O Psicólogo Responde: Um aperto no peito pode ser sinal de ansiedade?
Dor no peito

O Psicólogo Responde: Um aperto no peito pode ser sinal de ansiedade?

O Psicólogo Responde é uma rubrica sobre saúde mental para ler todas as semanas. Tem comentários ou sugestões? Escreva para opsicologoresponde@cnnportugal.pt

Filipe Fernandes
Psicóloga Clínico e da Saúde e vogal da direção da Delegação Regional dos Açores da Ordem dos Psicólogos Portugueses

Um dos grandes da nossa música, José Mário Branco, é o autor de uma música genial chamada “Inquietação”. Quando me propuseram responder à questão que dá título a este texto, humilde tentativa de fazer quem me lê reflectir sobre a ansiedade, ocorreu-me a música do José Mário, cuja obra se recomenda. Nela perpassa uma sensação de inquietude, de tensão e, pelo meio, o autor aborda o seu “peito feito campo de batalha”. Se a expressão de desejo era proporcional à sua ansiedade? Não posso falar pelo compositor, mas sei que é um óptimo mote para pensarmos nas nossas emoções, em particular sobre a forma como a ansiedade, essa forma suprema de inquietação, pode “mexer” connosco, seja na forma como pensamos, seja na forma como nos comportamentos, seja na forma como o nosso corpo reage. Há momentos em que o nosso peito é um campo de batalha ansioso, outros nem tanto. Mas o sentimento está lá. 

As nossas emoções fazem parte de nós. Trazemo-las connosco e por muito que nos possam complicar alguns momentos de vida, humanizam-nos e enriquecem-nos.  A ansiedade é uma reacção normal a situações stressantes, podendo ser benéfica ou prejudicial. Como já escrevi noutro texto, tal como os condimentos na comida podem enriquecer ou estragar uma refeição, pode melhorar ou complicar os nossos dias. 

Todos já nos sentimos ansiosos. A capacidade de nos sentirmos ansiosos deve ser lida no contexto da evolução humana, enquanto aquisição evolutiva, com um misto de reconhecimento e humildade. Reconhecimento por tudo aquilo que ela nos permite (sim, a ansiedade, mesmo que possa não parecer, tem uma função protectora) e humildade pela forma como nos obriga a reconhecer o quanto nos falta evoluir, enquanto espécie (sim, a forma como evoluímos não encontrou paralelo na forma como dominamos, sempre, a nossa ansiedade). Ter ansiedade é algo normal e, no fundo, desejável. Sofrer com a ansiedade é algo gerador de desconforto e, no limite, causador de patologias que requerem atenção especializada. 

Ao contrário do que muitos pensam, a ansiedade não está “só na cabeça”. É uma resposta que altera a forma como o nosso corpo reage, como as emoções se manifestam, como pensamos e, também, a forma como interagimos com os outros e com os contextos em que habitamos. Uma crença comum, e que leva a uma pergunta recorrente nos contextos clínicos, é que a ansiedade é algo puramente cognitivo, algo que se relaciona, unicamente, com o patamar do pensamento. Se pensarmos no ser humano como uma máquina, a ansiedade é uma espécie de acelerador que condiciona a forma como funciona, em todas as suas dimensões, preparando-o para a acção. Importa conhecê-las e aprender a identificá-las. Os sintomas podem ser de natureza cognitiva (por exemplo, uma sensação de medo intenso e apreensão, alterações na atenção, que fica focada no foco do medo, dificuldade em adormecer, irritabilidade, preocupação constante,…), físicos (por exemplo, tensão muscular, tremores, respiração mais acelerada, tonturas e formigueiros, aumento dos batimentos cardíacos, hipersudorese, boca seca, alterações gastrointestinais, dores musculares, sensação de aperto no peito,…) ou comportamentais (por exemplo, evitamento da ameaça ou dos estímulos associados ao perigo, por ansiedade intensa na sua aproximação ou até no ato de pensar sobre elas,…). 

Quando estamos ansiosos, o nosso sistema nervoso autónomo (responsável pelas respostas instintivas de resposta à ameaça) reage e isso conduz a uma alteração de diversos índices físicos. A tensão muscular ou a dificuldade em regular a respiração ou o ritmo dos batimentos cardíacos podem provocar, por exemplo, a sensação de aperto no peito e outras alterações corporais.  

Um aspecto relevante quando abordamos a nossa relação com aquilo que, fisicamente, sentimos é a forma como podemos, com maior facilidade do que se pensa, entrar num círculo vicioso. Por vezes aquilo que sentimos, e a forma como nos assustamos, podem levar ao surgimento de sintomas ansiosos. Mais uma vez, aprender a lidar com as nossas inquietações, e com as suas manifestações, é fundamental para que tal não aconteça, mesmo que, voltando à icónica “Inquietação”, “Há sempre qualquer coisa que está para acontecer, qualquer coisa que eu devia perceber, porquê, não sei, porquê, não sei, porquê, não sei ainda”. E como é importante este “ainda”. 

