O Psicólogo Responde: Que riscos trazem as redes sociais para a saúde mental?
Telemóvel

O Psicólogo Responde: Que riscos trazem as redes sociais para a saúde mental?

O Psicólogo Responde é uma rubrica sobre saúde mental para ler todas as semanas. Tem comentários ou sugestões? Escreva para opsicologoresponde@cnnportugal.pt

Sérgio Viana
Psicólogo e membro da Comissão de Protecção de Jovens e Crianças de Seia

Acorda e, ainda na cama, recorre às redes sociais para ver se o post que colocou na madrugada anterior teve muitos “gostos”. Fica surpreendida com um comentário negativo de um anónimo que a tem seguido nas redes optando por ignorar. Segue à pressa para o carro, dá os bons dias à mãe sem tirar os olhos do ecrã até à escola e percebe que tinha perdido uma festa da mais recente amiga “influencer” que tinha sempre fotos incríveis dos seus eventos e viagens. Fica angustiada por ver que estiveram lá amigas da escola e nada lhe disseram. Verifica que tem mensagens de uma amiga de infância e do namorado a quem decide responder mais tarde. Procura por próximos eventos que irão decorrer enquanto aqueles pensamentos negativos não a largam. Nas aulas, sonolenta, fica a pensar se já terá mais reações ao post em que está com um músico famoso. Vai almoçar e uma colega comenta: “Olha, a festa foi top e estavam lá aqueles do 12º e um deles até me quis conhecer!” Angustiada, depois da aula da tarde, pegou no telemóvel e constata que tinha inúmeras notificações numa publicação associada ao seu perfil. Era um vídeo em que a identificam, a circular nas redes sociais, já “viral”. O seguidor anónimo postou um vídeo íntimo em que alguém que parece a Maria, está de lingerie com um rapaz ao lado. Fica chocada porque aquilo nunca aconteceu, mas é o rosto dela e um corpo semelhante. Tinha várias chamadas do namorado. As mensagens que recebia eram horríveis. Ato contínuo, chama um táxi e vai para casa. O telemóvel não pára com insultos e provocações. Desesperada, sente o seu mundo a desabar. Os pais habitualmente estavam ausentes por trabalharem, sentia-se só, humilhada, passam-lhe todos os pensamentos pela cabeça… aqueles que já tinha antes mas amplificados e o desespero começava a dominar a sua mente não conseguindo lidar…. Só lhe apetecia desaparecer.

Acorda com batas brancas à sua volta… os pais de lágrimas nos olhos, em desespero. A intoxicação com psicofármacos poderia ter sido fatal. Emocionou-se quando viu os Pais e esboçou um sorriso ao ver a amiga de infância e o namorado ali ao lado a quem não chegou a responder à mensagem: “como estás?” A amiga viu o vídeo, não acreditou por estar informada. Estranhou o comportamento da Maria, que se tinha afastado, sempre ligada às redes sociais. Os pais desconheciam o que se passava, mas o anónimo desapareceu das redes, assim como o vídeo.

Esta história da Maria pode parecer uma distopia, mas pode também ser a realidade aproximada de alguns jovens por esse País e Mundo fora, numa sociedade global de acesso fácil a quase tudo, também graças à internet e às redes sociais. Isto até começou com o objetivo de nos pôr em contacto porque em 1992 a Nokia lançava o slogan "Connecting people, alusivo à importância que os seus telemóveis tinham na comunicação e ligação entre as pessoas. Mas depois de muita evolução e de uma pandemia em 2020 transformou-se o que era suposto ser acessório numa necessidade. As redes sociais e os smartphones eram a forma de superar o isolamento dos confinamentos e dar resposta às nossas necessidades sociais. De repente o ecrã do smartphone era a forma de contato “seguro” com o outro. No trabalho, tempos livres, ou nos transportes, aquele ecrã tornou-se no nosso pequeno mundo enquanto aguardamos que algo aconteça fora dele e corremos o risco de nos isolar num mundo onde nos tornamos potenciais alvos de danos causados por tudo o que esse ecrã cativante, mas enigmático pode trazer. E um dos exemplos mais flagrantes é o das redes sociais. Afinal de contas somos seres sociais e gostamos de estar com o outro e o “estar” pode ser sinónimo de muita coisa, especialmente desde que a pandemia normalizou o ecrã como uma forma de estar em contato com toda a gente. O problema é que o que surgiu como alternativa tem-se vindo a normalizar como um padrão de comunicação e de acesso à informação com todas as vantagens e desvantagens que o mesmo traz. E, tal como no caso da Maria, há riscos que temos de ter em conta que podem gerar danos graves ao nosso bem estar e saúde psicológica.

