a distância. Por Pietro Annigoni)
"Os finais dos anos 60 e 70 foram particularmente difíceis para a família real. A sociedade estava a mudar rapidamente, modernizando-se. Os sistemas de valores estavam a ser virados de cabeça para baixo. Por isso, o seu lugar como chefe desta sociedade estava a ser cada vez mais questionado", acrescentou Broadley.
A Grã-Bretanha estava a sofrer uma revolução cultural e a rejeitar o status quo. Em 1969, o ícone do rock-and-roll John Lennon, dos Beatles, devolveu, com impacto, uma medalha honorária da Rainha em ato de protesto. Da música e da moda, ao fim do serviço militar obrigatório do Estado, e até à disponibilização generalizada da pílula contracetiva, a sociedade estava a mudar.
Mais pessoas viram a Rainha num churrasco do que viram o homem a aterrar na lua". Robert Hardman na série documental de 1969 "Família Real".
Numa tentativa de se abrir e ligar ao público, a Rainha, em 1969, permitiu a entrada de câmaras na sua casa para filmar uma série documental chamada "Família Real".
"Eles não tinham a certeza se era ou não boa ideia, porque isso acabaria com aquela mística e aura, e faria com que parecessem mais relacionáveis. E mais ou menos funcionou e não funcionou", afirmou Broadley.
Pela primeira vez, as pessoas conseguiram ver a Rainha na vida doméstica comum. Foi filmada a fazer atividades diárias como trabalhar a partir do seu escritório em casa, conduzir até à loja local e almoçar com a sua família (com um conjunto completo de porcelanas, com arranjos florais de mesa numa sala desenhada a dourados).
"As pessoas ficaram absolutamente esmagadas com isto", disse o biógrafo real Robert Hardman numa videochamada com a CNN.
O documentário foi vendido a estações de televisão de todo o mundo, e teve uma audiência global estimada em 350 milhões de pessoas, de acordo com a BBC.
A sua popularidade garantiu uma nova imagem da Rainha na cultura moderna - sem ela a usar coroa e capa.
Remisturando um ícone
Um fim-de-semana de festividades no Verão de 1977 marcou o Jubileu de Prata da Rainha, celebrando 25 anos no trono. Nesse mesmo fim-de-semana, uma banda de punk rock chamada Sex Pistols navegou num barco pelo rio Tamisa, em Londres, detonando o seu novo single "God Save the Queen" à porta das Câmaras do Parlamento, até que alguns da festa no barco foram presos pela polícia.
A canção passou a ser o hino punk inglês anti-institucional da época. Uma nova geração rejeitava abertamente o status quo e a monarquia era um símbolo poderoso contra o qual todos deviam rebelar-se.
O artista Jamie Reid criou a estética punk única dos Sex Pistols, apresentando papel rasgado e letras em estilo de notas de resgate. A única capa que ele criou para "God Save the Queen" remisturou o retrato do Jubileu de Prata da Rainha com o título da canção e o nome da banda cobrindo os seus olhos e boca. Reid fez também outra versão da arte da capa com um alfinete de segurança através dos lábios da Rainha ao lado das palavras: "Ela não é um ser humano".
"Desde 1977, quando os Sex Pistols levaram a música “God Save the Queen” ao nº 1, houve um apoio genuíno da classe trabalhadora a estes sentimentos 'anti' monárquicos", disse Reid numa carta manuscrita em resposta ao pedido de entrevista da CNN para esta história.
Na mesma carta, Reid fala também da tensão entre "eles 'os privilegiados' e nós 'os da subclasse'".
”God Save the Queen”, o vinil dos Sex Pistols. CBW/Alamy
A canção foi tão popular que chegou oficialmente ao nº 2 nas tabelas de música do Reino Unido, apesar de ter sido proibida pela rádio comercial, pela BBC e por algumas lojas de discos.
O artista visual de renome Andy Warhol usou a mesma fotografia da rainha que Reid remisturara e, uma década depois, apropriou-se dela para a sua série de retratos "Reigning Queens" [“Rainhas Reinantes”] de 1985.
O artista pop usou a sua técnica de assinatura de serigrafia para produzir em massa dezenas de cópias da Rainha Isabel II, tal como transformou mercadorias do quotidiano, como as latas de sopa de Campbell, em comentários sobre a sociedade capitalista.
"É quase como se de alguma forma ele lhe tivesse dado o selo de aprovação. Ele abraçou a Rainha como parte das celebridades do século XX", disse Broadley sobre Warhol.
"Eu quero ser tão famoso como a Rainha de Inglaterra". Andy Warhol
Celebridade e fama foi um tema forte que percorreu todo o seu trabalho e ele tornou-se prolífico na elevação de pessoas já famosas, como a estrela de Hollywood Marilyn Monroe, a um estatuto simbólico.
"Há uma espécie de efeito de distanciamento com os planos de cor. Ela ainda é um mistério. Isto joga com esta ideia da mística real", acrescentou Broadley.
Para o Jubileu de Diamante, dos 60 anos da Rainha em 2012, as impressões de Warhol fizeram um círculo completo. A Royal Collection, um fundo detido pela Rainha, comprou quatro impressões da Rainha Elizabeth II da Royal Edition, uma tiragem exclusiva salpicada com "pó de diamante" - vidro finamente esmagado que faz a obra de arte "cintilar".
Os anos 1990 foram uma década difícil para a Rainha. Três dos seus quatro filhos divorciados, a sua casa no Castelo de Windsor ardeu em chamas com mais de 100 quartos danificados ou destruídos. E foi alvo de enorme crítica pública pela sua resposta à trágica morte da Princesa Diana num acidente de viação em Paris.
O retrato de Mortimer de uma rainha desencarnada surgiu em 1998 - logo após estes acontecimentos – numa encomenda da Royal Society for the Encouragement of the Arts.
"Senti que ela era de outra época. ... Não tenho nada em comum com ela além de ser inglês". Justin Mortimer, numa entrevista com o Wall Street Journal em 2011
O trabalho mais recente de Mortimer apresenta paisagens escuras e distópicas que muitas vezes insinuam uma catástrofe. Mas, na altura em que pintou a Rainha, era um jovem pintor de retratos saído há apenas seis anos da escola de arte.
Nem tudo são capas e coroas
Os trajes da Rainha são feitos à medida e geralmente planeados com meses - se não anos - de antecedência, mas o sentido prático vem antes de mais nada. Claro, as joias da Coroa ajudaram a sua imagem real, mas hoje em dia, quando a monarca faz os seus encontros e cumprimentos, é frequentemente vista num fato brilhante de duas peças, com casaco e chapéu a condizer, concluído com luvas.
As cores sólidas brilhantes significam que a Rainha Isabel II pode ser vista de longe por qualquer pessoa que tente conseguir um mero vislumbre. O chapéu mantém o seu cabelo com aspeto régio apesar do vento e proporciona sombra do sol (ou mais provavelmente chuviscos, se estiver no Reino Unido). Os sapatos de salto baixo são escolhidos por conforto, tal como as luvas.
A Rainha também é conhecida por se divertir um pouco com a sua imagem.
Quando Londres acolheu os Jogos Olímpicos de Verão de 2012, a soberana concordou em aparecer ao lado de James Bond num momento de “roubo de cena” durante a cerimónia de abertura, onde ela parecia saltar de um helicóptero e de páraquedas para o estádio.
É claro - e apenas ligeiramente deepcionante - que eram atores. Mas quando a verdadeira rainha, então com 86 anos, entrou no estádio para ocupar o seu lugar, de cara séria e apenas um sorriso fugaz e consciente, a multidão rugiu em aplausos.