Os rapazes salvaram a vizinha que nenhum deles sabia que tinha
Placa queimada em Cavada Nova (Tiago Palma)

Os rapazes salvaram a vizinha que nenhum deles sabia que tinha

Terça. dia 17 || Macinhata do Vouga, Águeda

Reportagem
Tiago Palma

A menos de um palmo das casas, tudo ardeu. Chegado à fachada, o fogo pára.

No café da aldeia, e a aldeia chama-se Macinhata do Vouga, a mesma coisa: arde mato, arderam árvores, mais eucaliptos que castanheiros ou pinheiros ou qualquer outra espécie, escureceu a paisagem, de um esverdeado-acinzentado, e nada tocou às paredes. Não houve uma intervenção superior, divina ou de aviação, quase não houve bombeiros no solo, mas os rapazes da aldeia travaram o incêndio.

Agora, em rescaldo, bebem cerveja, recordam horas que foram de comunidade.

Rui é o mais novo dos rapazes de Macinhata (Tiago Palma)
Rui é o mais novo dos rapazes de Macinhata (Tiago Palma)

Rui é dos rapazes o mais novo. Tem 28 anos. Diz que foram dois dias “horríveis”. E repete: “Horríveis, horríveis, horríveis”. “Isto começou logo de manhã. Logo de manhã já estava aqui, em Macinhata. Eram umas 10. E combatemos o incêndio até ser dia. Ainda não dormi, encostei-me um bocado, mas dormir não. Os da Proteção Civil, à tarde, mandaram-me descansar, porque à noite ia agravar-se, ia levantar-se o vento, mas não fui descansar. Fiquei à espera do fogo”, recorda.

A quem está fora, emigrado, Rui prometera olhar pelas casas. E olhou. Como prometa olhar pelas casas dos que ali na aldeia são mais velhos. E olhou. Por quase todos. “Uma certa hora, disseram-nos que uma vizinha, já de idade, supostamente acamada, sozinha, tinha a casa a arder. Vivia lá para baixo, isolada, no meio do mato. Eu sou da Macinhata e não sabia que vivia lá alguém. Ligaram para a GNR, a GNR não respondeu. Fomos, éramos quatro, quatro rapazes, gritámos e a senhora respondeu. A casa já tinha ardido toda. Toda menos uma divisão, pequena, onde realmente estava acamada. Ela avisou que havia botijas na cozinha, entrámos a medo e retirámos, em braços, a senhora. Tinha inalado muito fumo e acabou por ir ser internada no hospital. A casa é que ficou mesmo destruída.” A Câmara Municipal de Águeda confirma a habitação destruída.

Pergunto o nome da vizinha que Rui e os rapazes salvaram. “Não sei. Acredita que não sei? Não sei…”

Recorda-se, isso sim, de que nunca viu na aldeia fogo como este. “Já apanhei alguns sustos, mas assim não. Isto é fogo posto — e o vento faz o resto. Sopra para um lado, sopra para outro.” Da comunidade, elogia tão grande “mobilização”. Mas não só. “Houve medo, sim. Também aflição, sim. Houve quem estorvasse mais do que ajudasse”, graceja. E volta à merecida cerveja.

Visão desoladora em Macinhata (Tiago Palma)
Visão desoladora em Macinhata (Tiago Palma)
Scroll top