O vazio que elas deixaram: imagens que contam a história das pessoas que a pandemia levou
Um milhão de espaços vazios. Foto: David Goldman/AP

O vazio que elas deixaram: imagens que contam a história das pessoas que a pandemia levou

Mais de dois anos desde o início da pandemia provocada pelo SARS-CoV-2, a máscara começa a cair. Mas há lugares que a pandemia esvaziou e que vão continuar por preencher: nos Estados Unidos, mais de um milhão de pessoas morreram por causa da covid-19. O fotógrafo David Goldman retratou os espaços que contam a história de quem os habitou e não volta mais.

Fotografia
David Goldman/AP

O que parece apenas uma cadeira vazia é afinal uma dolorosa lembrança de que a enfermeira Jennifer McClung já não vai voltar. A mãe ainda imagina a filha a percorrer o corredor e a regressar ao seu local de trabalho. "Ainda não aceitei que ela partiu. Quer dizer, um corpo está aqui um dia a falar e a rir-se e a amar e, de repente, puff, já não está."

No quarto de Donovan, no Arizona, nos Estados Unidos, a cama ainda está feita e os bonecos alinhados em cima da cómoda parecem ter acabado de vir de mais uma batalha nas mãos do jovem de 13 anos que morreu em novembro, vítima de complicações associadas à covid-19.

Os irmãos Adam Almonte e Fernando Morales costumavam sentar-se sempre no mesmo banco do parque Fort Tryon, em Nova Iorque. Fernando morreu no dia mais mortífero da pandemia na cidade, em Abril de 2020. Nesse dia morreram 816 pessoas. Agora, Adam senta-se no mesmo banco e apenas vê o vazio.

Arnie Kantorwitz ficou doente no inverno, quando a variante Ómicron se espalhava por Nova Iorque. O autor e ativista pelos direitos gay acabaria por morrer em janeiro, aos 81 anos. No seu antigo escritório, a cadeira por baixo do retrato de Walt Whitman continuará vazia. "Ainda não estou a fazer o luto", conta o ex-companheiro Larry Mass. "É algo que me vai acompanhar para o resto da vida".

 

Luis Alfonso Bay Montgomery trabalhou durante toda a pandemia em Somerton, no Arizona, conduzindo o seu trator por campos de alface e couve-flor. Mesmo depois de se ter começado a sentir doente, em meados de junho, ele continuava o seu lavor. Quando morreu, em julho de 2020, a mulher estava no México na sua primeira visita ao país desde que os dois se tinham conhecido quando eram adolescentes. Ele tinha 59 anos, estavam juntos há 42.

 

Fernando Morales e o irmão constumavam sentar-se sempre no mesmo banco no parque Fort Tryon, em Nova Iorque, a comer umas sanduíches depois de uns lançamentos de basebol. No dia mais mortífero de uma semana terrível para a cidade, em Abril de 2020, morreram 816 pessoas. Fernando, com 43 anos, foi uma delas.

 

Sempre que visitava a filha e a neta em Chapel Hill, na Carolina do Norte, Mary Jacq McCulloch adorava explorar os caminhos do Jardim Botânico da Carolina do Norte. McCulloch morreu em Abril de 2020, com 87 anos, mesmo no início da primavera. Um ano depois, a filha recorda os passeios com a mãe no parque onde as flores voltam a desabrochar. As favoritas dela eram as "redbuds", uma flor de um "magenta deslumbrante". "Um pouco como ela", lembra a filha, "com uma cor luminosa e a exigir atenção".
Sherman Peebles era barbeiro ao fim de semana e ajudante do xerife local durante a semana. Morreu de covid em Setembro, com 49 anos. O seu melhor amigo, Gerald Riley, ainda chega todos os sábados à barbearia com a expetativa de ver a carrinha dele estacionada à porta.

 

Durante 33 anos, Eddy Marquez fez os seus arranjos na sua bancada na florista US Evergreen Wholesale, em Nova Iorque. Ele morreu de covid em abril de 2020. O sue cunhado, que viva na mesma casa, morreu dias antes. Eddy, que tinha 59 anos e três filhos, adorava plantas e o jardim da sua casa está cheio de hortênsias e árvores de fruto. A filha Ivett recorda como  o pai trabalhava horas a fios, mas deixava sempre o domingo livre para a família. "O nosso pai era o nosso amigo. E o primeiro amor da filha dele". Agora é ela que trata das plantas que o pai deixou.

 

A enfermeira Jennifer McClung era uma figura central no posto de enfermagem da sua enfermaria no hospital Helen Keller, em Sheffield, Alabama. Em novembro de 2020, Jennifer, testou positivo para a covid-19. "Mãe, tenho a sensação de que não vou voltar para a casa", escreveu numa mensagem que enviou para a mãe, Stella Olive, a partir da cama do hospital. Com os pulmões gravemente afetados pelo vírus, ela morreu horas antes da campanha de vacinação arrancar nos Estados Unidos, no dia 14 de dezembro. Tinha 54 anos.

 

Larry Quackenbush trabalhava como produtor de áudio e vídeo para a Assembleia de Deus, uma igreja pentecostal com base em Springfield, no Missouri. Morreu em agosto depois de ter apanhado o vírus enquanto cuidava do filho de 12 anos, Landon, que voltou de um campo de férias doente com covid. "Mesmo quando ele se começou a sentir doente, continuava a cuidar de toda a gente", conta a filha Macy Sweeters.

 

Neil Lawyer adorava cantar enquanto o filho, David, o acompanhava no piano na sua sala de estar em Bellevue, Washington. Neil morreu com 84 anos em março de 2020, um dos primeiros residentes de um lar de Seattle a sucumbir à covid. Nos casamentos, ele juntava-se aos filhos, ao neto e ao sobrinho a cantar serenatas para os noivos numa banda improvisada a que chamavam os Moose-Tones.

 

"É sempre difícil entrar no quarto dele porque estou sempre à espera do dia em que ele vai voltar. Estou sempre à espera que volte para casa depois da escola", conta Teresita Horne, mãe de de Donovan James Jones. O rapaz de 13 anos morreu de complicações associadas à covid-19 em novembro.
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