Enfrentar a ansiedade é o caminho para quebrar o ciclo de medo e insegurança, em que a forma como funcionamos pode levar ao reforço das manifestações ansiosas. Existem caminhos que podemos empreender e estratégias que podemos privilegiar para conseguirmos gerir a nossa ansiedade, de forma mais adaptativa. E, no caso dos seus sintomas físicos, há alguns pontos a ter em conta que nos podem ajudar a gerir a nossa inquietação ansiosa, para que o peito (só) se sinta apertado com os nossos amores e desamores. Que devem ser lindos, voltando ao José Mário, não esqueçamos. 

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Faça você mesmo…

  • Olhe para dentro e avalie. Se sentirmos um aperto no peito, ou outro sintoma físico, importa olhar para o nosso corpo e avaliar o que estamos a sentir. Importa perceber se houve algum acontecimento stressante, alguma coisa que nos gerou instabilidade emocional ou que nos possa ter alarmado. Perceber isso pode ajudar a identificar se aquilo que fisicamente estamos a sentir corresponde a uma reacção ansiosa. Se tal for o caso, há algumas estratégias que podem ajudar. Se houver uma diminuição da intensidade dos sintomas físicos com a aplicação destas estratégias, esse facto encoraja a ideia que estará perante um sintoma ansioso. 
     
  • Procure activamente a distração. Os sintomas físicos podem polarizar a nossa atenção, facilmente conduzindo a um círculo vicioso que amplifica a ansiedade e, com isso, os sintomas físicos da mesma. Procurar actividades que sejam distractoras e que obriguem a mudar o foco da atenção permite quebrar esse potencial círculo vicioso e atenuar a intensidade dos sintomas físicos. 
     
  • Execute técnicas de relaxamento. Exercícios simples de respiração ou de contracção/descontracção de músculos podem ajudar a diminuir os sintomas físicos da ansiedade. 
     
  • Procure concentrar-se no aqui e no agora. Por muito difícil que seja focarmo-nos no aqui e no agora é uma via muito funcional para lidar com a ansiedade e com a forma como condiciona o nosso pensamento. Algumas práticas de relaxamento, meditação ou mindfulness podem ser recursos importantes. Pratique! 
     
  • Procure dormir bem. Não dormir o suficiente potencia os nossos níveis de ansiedade e, por outro lado, dormir bem contribui para controlar os nossos níveis de stress e ansiedade. 
     
  • Faça exercício físico. A prática regular de exercício físico, adaptado às suas características, permite reduzir índices de ansiedade, ajudando a relaxar, a aliviar a tensão nervosa e a libertar neurotransmissores que ajudam a mitigar a activação ansiosa. 
     
  • Coma bem. Uma alimentação cuidada ajuda a que o nosso organismo responda melhor aos momentos em que é desafiado e levado ao extremo, tal como acontece nos momentos em que a ansiedade nos testa os nossos limites. 
     
  • Encontre tempo para o que lhe dá prazer. Coloque na agenda tempo para estar com os seus ou para actividades que lhe dão prazer. A ansiedade não gostará delas, mas o estimado leitor apreciá-las-á. 
     
  • Regule o acesso a redes sociais e às notícias. Procure criar limites à utilização das redes sociais e ao acesso a notícias. Sem controlo poderão ser factores promotores de níveis incrementados de ansiedade. 
     
  • Procure os seus. Ultrapassar a vergonha de falar, de abordar as nossas dificuldades àqueles que fazem parte da nossa rede de pessoas de referência é uma estratégia importante. Falar ajuda. 
     
  • Procure tratamento. Quando falar com os nossos já não nos é suficiente, procure ajuda especializada. Falar com um profissional de saúde ajuda e os Psicólogos estão na primeira linha, enquanto profissionais especializados nas temáticas da Saúde Mental. Se houver um sintoma físico que persiste, procure ajuda médica. 
     
  • Enfrente os seus medos. A ansiedade, pela forma como nos limita, leva a que se torne tentador, ou automático, evitar estímulos e cenários que sabemos que vão precipitar a resposta ansiosa e as suas manifestações. Ainda que no curtíssimo prazo pareça a melhor solução, tal acaba por contribuir para o incremento de sintomas ansiosos e para o possível surgimento de perturbações ansiosas. Diz-nos a evidência científica, e a prática, que vencemos a ansiedade quando a enfrentemos. Também aqui, um Psicólogo pode ajudar. 
     
  • Consulte o portal Eu Sinto-me. A Ordem dos Psicólogos Portugueses criou o portal Eu Sinto-me (disponível em http://eusinto.me), onde pode encontrar diversos conteúdos psicoeducativos sobre a resposta ansiosa. Aumentar o conhecimento é, igualmente, uma estratégia válida. 
     
  • Escolha bem os seus amores. O aperto no peito é bem maior quando não o fazemos… 

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