Para compreender as dinâmicas e alguns dos problemas das redes sociais, há que falar do algoritmo, palavra que se tornou comum e que no fundo é uma sequência de instruções que leva um dispositivo a executar uma determinada tarefa. Num dispositivo eletrónico isso significa tratar-se de uma ferramenta digital que, perante a entrada de dados, consegue identificar padrões e levar a que um utilizador chegue a nova informação que seja do seu agrado, por aprendizagem. Consequentemente, um português passa em média 97 minutos por dia em frente ao pequeno ecrã. Mas com que consequências para a saúde psicológica?

 

Fazendo um paralelismo de temáticas relevantes, na história da Maria:

“Fear Of Missing Out” (FOMO) – a perceção de que deveríamos estar num determinado evento ou situação em que outros estarão, para nos sentirmos integrados. Ou seja, ficamos com medo de ao não estarmos nas redes não estamos a par do que está a acontecer e perder algo importante para nós. Naturalmente a isto está associada a questão da ansiedade pelo que receamos perder, mas por outro lado o sentimento de rejeição que nos faz sentir à parte, em idades em que estas questões são críticas. E, para evitar essa sensação e sentimentos negativos, acabamos muitas vezes por ficar mais vulneráveis, o que nos pode levar a tomar atitudes extremas só para nos sentirmos aceites. Através das redes sociais sentimo-nos cativados a expor-nos mais, o que pode levar a situações graves como chantagem e cyberbullying, enquanto nos isolamos no nosso mundo, reféns de perfis anónimos que se escondem atrás de ecrãs e que podem gerar graves danos. Na realidade o objetivo é obter somente a validação e aceitação social dos colegas. E até pode ter implícitos sinais de depressão. Isto pode acontecer se, entretanto, nos tornamos reféns de “modelos de referência” das redes sociais, onde seguimos realidades criadas para impressionar e angariar “gostos”. Depois, ao aceitarmos que pessoas anónimas entrem na nossa esfera pessoal, isso pode gerar danos imprevisíveis: a manipulação de imagem, como o uso do deepfake pode gerar um efeito devastador no mundo de um jovem, deixando marcas para a vida e levando até a impulsos que podem ser fatais.

 

Passando a uma análise concreta das consequências das redes sociais na nossa saúde:

Sedentarismo – tendência para um comportamento mais sedentário e passivo gerando danos ao nível cardiovascular, circulação e sistema imunitário, entre outros.

Privação do sono – o excesso de utilização de ecrãs, especialmente à noite, pode gerar a inibição de libertação de melatonina, hormona fundamental para conseguirmos adormecer.

Dependência das redes sociais - a “necessidade” de acompanhar as novidades, de ver o que os outros estão a fazer, porque o nosso cérebro procura atividades que nos proporcionem bem estar. No entanto, o tempo em excesso nas redes sociais pode fazer sentir quase como uma dependência de jogo ou de substâncias químicas, mas aqui é a injeção de dopamina imediata por nos sentirmos mais valorizados. Em modo “repeat”.

Cyberbullying – um dos maiores perigos que deriva da enorme exposição que temos às redes que estão logo ali à mão, literalmente: ataques pessoais por mensagens, insultos, emails agressivos, fotos e vídeos a tentarem humilhar o outro, o controlo, etc.

Sub-Desenvolvimeno de competências sociais – muitos jovens optam por se privar das relações presenciais, por ser mais fácil e acessível obter relações online pelo ecrã fazendo com que algumas competências de interação não sejam desenvolvidas.

Menos tempo para hobbies – ao investir demasiado tempo nas redes sociais, estamos a abdicar de atividades que nos podem proporcionar bem estar e mais valias para a qualidade de vida

Modelos de referência negativos - o facto de se criarem modelos de referência negativos e destrutivos baseados em perfis ficcionados para obter gostos e patrocínios, alimentando a falsa ilusão de aquela ser uma realidade tangível quando não passa de uma construção intencional.

Baixa auto-estima – compararmo-nos com modelos de referência que se baseiam na beleza e superficialidade, a maioria deles cheios de falsidades.

Má Reputação – tudo o que publicamos fica online e pode ser utilizado para se manipular e transformar numa outra coisa qualquer.

Deepfake – a manipulação de imagens e vídeos que podem parecer reais mesmo que determinada situação nunca tenha acontecido o que poderá não só gerar dano na reputação como a humilhação e consequências nefastas para a vítima.

Desinformação – são inúmeras as páginas que aparecem nas redes sociais com conteúdos falsos, manipulados e com o único propósito de obter cliques. Mesmo que comuniquem uma mentira óbvia. Muitas vezes, os mais desatentos não conseguem distinguir e há informações descritas que tal detalhes que pode parecer real.

Perfis destrutivos e tóxicos – há perfis onde se partilham técnicas para auto mutilação, hábitos destrutivos, consumos e tudo o que possa imaginar. Foi também tema recente a existência de pessoas que cometeram suicídio em direto. Há uma tentativa de normalização de comportamentos de risco publicado em páginas que são um risco para a saúde publica.

Esquemas – há o perigo de nos deixarmos levar por desafios cativantes, mas que são fraudes ou esquemas que nos podem enganar e/ou prejudicar

Conteúdos inapropriados – a partilha de informações, fotos ou vídeos que podem ser alvo das piores consequências para o próprio, como discursos de ódio, conteúdos sexuais explícitos, violência e desafios que põem em causa a vida.

 

Há muitas “Marias”, e esta narrativa pode ser similar a muitas que vamos conhecendo, sendo que os riscos descritos são reais e podem ocorrer bem próximos de nós. Por isso, há que tomar medidas para contrariar:

- Praticar atividade física e desportiva

- Evitar longos períodos à frente do ecrã, utilizando um temporizador de bem estar digital, já presente em alguns smartphones e disponível enquanto aplicação

- Evitar ter o telemóvel perto da cama e ativar o modo silencioso

- Limitar o uso de algumas redes e aplicações a partir de determinada hora e avisar as pessoas mais importantes de tal

- Tirar um dia ou parte do dia sem acesso a redes e avaliar como se sente

- Não usar o telemóvel durante as refeições, não o colocar na mesa ou à sua frente quando estiver a falar com alguém.

- Refletir sobre as atividades que podia estar pela sua saúde em vez de estar a alimentar a dependência de ecrã.

- Nas redes sociais, priorizar o que faz sentir se bem e não em encontrar pessoas interessantes, porque essas, muitas das vezes, até estão sentadas ao seu lado no sofá.

- Escolher criteriosamente os “amigos” e não esquecer que muitas ganham dinheiro precisamente com os produtos que promovem, sejam ou não sejam fidedignos.

- Adicionar somente pessoas que conhece, partilhar factos credíveis ou informações que não colocarão em causa a sua reputação ou identidade. Defina muito bem a privacidade das suas contas de forma a não se colocar numa situação em que se podem aproveitar de informações pessoas para se apropriarem e manipularem os seus conteúdos.

- Literacia digital: devemos estar informados e falar abertamente sobre as redes sociais e tudo o que isso implica. Há cada vez mais formações e conteúdos que explicam os perigos da internet, das redes sociais e as consequências para os utilizadores.

- Estar atento a publicidade enganosa, estratégias de marketing que tentam manipular o utilizador, a noticias bombásticas que não existem, confirmando através de fontes fidedignas e verificando se as imagens ou vídeos serão reais.

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